Preste atenção. É o
grande detalhe do atual momento político.
A direita cansou de
perder a disputa presidencial e, mais que isso, entendeu que, desta vez, a
situação pode ser mais grave para os interesses que representa. Uma virtual vitória
de Dilma Rousseff pode ser acompanhada de uma composição mais progressista no
Congresso Nacional. E não é só. Eleições em estados que ela considera
estratégicos e em que se mostrava tradicionalmente hegemônica lhe apresentam o
risco de escaparem ao controle. É o caso do chamado Triângulo das Bermudas (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais),
além do Paraná. As pesquisas apontam nomes alinhados na base de apoio do governo
de Dilma nas quatro primeiras colocações para governador do Rio. Fernando
Pimentel está disparado nas cogitações dos mineiros e, embora Geraldo Alckmin e
José Richa mantenham dianteiras em São Paulo e Paraná, vê-se como bastante pausível
um súbito crescimento de candidatos oposicionistas, inclusive os nomes do PT
nos dois estados, Alexandre Padilha e Gleisi Hoffmann.
A situação
pré-eleitoral de Dilma Rousseff não é tão confortável quanto parecia até 2013, mas
ninguém desconsidera o potencial de realizações que pode apresentar durante a
campanha. Ao lado disso, frustraram-se dois elementos vistos como vitais para
desequilibrar suas chances. Ela conseguiu manter a ampla base de apoio, muito
superior às de que dispôs Lula em 2002 e mesmo em 2006, além dela mesma em 2010.
Por outro lado, parece ter sido um tiro na água a alternativa representada pela
dobradinha Eduardo Campos-Marina Silva, de quem se esperava descolar votos da
esquerda e induzir um segundo turno.
A direita sabe que não
suportaria mais quatro anos de liderança nacional petista, ainda mais se com
uma base parlamentar reforçada. Vê as sombras de ameaças que não passariam pela
ávida goela de suas bases de sustentação no poder econômico: a reforma
política, a reforma tributária e a regulação da mídia. Além, naturalmente, de destravar-se
a reforma agrária e institucionalizar-se definitivamente uma maior
representação da sociedade, como já antecipou o governo Dilma em recente
decreto.
Por tudo isso a eleição
de 2014 é vista como uma luta de morte para esses setores hoje representados principalmente
por PSDB, DEM e PPS. Eles não podem se queixar de perdas econômicas nos
primeiros governos sob liderança petista. Muito até pelo contrário. Mas tremem
de medo diante da agenda que parece pautar um futuro governo Dilma.
Diante dessa realidade,
a direita tem duas certezas. A primeira é de que não será no debate acerca de
programas ou, muito menos, na comparação de experiências governamentais que poderá
ganhar o confronto de outubro. A segunda é de que precisa destruir Dilma antes
do início da campanha, especialmente em rádio e TV. Antes da discussão de
propostas e apresentação de resultados.
A direita entendeu por
isso que não basta o eleitor OPTAR; é preciso ODIAR.
O motivo é simples. A opção
é feita com consciência; o ódio, com paixão.
E seus estrategistas
sabem que a consciência dá brechas para a mudança; a paixão só se resolve com a
morte.
Suas candidaturas dispõem
naturalmente das classes mais abastadas e conseguem atrair sem qualquer dificuldade
a classe média-alta, que não é, mas se pretende alta, motivo suficiente para
imitá-la. Boa parte da classe média tradicional também é atualmente sensível à
sedução da direita, ao não se conformar com o crescimento da maré social, trazendo
para perto de si classes antes marginalizadas do mercado. É a gente que não se
conforma em dividir espaços em aeroportos, em ver o trânsito invadido por levas
de novos carros e motoristas, presenciar novas presenças nos bancos das universidades
e entre os aprovados em concursos públicos.
Esses segmentos são sensibilizados
para odiar o PT e seus companheiros de viagem. Qualquer análise no sistema
tributário nacional mostra que a incidência de impostos é maior em quem tem
menor remuneração. Como praticamente todos os seus recursos são dirigidos para
o consumo, esses são quase integralmente gravados com os impostos diretos (IPI,
ICMS e ISS), cuja soma de alíquotas é superior à dos impostos indiretos, além
do IOF, quando são obrigados a financiar o que adquirem.
Ainda assim, essas
classes não aceitam que a repartição do orçamento público privilegie essas
classes que sempre contribuíram para o bolo tributário, pouco usufruindo dele.
Em outras palavras,
essa parcela da sociedade acostumou-se a beneficiar-se com quase exclusividade dos
recursos públicos. Foi o que sempre sucedeu com o quase monopólio das vagas em
universidades públicas por exemplo. E, a partir daí, com as bolsas para cursos
de mestrado e doutorado. Mas também com vultosos subsídios para grandes
empresas privadas, beneficiadas com financiamentos generosos e isenções fiscais,
para não falar das concessões de terras ou áreas urbanas a preços irrisórios. Não
causava qualquer questionamento o relacionamento do erário com o setor agrícola:
concessões de áreas rurais, isenções de impostos, taxas generosas no Imposto de
Renda, política de preços mínimos, compras de produção, financiamento
subsidiado de implementos agrícolas, perdões de financiamentos etc. Essa parte
da sociedade via com naturalidade, por exemplo, a aposentadoria rural, que
alcança milhões de brasileiros humildes, mas não é fruto direto da contribuição
de fazendeiros com a folha de seus empregados.
Esses setores
dominantes ainda conseguiram assimilar algumas políticas que atingiram
segmentos mais amplos da sociedade, como o vale-transporte ou o seguro-desemprego,
ambos alcançando trabalhadores com carteira assinada. O sinal vermelho acendeu
quando surgiram políticas de efetiva redução da marginalidade, buscando
beneficiar os que não eram aproveitados pelo mercado formal de trabalho. É o
caso da Bolsa Família. E é também o
caso do Mais Médicos, que promove o
atendimento de brasileiros não integrados à economia formal. Mas acendeu também
por causa da ascensão social de classes inferiores, do acesso à universidade,
por exemplo, com o ProUni e a multiplicação
de instituições federais de ensino, inclusive com a desconcentração de campi universitários. São políticas que
tendem a desequilibrar a equação da marginalização mais que secularmente vigente.
Ao se ver ameaçada
eleitoralmente em mais uma disputa, veio a onda de demonização do governo, do
PT e de quem quer que se juntasse na mesma
base de apoio. Não era uma estratégia nova, mas intensificou-se
exponencialmente a partir das manifestações de junho de 2013. E tomou a Copa do
Mundo como mote justamente pela irracionalidade como que poderia ser trabalhado,
sem que ela fosse realmente discutida.
A Copa é um evento
privado. As acusações de corrupção contra a FIFA, entidade detentora do direito
de realiza-la, não são desconhecidas de qualquer brasileiro medianamente
informado. O outro lado da questão é que o direito de atrair o evento é disputado
por países de todo o mundo. Uma disputa tão renhida que não é raro surgirem insinuações
de golpes baixos entre os países. Trata-se do maior evento esportivo do mundo,
conseguindo suplantar as Olimpíadas. Quem pretende atraí-la não o faz por qualquer
simpatia pela FIFA, mas pelos resultados econômicos que é capaz de proporcionar.
E é claro que a FIFA se aproveita disso ao máximo. Negocia diretamente os patrocínios
e impõe regras aos países-sede, inclusive a isenção de impostos, como tem feito
nas últimas edições da competição.
Nada disso é desconhecido
das forças políticas brasileiras ou das empresas que auferem polpudos resultados
com a sua realização: patrocinadores, rede hoteleira e de serviços, empresas de
transporte, agências de turismo e um sem número de atividades. Desde a rede de
televisão que conseguiu trazer pra si o direito de transmissão, inclusive para
todo o mundo, até os ambulantes que vendem bugigangas nos semáforos.
Não é surpresa quando a
Copa é realizada no Brasil e nem quando é disputada em qualquer outra parte do mundo,
mobilizando também o apetite de várias dessas empresas.
Beira a hipocrisia a
avaliação moralista com relação ao que representa a FIFA. O poder público brasileiro
investe fortunas em outros eventos de grande envergadura (Fórmula 1, Carnaval,
Rock’n Rio, tantos outros festivais, para citar só alguns) e não seríamos
capazes de lembrar de abordagens moralistas com relação a gastos públicos em
outros deles. As escolas de samba são também instituições privadas e, ainda
assim, recebem subvenções públicas diretas, isenções de impostos e imensos
investimentos na estrutura que dá suporte ao carnaval. Levante o dedo quem
nunca ouviu falar que as grandes escolas de samba brasileiras são vinculadas a
bicheiros. O Campeonato Brasileiro de Futebol também não absorve poucos
investimentos públicos. Mas é “propriedade” de uma instituição (a CBF) com
inúmeras acusações de corrupção, reunindo clubes (igualmente privados) contra os
quais não são menos contundentes as acusações. A começar pela cínica sonegação
de impostos da maior parte deles.
E, cá pra nós, a Copa
nunca teve partido político. No auge da ditadura, a esquerda chegou a ensaiar
uma campanha para que não se torcesse pela seleção canarinho. Bobagem! Vivi
isso pessoalmente e não conheço um só militante que renunciasse à torcida mais
apaixonada. Dilma Rousseff acaba de dizer que isso se repetiu nas prisões. E é
preciso lembrar que o governo Garrastazu interferiu na seleção, chegando a
provocar a demissão do treinador João Saldanha. Mas o único resultado que
poderia esperar dela seria deslocar o foco da atenção da sociedade, alienando-se
da tremenda repressão contra os adversários políticos. Jamais tive notícia de
um só brasileiro por quem passasse a ideia de que a Copa de 1970 fosse ganha
por causa do governo.
Se a Copa deste ano
pode ajudar a candidatura Dilma Rousseff será parte do mesmo pacote que a prejudicou.
Prejudicou porque, durante pelo menos um ano, o seu governo foi vítima de uma
guerra de desqualificação, na maior parte das vezes com a utilização de números
mentirosos relativamente a investimentos, além de passar-se a ideia de
incompetência na condução de obras, boa parte das quais conduzidas por entes
privados ou governos estaduais. A onda voltou na mesma intensidade, a partir do
momento em que foi possível realizar a Copa sem transtorno maior do que o
aceitável para qualquer participante: delegações esportivas ou turistas nacionais
e estrangeiros.
Numa única coisa a Copa
pode ser benéfica para a candidatura de Dilma. Por consumir um mês às vésperas
das eleições e em razão do sucesso do evento, a Copa amorteceu a estratégia do ódio.
Tudo indica que deixou a campanha para a época da campanha e, para desespero da
direita, a expectativa é que nesse momento imponha-se a consciência. Vamos ver
se conseguirá impor a política do ódio.
Fernando Tolentino
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