sábado, 27 de agosto de 2016

PARABÉNS, MINHA PRESIDENTA!



Qualquer que seja o desfecho desse processo a que Você é submetida pelo Congresso Nacional e, agora, especificamente pelo Senado, já lhe adianto os meus mais efusivos parabéns.
Vivemos a mesma época, o que me permite sentir um pouco do que se passa em seu coração.
Não fui torturado. Mas não sei dizer quantas noites eu me revirei na cama imaginando o que, nas mãos de seus algozes, estavam passando companheiros de luta, entre eles os da minha organização, Ação Popular.
As mesmas lágrimas que rolam em meu rosto enquanto escrevo este texto derramaram-se pelos de quantos fizeram militância àquela época e se depararam, nas paredes de instituições públicas, com cartazes recheados de fotos de PROCURADOS (na verdade, presos), nelas identificando, manuscritas, pequenas cruzes sobre algumas fotos, para informar-nos que haviam sido mortos.
Lembro o aperto no coração ao ver, na TV, a aparição de “arrependidos”, farrapos humanos que não suportaram a tortura. Ou mesmo ao saber que algum companheiro não tivera a sua bravura e acabara falando o que queriam os torturadores.
Por tudo isso, meu peito se encheu de entusiasmo ao ver as cenas da volta de exilados, ainda que depois de uma anistia mais restrita do que reivindicamos. Por isso, chorei de tristeza ao testemunhar a nossa derrota na campanha das DIRETAS JÁ, de alegria ao ver Maluf vencido, ainda que em um Colégio Eleitoral que negava participação ao povo, de decepção com o insucesso de Lula em 1989.
Não podia deixar de me embriagar de felicidade com a vitória de Lula em 2002. Depois, com a de 2006, com a sua de 2010 e com a de 2014.
É ocioso lembrar tudo o que foi possível fazer desde a primeira vitória de Lula.
Não é bom esquecer que uma a uma dessas conquistas implicou em complicadas articulações com uma base de apoio parlamentar pouco solidária com o projeto de inclusão social que precisávamos disputar com a oposição. Valeu a pena.
Também não dá pra fazer de conta que desconhecemos algumas verdades. Como a de que parte substancial das concessões feitas nessas refregas políticas permitiu que hoje estejamos no canto do ringue: a reforma política, a lei dos meios de comunicação, uma reforma do judiciário, a reforma tributária, a relação injustificadamente cavalheiresca e generosa com determinados veículos da mídia, não estruturamos ou ao menos apoiarmos uma mídia de massas identificada com as mudanças que empreendíamos, a indicação de nomes oferecidos por adversários para o Tribunal de Contas da União e a de nomes exclusivamente “técnicos” para as vagas dos tribunais superiores. São só algumas lembranças.
Tudo isso se passou sem que deixássemos de ser duramente atacados em todos os momentos e que não tivemos, salvo com o PCdoB, nenhuma relação estável de parceria com partidos políticos da base. Tanto que, em quatro eleições, nossas coligações presidenciais não atraíam apoios para as mesmas candidaturas estaduais. Mesmo que tais “alianças” nos causassem sérios estragos, como ocorreu com PL e PTB pouco após chegarmos ao governo. Abrimos mão de valores éticos para cumprir compromissos de campanha com essas legendas. Assim que pilhado em corrupção rasteira, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, esticou o dedo para desmoralizar o PT. A mídia apressou-se a, na prática, anistiá-lo e até adotar o nome de “mensalão”, por ele cunhado, para inventar um enredo que acabou sendo incorporado pelo supremo. Nas campanhas estaduais (como nas municipais), políticos de partidos de nossa base trabalhavam para destruir o PT, imputando-lhe a pecha de corrupto.
Ao mesmo tempo, esses políticos surfavam na popularidade de Lula e na sua, durante a metade inicial do primeiro mandato, além de aproveitarem-se de investimentos federais para assegurarem a continuidade de seus projetos pessoais.
A partir do recrudescimento da crise econômica mundial e de seus efeitos se derramarem sobre o Brasil, Você foi vítima de uma política ainda mais cínica. Ao mesmo tempo em que lhe impunham derrotas nas votações do Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados, esses partidos mostravam a sua avidez pelos espaços governamentais. Em 2015, há apenas poucos meses, o PMDB chegou a ter mais ministérios que o PT.
DILMA: UM OBSTÁCULO AO RETROCESSO
A verdade é que, durante todos esses anos, dormimos com inimigos. No início do seu segundo governo, ao perceberem que a dureza dos números da economia já não lhe manteria com os mesmos níveis de popularidade, esses partidos, de compromissos inequivocamente conservadores, entenderam que o resultado de 2014 teve um desenho esquizofrênico: uma presidenta comprometida com interesses nacionais e populares e, do outro lado, maiorias parlamentares na Câmara e no Senado sem qualquer caráter nacionalista, representativos de poderosos grupos econômicos.
Com uma Constituição de viés parlamentarista, parida de uma Comissão de Sistematização que esteve à beira de impor esse sistema de governo ao País, os partidos conservadores entenderam que o seu poder não era muito maior que o de vetar os retrocessos que prometeram aos seus financiadores de campanha ou aos seus grupos econômicos de origem.
O seu “Impeachment” é somente isso. Trata-se de eliminar quem tem o poder de veto, com ele mantendo o que havia de avanços sociais na Constituição de 1988, o caráter inclusivo dos três governos Lula-Dilma e a afirmação do patrimônio nacional, particularmente das nossas mais importantes estatais e do Pré-Sal.
Só como exemplo, essa gente (e os bancos privados que têm nas mãos as rédeas de seus mandatos) não perdoaria nunca que Lula tenha imposto à Caixa e ao Banco do Brasil a prática de juros abaixo do mercado financeiro privado para afastar os efeitos iniciais da crise econômica mundial.
Grupos econômicos poderosos não decidem apenas como votam os deputados e senadores por eles eleitos e mantidos. Determinam a linha editorial de cada grande veículo de comunicação. Em boa medida, com eles se confundem.
Em fevereiro, eu lembrava (http://blogdetolentino.blogspot.com.br/2016/02/a-midia-e-sua-imagem.html) que a presidenta da Associação Nacional dos Jornais em pessoa já deixava claro há cinco anos que “os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”. Uma revelação importante, ainda mais em um dos poucos países do mundo em que se admite a propriedade cruzada dos meios, os mesmos grupos controlando emissoras de TV, rádios, jornais e internet. Um país em que um punhado de famílias controla todos os grandes meios e redes.
Ninguém imaginaria, em qualquer outro país, que praticamente todos os grandes veículos de comunicação abrissem suas páginas e seus horários jornalísticos na TV com as mesmas manchetes.  
Daí que a guerra da mídia contra o seu governo (já anunciada nos de Lula) até se antecipasse à do Parlamento, sempre secundada por importantes corporações do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Se triunfar o golpe, sabemos muito bem o que vem por aí. Aliás, boa parte já em franco desenvolvimento. O desmonte do que há de mais relevante na Constituição: direitos trabalhistas, previdenciários e sociais (especialmente a saúde e a educação públicas), da legislação ambiental, do poder nacional sobre o patrimônio público nacional, com a entrega das estatais, das reservas de petróleo (especialmente o Pré-Sal) e até de água.
Para o País e o povo brasileiro, nada poderia ser mais lamentável.
Mas ninguém poderá dizer que Você não lutou para preservar tudo isso.
Então, é importante destacar o que Você representa nisso tudo.
Tancredo Neves nem bem atingira a metade de seu mandato como governador de Minas Gerais e anunciou a sua decisão de renunciar para se candidatar a presidente da República. Ainda em tempo de ditadura, a pretensão era considerada arriscada dada a força do governo no Colégio Eleitoral para apoiar o adversário, Paulo Maluf. Na coletiva em que fez o anúncio, um repórter perguntou se valia a pena a empreitada. Sua resposta foi fulminante: “Ruy Barbosa foi candidato a presidente em 1910 na memorável campanha civilista. Perdeu a eleição. Algum dos senhores sabe dizer quem foi o vitorioso?”
São razões que os seus adversários desconhecem. Os deputados e senadores enxergam apenas os seus projetos pessoais. O grande empresariado – aí incluídos os grupos detentores dos meios de comunicação – vê uma importante janela de oportunidade para retomar uma agenda em que foram derrotados há décadas. Na de 1950, com Getúlio Vargas, criando a Petrobras e o monopólio do petróleo, assim como com a CLT. Na Constituição, com a inscrição de direitos sociais e trabalhistas. Nos anos Lula-Dilma, com as políticas de inclusão social.
A grande maioria de promotores, juízes e ministros de tribunais superiores não consegue ver além de seus salários e outros interesses argentários, como o polpudo auxílio-moradia, além holofotes e manchetes que alimentem as suas vaidades.
As compensações dos acusadores são, assim, absolutamente distintas das de Lula e das suas. Por isso, ficam perseguindo mesquinharias para envolver Lula, como se ele houvesse entregue a sua vida a uma luta para que, ao final, ganhasse uma reforma de um apartamento ou de um sítio em que precisasse esconder a propriedade.
O que quer que façam não atingirá Lula.
Quanto a Você, inventaram uma mentira a que chamaram de “impeachment” e, com ela, tornaram Você muito maior hoje do que quando criaram esse embuste.
Se ao menos um terço dos senadores tiver um momento de grandeza e lhe devolver o mandato, em definitivo ou com o compromisso de convocação de eleições, Você voltará nos braços do povo.
No meio do povo, os que se lhe opunham podem até não apoiar a sua volta, mas envergonham-se do que fizeram. Não têm mais dúvidas de que levaram às ruas interesses que não eram seus. Viram que os verdadeiros corruptos vestiam, como eles, as desmoralizadas camisas da CBF. Por isso, os golpistas falam em ruas nos seus discursos, mas não conseguem mais convencer ninguém a ocupá-las.
A maior parte dos senadores que votar pelo golpe não conseguirá levantar as cabeças ao transitar no meio do povo, talvez ao se deparar com os seus próprios parentes. Nenhum deles poderá desfrutar da admiração popular. Enquanto isso, o Brasil inteiro não esquecerá nomes como Gleisi, Lindbergh, Vanessa, Requião, Kátia, Cardozo, Jandira, Pimenta, Paulo Teixeira, Damous, Sílvio Costa, Moema e vários outros.
Os acusadores jamais entenderão. A moeda que paga os democratas, que recompensa os políticos de compromissos populares, é o reconhecimento.
Na História, estarão lembrados os maiores presidentes. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jango, Lula.
E uma mulher. Militante clandestina durante a ditadura, capaz de se impor aos seus torturadores, de suportar um câncer até o momento de vencê-lo sem se afastar da responsabilidade de presidenta da República. Capaz de encarar senadores, onde não faltam machistas, corruptos, suspeitos de manter trabalho escravo e tráfico de drogas, traidores oportunistas.
Para quê? Em nome da verdade. Justamente o que esperávamos de Você.
Parabéns, minha presidenta!
Fernando Tolentino

Nenhum comentário:

Postar um comentário