Em recente palestra
sobre ética, o professor Leandro
Karnal, lembrou um conceito do filósofo francês Etienne de La
Boétie; “Só pessoas éticas têm amigos. Uma pessoa não ética tem apenas cúmplices.”
A conclusão lógica é que “os maus não têm amizade, eles apenas
se entretemem.”
A partir daí, Karnal adaptou a ideia ao momento brasileiro: “Os maus têm medo de uma
delação premiada”.
Nenhuma
rápida pincelada filosófica poderia definir tão bem o dilema vivido hoje por
Michel Temer, quando a Câmara dos Deputados se reúne para decidir sobre a
cassação do mandato de Eduardo Cunha.
O
processo todo transcorreu de modo a salvar o ex-presidente da Câmara da perda
do mandato. Não custa comparar o desenrolar do processo com o de impedimento da
presidenta Dilma Rousseff. O PSOL e a REDE protocolaram o pedido de cassação de
Cunha em 13 de
outubro de 2015. O relatório favorável foi apresentado na Comissão de Ética em 24
de novembro de 2015, mas a sua aprovação só viria a se dar em 2 de maio de 2016.
As manobras para emperrar o andamento foram tantas – e dirigidas pessoalmente
por Cunha – que o STF aprovou o seu afastamento da Presidência da Casa e do
mandato no dia 5 de maio. Ainda assim, sua apreciação pelo Plenário vem sendo
protelada, de modo que só está ocorrendo 11
meses depois de iniciado. Um prazo recorde para cassação de parlamentar.
Muito mais tempo que o
gasto para o afastamento definitivo de uma presidenta da República, em que são
definidos prazos rigorosos para o exame do processo tanto pela Câmara como pelo
Senado. O pedido de “impeachment” de Dilma foi admitido por Cunha em 2 de dezembro, quando a bancada do PT deixou claro que votaria
favoravelmente pela cassação do mandato dele. Para ter um ritmo fulminante,
sessões foram marcadas para dias em que a Casa não se reúne habitualmente,
inclusive em fim de semana. O primeiro semestre da Câmara praticamente só
ocorreu em função desse processo. Passado o recesso parlamentar, a Comissão
Especial foi criada em 17 de março e, apenas um mês depois, em 17 de abril, o
Plenário aprovou o seu envio para o Senado, que não gastou sequer um mês para
aprovar a admissibilidade do processo, em 12 de maio. Dilma foi afastada temporariamente
do cargo e, embora fosse aberto um prazo de 180 dias, que se esgotaria em
novembro, o “impeachment” foi aprovado em 31 de agosto, pouco mais de três
meses depois. Menos de oito meses
desde que Cunha deu início ao processo.
Um novo
ardil estava desenhado. A decisão só se dará com o voto de 257 deputados, o que
significa que as ausências beneficiam Cunha. É preciso lembrar que faltam 20
dias para as eleições municipais, em que todos os deputados se envolvem por
serem consideradas fundamentais para organizarem as bases de suas reeleições
daqui a dois anos. Nada menos de 61 deputados são inclusive candidatos a
prefeitos. Não bastante, votações importantes nunca são marcadas para segunda-feira,
pois os deputados costumam retornar a Brasília na terça-feira. Pois a votação
da cassação foi marcada justamente para uma noite de segunda-feira. Só a
mobilização da opinião pública pode contribuir para a aprovação da cassação e
disso estão se valendo os que a defendem, ameaçando levarem para a população os
nomes dos que contribuírem para a preservação do mandato.
No meio
desse furdúncio, como fica a posição de Temer, hoje considerado um grande eleitor
no Congresso Nacional?
Ninguém esquece o
conteúdo das gravações das conversas entre Sérgio Machado e o senador Romero
Jucá, presidente do PMDB e ministro do Planejamento no período da interinidade,
com a inequívoca afirmação: “Temer é Cunha, Cunha é Temer”.
Amigos? A ninguém com
um mínimo de informação política é dado o direito de desconhecer que não passam
de cúmplices, voltando ao conceito de Etienne de La Boétie, em tão
boa hora resgatado pelo professor Karnal.
Senhor das rédeas de
enorme número de deputados (alguns avaliam que já passaram de 200, no auge de
seu império parlamentar), ninguém despreza a influência de Cunha sobre o atual governo.
Temer sabe que a
companhia do deputado não contribui para a sua imagem e a responsabilidade pela
preservação do mandato pode ser atribuída a uma contribuição sua, ainda que
discreta. Além disso, seria um enorme alívio não o ter ostentando sua força na
bancada e exigindo espaços, influência em decisões de governo e até uma
mãozinha para a sua impunidade. Mas ele tem absoluta clareza dos riscos que
representa o virtual ressentimento de Cunha.
“Os maus
têm medo de uma delação premiada”, clareou Karnal. E Cunha pode fazer a terra
de Brasília tremer se soltar a língua, sendo indiscutível que Temer não sairá
apenas respingado.
FASE PRA LÁ DE DELICADA
Em plena fase de
inferno zodiacal (atenção puxa-sacos: aniversário em 23 de setembro), Temer
ainda não conseguiu um momento de trégua.
Não precisa enfrentar diariamente
as manchetes destrutivas a cada edição de jornal impresso, radiofônico ou
televisivo, como sofreu Dilma no mínimo desde a sua eleição, em 2014. Mas a
frequência das manifestações contrárias já é muito superior à da presidenta
afastada. Não há uma só semana em que as ruas das capitais e grandes cidades não
se veja tomada por multidões muito superiores aos 40 arruaceiros de que ele se
vangloriou na China. As solenidades de abertura da Olimpíada e da Paralimpíada,
as suas competições, as sessões do premiado filme Aquarius, peças teatrais, “shows”,
reuniões científicas, encontros universitários, até as arquibancadas de
convidados para o desfile de 7 de setembro, não há ambiente público em que se
reúna grande quantidade de pessoas e que não se ouça o enfático mantra “Fora Temer”.
Seus marqueteiros ainda
tentaram criar um “Fora Ladrão” para se opor à palavra de ordem oposicionista,
mas deu em água. Primeiro: o seu governo e os partidos e movimentos que o
apoiam já não conseguem botar na rua mais uns gatos pingados sem qualquer
entusiasmo. Segundo: à notícia da luminosa ideia de “marketing”, sucedeu-se
nova onda de revelações de corrupção em suas hostes, reforçando uma das causas
do divórcio das bases populares que reivindicaram o “impeachment” em 2015. Além
disso, as entidades populares e as redes sociais (com a ajuda de uma
inconfidência de seu próprio ministro do Trabalho) têm evidenciado as intenções
de seu governo quanto aos direitos previdenciários e trabalhistas, motivo
suficiente para afastar levas de simpatizantes. Organizações que lideraram a
campanha do “impeachment”, como o Movimento Brasil Livre (MBL) deixam claro que
a perda de direitos é pra valer, defendendo publicamente que apoiam a
eliminação de vários deles.
Por tudo isso, o Brasil
passou a conviver com um presidente esgueirando-se pelas sombras. Manifestantes
à porta de sua casa, em São Paulo, já o haviam flagrado enfiado entre as golas
do paletó no banco traseiro do carro. A agenda não registra eventos públicos e
suas viagens são homeopáticas e inteiramente reservadas. Na aparição como chefe
de Estado, no 7 de setembro, quebrou a rotina e surgiu em carro fechado, sem
ostentar a faixa presidencial.
Por outro lado, por
mais que isso lhe deixe transtornado, a conceituação de sua chegada à cadeira
de presidente como Golpe se
disseminou pelo mundo, repercutida por veículos de comunicação de inúmeros
países e contaminando diferentes lideranças mundiais. Tanto que foi um fiasco a
presença de representantes internacionais na abertura da Olimpíada. Países
vizinhos também não revelam a menor simpatia pelo seu governo e, a exemplo de
outros líderes mundiais, até o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, não
lhe dispensou a menor atenção durante a reunião do G20, na China.
O esquisito é que não apenas
se esconde da população, mas tenta impor a mesma invisibilidade a Dilma, para o
que vem contando com inestimável colaboração da grande mídia. A presidenta
afastada desapareceu do noticiário em qualquer dos meios, como se jamais
tivesse existido. Desde o seu afastamento temporário, já recebeu títulos de
cidadã horária em três estados, além de comparecer a inúmeros atos populares,
sem que nada disso merecesse míseros minutos em programação de TV ou algumas
linhas de grandes jornais.
Não satisfeito, Temer determinou,
ainda na interinidade, que barreira militar limitasse o acesso ao Palácio da
Alvorada, além de restringir os deslocamentos dela em aeronave oficial. Quando
de sua despedida, novos obstáculos foram impostos à aproximação do Palácio da
Alvorada. O avião que a conduziu a Porto Alegre foi impedido de pousar no
Aeroporto Salgado Filho, onde populares a aguardavam, e desceu em Canoas.
Nem precisava mais uma
crise em sua própria equipe. Mas a semana começou com escandalosa capa, logo de
quem, da Veja, em que o demitido ministro chefe da Advocacia Geral da União
resolve lançar excrementos no ventilador e confirmar o que já fora alardeado
naquelas gravações de Sérgio Machado: Dilma foi afastada e ele colocado na
cadeira de presidente porque era preciso “estancar a sangria”, ou seja, abafar
a Lava Jato e preservar as multidões de puníveis que lhe rodeiam.
Agora, é esperar pelas
repercussões do julgamento de Eduardo Cunha, negativas para o seu governo em
quaisquer circunstâncias.
Hoje é dia de pressionar os deputados pela cassação de Eduardo Cunha lá na Esplanada. Quero ver se alguém que saiu às ruas pelo impeachment de Dilma e "contra a corrupção" como diziam eles, vão estar lá. Tenho certeza que não...
ResponderExcluirRealmente, Luiza. Eles não conseguem levar mais ninguém pra rua. Ou se envergonharam ao ver os corruptos em massa no lado de lá ou perceberam qual é a pauta do governo golpista. Não havia um só gato pingado deles na Esplanada.
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