Qualquer que seja o
desfecho desse processo a que Você é submetida pelo Congresso Nacional e,
agora, especificamente pelo Senado, já lhe adianto os meus mais efusivos parabéns.
Vivemos a mesma época,
o que me permite sentir um pouco do que se passa em seu coração.
Não fui torturado. Mas
não sei dizer quantas noites eu me revirei na cama imaginando o que, nas mãos de
seus algozes, estavam passando companheiros de luta, entre eles os da minha
organização, Ação Popular.
As mesmas lágrimas que rolam
em meu rosto enquanto escrevo este texto derramaram-se pelos de quantos fizeram
militância àquela época e se depararam, nas paredes de instituições públicas,
com cartazes recheados de fotos de PROCURADOS (na verdade, presos), nelas
identificando, manuscritas, pequenas cruzes sobre algumas fotos, para
informar-nos que haviam sido mortos.
Lembro o aperto no
coração ao ver, na TV, a aparição de “arrependidos”, farrapos humanos que não
suportaram a tortura. Ou mesmo ao saber que algum companheiro não tivera a sua
bravura e acabara falando o que queriam os torturadores.
Por tudo isso, meu
peito se encheu de entusiasmo ao ver as cenas da volta de exilados, ainda que
depois de uma anistia mais restrita do que reivindicamos. Por isso, chorei de tristeza
ao testemunhar a nossa derrota na campanha das DIRETAS JÁ, de alegria ao ver
Maluf vencido, ainda que em um Colégio Eleitoral que negava participação ao
povo, de decepção com o insucesso de Lula em 1989.
Não podia deixar de me
embriagar de felicidade com a vitória de Lula em 2002. Depois, com a de 2006,
com a sua de 2010 e com a de 2014.
É ocioso lembrar tudo o
que foi possível fazer desde a primeira vitória de Lula.
Não é bom esquecer que
uma a uma dessas conquistas implicou em complicadas articulações com uma base
de apoio parlamentar pouco solidária com o projeto de inclusão social que precisávamos
disputar com a oposição. Valeu a pena.
Também não dá pra fazer
de conta que desconhecemos algumas verdades. Como a de que parte substancial
das concessões feitas nessas refregas políticas permitiu que hoje estejamos no canto
do ringue: a reforma política, a lei dos meios de comunicação, uma reforma do
judiciário, a reforma tributária, a relação injustificadamente cavalheiresca e
generosa com determinados veículos da mídia, não estruturamos ou ao menos
apoiarmos uma mídia de massas identificada com as mudanças que empreendíamos, a
indicação de nomes oferecidos por adversários para o Tribunal de Contas da
União e a de nomes exclusivamente “técnicos” para as vagas dos tribunais
superiores. São só algumas lembranças.
Tudo isso se passou sem
que deixássemos de ser duramente atacados em todos os momentos e que não
tivemos, salvo com o PCdoB, nenhuma relação estável de parceria com partidos
políticos da base. Tanto que, em quatro eleições, nossas coligações
presidenciais não atraíam apoios para as mesmas candidaturas estaduais. Mesmo
que tais “alianças” nos causassem sérios estragos, como ocorreu com PL e PTB pouco
após chegarmos ao governo. Abrimos mão de valores éticos para cumprir compromissos
de campanha com essas legendas. Assim que pilhado em corrupção rasteira, o
presidente do PTB, Roberto Jefferson, esticou o dedo para desmoralizar o PT. A
mídia apressou-se a, na prática, anistiá-lo e até adotar o nome de “mensalão”,
por ele cunhado, para inventar um enredo que acabou sendo incorporado pelo
supremo. Nas campanhas estaduais (como nas municipais), políticos de partidos
de nossa base trabalhavam para destruir o PT, imputando-lhe a pecha de corrupto.
Ao mesmo tempo, esses
políticos surfavam na popularidade de Lula e na sua, durante a metade inicial
do primeiro mandato, além de aproveitarem-se de investimentos federais para
assegurarem a continuidade de seus projetos pessoais.
A partir do
recrudescimento da crise econômica mundial e de seus efeitos se derramarem
sobre o Brasil, Você foi vítima de uma política ainda mais cínica. Ao mesmo
tempo em que lhe impunham derrotas nas votações do Congresso Nacional,
especialmente na Câmara dos Deputados, esses partidos mostravam a sua avidez pelos
espaços governamentais. Em 2015, há apenas poucos meses, o PMDB chegou a ter
mais ministérios que o PT.
DILMA: UM OBSTÁCULO AO RETROCESSO
A verdade é que,
durante todos esses anos, dormimos com inimigos. No início do seu segundo
governo, ao perceberem que a dureza dos números da economia já não lhe manteria
com os mesmos níveis de popularidade, esses partidos, de compromissos
inequivocamente conservadores, entenderam que o resultado de 2014 teve um
desenho esquizofrênico: uma presidenta comprometida com interesses nacionais e
populares e, do outro lado, maiorias parlamentares na Câmara e no Senado sem
qualquer caráter nacionalista, representativos de poderosos grupos econômicos.
Com uma Constituição de
viés parlamentarista, parida de uma Comissão de Sistematização que esteve à
beira de impor esse sistema de governo ao País, os partidos conservadores
entenderam que o seu poder não era muito maior que o de vetar os retrocessos
que prometeram aos seus financiadores de campanha ou aos seus grupos econômicos
de origem.
O seu “Impeachment” é
somente isso. Trata-se de eliminar quem tem o poder de veto, com ele mantendo o
que havia de avanços sociais na Constituição de 1988, o caráter inclusivo dos
três governos Lula-Dilma e a afirmação do patrimônio nacional, particularmente das
nossas mais importantes estatais e do Pré-Sal.
Só como exemplo, essa
gente (e os bancos privados que têm nas mãos as rédeas de seus mandatos) não
perdoaria nunca que Lula tenha imposto à Caixa e ao Banco do Brasil a prática
de juros abaixo do mercado financeiro privado para afastar os efeitos iniciais
da crise econômica mundial.
Grupos econômicos poderosos
não decidem apenas como votam os deputados e senadores por eles eleitos e
mantidos. Determinam a linha editorial de cada grande veículo de comunicação. Em
boa medida, com eles se confundem.
Em fevereiro, eu
lembrava (http://blogdetolentino.blogspot.com.br/2016/02/a-midia-e-sua-imagem.html)
que a presidenta da Associação Nacional dos Jornais em pessoa já deixava claro
há cinco anos que “os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição
oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”.
Uma revelação importante, ainda mais em um dos poucos países do mundo em que se
admite a propriedade cruzada dos meios, os mesmos grupos controlando emissoras
de TV, rádios, jornais e internet. Um país em que um punhado de famílias
controla todos os grandes meios e redes.
Ninguém imaginaria, em
qualquer outro país, que praticamente todos os grandes veículos de comunicação
abrissem suas páginas e seus horários jornalísticos na TV com as mesmas
manchetes.
Daí que a guerra da
mídia contra o seu governo (já anunciada nos de Lula) até se antecipasse à do
Parlamento, sempre secundada por importantes corporações do Poder Judiciário e
do Ministério Público.
Se triunfar o golpe, sabemos
muito bem o que vem por aí. Aliás, boa parte já em franco desenvolvimento. O
desmonte do que há de mais relevante na Constituição: direitos trabalhistas, previdenciários
e sociais (especialmente a saúde e a educação públicas), da legislação
ambiental, do poder nacional sobre o patrimônio público nacional, com a entrega
das estatais, das reservas de petróleo (especialmente o Pré-Sal) e até de água.
Para o País e o povo
brasileiro, nada poderia ser mais lamentável.
Mas ninguém poderá
dizer que Você não lutou para preservar tudo isso.
Então, é importante
destacar o que Você representa nisso tudo.
Tancredo Neves nem bem
atingira a metade de seu mandato como governador de Minas Gerais e anunciou a
sua decisão de renunciar para se candidatar a presidente da República. Ainda em
tempo de ditadura, a pretensão era considerada arriscada dada a força do
governo no Colégio Eleitoral para apoiar o adversário, Paulo Maluf. Na coletiva
em que fez o anúncio, um repórter perguntou se valia a pena a empreitada. Sua
resposta foi fulminante: “Ruy Barbosa foi candidato a presidente em 1910 na memorável campanha civilista.
Perdeu a eleição. Algum dos senhores sabe dizer quem foi o vitorioso?”
São razões que os seus
adversários desconhecem. Os deputados e senadores enxergam apenas os seus
projetos pessoais. O grande empresariado – aí incluídos os grupos detentores
dos meios de comunicação – vê uma importante janela de oportunidade para
retomar uma agenda em que foram derrotados há décadas. Na de 1950, com Getúlio
Vargas, criando a Petrobras e o monopólio do petróleo, assim como com a CLT. Na
Constituição, com a inscrição de direitos sociais e trabalhistas. Nos anos
Lula-Dilma, com as políticas de inclusão social.
A grande maioria de promotores,
juízes e ministros de tribunais superiores não consegue ver além de seus
salários e outros interesses argentários, como o polpudo auxílio-moradia, além holofotes
e manchetes que alimentem as suas vaidades.
As compensações dos
acusadores são, assim, absolutamente distintas das de Lula e das suas. Por isso,
ficam perseguindo mesquinharias para envolver Lula, como se ele houvesse entregue
a sua vida a uma luta para que, ao final, ganhasse uma reforma de um
apartamento ou de um sítio em que precisasse esconder a propriedade.
O que quer que façam
não atingirá Lula.
Quanto a Você,
inventaram uma mentira a que chamaram de “impeachment” e, com ela, tornaram
Você muito maior hoje do que quando criaram esse embuste.
Se ao menos um terço
dos senadores tiver um momento de grandeza e lhe devolver o mandato, em definitivo
ou com o compromisso de convocação de eleições, Você voltará nos braços do
povo.
No meio do povo, os que
se lhe opunham podem até não apoiar a sua volta, mas envergonham-se do que
fizeram. Não têm mais dúvidas de que levaram às ruas interesses que não eram seus.
Viram que os verdadeiros corruptos vestiam, como eles, as desmoralizadas
camisas da CBF. Por isso, os golpistas falam em ruas nos seus discursos, mas
não conseguem mais convencer ninguém a ocupá-las.
A maior parte dos
senadores que votar pelo golpe não conseguirá levantar as cabeças ao transitar
no meio do povo, talvez ao se deparar com os seus próprios parentes. Nenhum
deles poderá desfrutar da admiração popular. Enquanto isso, o Brasil inteiro não
esquecerá nomes como Gleisi, Lindbergh, Vanessa, Requião, Kátia, Cardozo, Jandira,
Pimenta, Paulo Teixeira, Damous, Sílvio Costa, Moema e vários outros.
Os acusadores jamais
entenderão. A moeda que paga os democratas, que recompensa os políticos de
compromissos populares, é o reconhecimento.
Na História, estarão
lembrados os maiores presidentes. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jango,
Lula.
E uma mulher. Militante
clandestina durante a ditadura, capaz de se impor aos seus torturadores, de
suportar um câncer até o momento de vencê-lo sem se afastar da responsabilidade
de presidenta da República. Capaz de encarar senadores, onde não faltam
machistas, corruptos, suspeitos de manter trabalho escravo e tráfico de drogas,
traidores oportunistas.
Para quê? Em nome da
verdade. Justamente o que esperávamos de Você.
Parabéns, minha
presidenta!
Fernando Tolentino
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