Em menos de uma dúzia e
meia de horas, três anulações. A decisão do presidente interino da Câmara, ao
anular as sessões da Casa que inauguraram oficialmente o golpe, a ainda mais surpreendente
revogação dessa mesma decisão, na calada
da noite, ou a sua própria anulação?
Quem mesmo tinha razão?
Dilma, ao pedir cautela aos manifestantes que comemoravam, em pleno Palácio? Renan,
ao classificar a sua atitude como “brincadeira”? Cunha, ao qualificá-lo como um
“Severino melhorado” e prevenir de que não aguentaria 15 dias na direção da
Câmara?
Todos. Só eu não tinha
razão, ao entrar no perfil de Facebook
(e até no do Whatsapp) desse homem
para elogiá-lo, destacando a sua coragem.
Acordado em plena
madrugada por um disparo de zap com o compartilhamento da notícia, minha
primeira reação foi não acreditar. Corri para o computador e constatei textos
muito semelhantes com a informação em três deles: Uol, G1 e Expresso/Época. Outros
jornalões ainda não a haviam publicado. Todos eles com cópia fotográfica da
lacônica decisão e já a comunicação dela ao mesmo presidente do Senado que o destratara
horas antes.
No meu perfil de feice,
registrei:
O
que dizer?
Que eu tenho pena desse homem?
Sei que tenho pena do Brasil. Mas como ter pena de algo de que faço parte?!
Que eu tenho pena desse homem?
Sei que tenho pena do Brasil. Mas como ter pena de algo de que faço parte?!
Resolvi escrever porque
conciliar o sono era impossível. O jeito era extravasar e pensar junto com os
leitores deste blog.
Como visto, não pude
deixar de imaginar a que ponto terão supliciado esse homem para que ele tenha
chegado ao ponto de desistir de si mesmo. Está certo que escolheu aquela hora
em que, além de seus possíveis algozes, só estão acordados as corujas e os
pobres profissionais de imprensa, que são compelidos a esse tipo de cobertura
deprimente por suas necessidades de sobrevivência. Curiosamente, uma das
matérias que acessei reivindica ter publicado os textos com exclusividade! Mais
ou menos como aquelas exibições de cinema anunciadas como “inéditas” em sessões
da tarde da TV. O repórter deve ter acreditado nisso por receber cópias que
sequer tinham data. Aliás, uma delas não deixara sequer espaço para que a data
venha a ser colocada manualmente antes de protocolada.
Não adianta. Ao
enfrentar a claridade da manhã de hoje, o interino terá que assumir o seu gesto
noturno. Como autor dessa insólita “desdecisão” terá que subir até a mesa da
Câmara e encarar os demais deputados. E (pelo amor de Deus!) precisará em algum
momento defrontar-se com os seus eleitores, os colegas de Universidade (lembrem
que se trata de um professor universitário e até alegou ter sido duas vezes
reitor!). Se tiver coragem, terá que entrar em casa e ouvir a compreensiva
esposa determinar, entre dentes, aos filhos que não falem nesse assunto diante
dele. Para sempre! Um assunto proibido, para que não seja corroída até a
autoridade paterna. Afinal, ele ainda não tem idade para que os filhos,
penalizados, a ela creditem certas atitudes, como devem estar fazendo os do
bicudo jurista que, de par com a saliente advogada, submeteu-se aos tucanos
ávidos de poder (e vingança) e subscreveu a peça que deu origem a toda essa
destroça institucional.
Mas voltamos ao fim da
meada. Ao Brasil. Um país que sinceramente tinha tudo para merecer o respeito
internacional, como já vinha acontecendo. Estava à beira de conquistar um lugar
no Conselho de Segurança da ONU e tinha a titularidade de instituições de
primeira grandeza do mundo, como a OMC e a FAO. Tinha tudo para superar o seu
tradicional apartheid social, o que
também começava a se desenhar, o que levou, afinal de contas, ao mais terrível antagonismo
político já vivido, a baba do ódio da alta classe média derramando-se pelas
ruas.
Desenha-se mais um
capítulo de uma História muito coerente com tudo o que se passa há séculos
dentro da Casa Grande e não pode ser confessado para a senzala. As mucamas são
proibidas de “vazar” as imundícies que ali ocorre. Mas as mucamas são tal e
qual esses amarelos membros da alta classe média atual, que insistem em se
confundir com os senhores, tentando convencer a si mesmos de que são quase
iguais, fingindo não verem os risos de zombaria dos verdadeiros beneficiários
dessa repudiante relação entre classes.
Avenida
23 de maio, São Paulo, nesta madrugada
O QUE VEM LÁ?
O povo do Brasil, o que
trabalha, muito provavelmente será vítima, linha por linha, das medidas
prometidas na Ponte para o Futuro, a
infausta compilação das promessas íntimas do provável período que os verdadeiros
brasileiros têm a temer.
Esse quase ainda
desconhecido texto é aquilo de que costumo falar nas discussões de política quando
digo que é uma meia verdade a de que os políticos mentem. Isso é uma obviedade
quando se fala da relação da maioria deles com os seus eleitores. Mas, ao menos
em nossa lamentável realidade, entendem esses políticos que são esses os que
votam, mas não os que elegem. Quem garante as suas eleições são os
financiadores de campanha e é claro que, para esses, eles não mentem. Afinal,
ninguém compra produtos desconhecidos.
A Ponte para o Futuro é nada mais nada menos que o alinhamento
daquilo que põe a Fiesp, a Firjan e outros representantes do grande capital
brasileiro (para não falar daí pra cima) na retaguarda de um golpe que
significa simplesmente anular a eleição de 2014 e fazer dos derrotados
vencedores.
Há
pouco em Vitória, em frente ao Palácio do Governo
Alguns chamam de
réquiem, “composição sobre o texto litúrgico da missa dos mortos cujo introito
começa com as palavras latinas requiem aeternam ('repouso eterno').” No
interior do Nordeste, a expressão mais apropriada é “incelença”, o canto com que
os parentes e amigos homenageiam os falecidos. À medida que a Ponte para o Futuro chega ao
conhecimento público, o golpe perde adeptos e não falta quem tire e guarde a
camisa da corrupta CBF. Amarelo fica só o sorriso por ter marchado junto com os
abonados e os patrões. Mas, na sociedade midiática, é muito pequena a
velocidade da popularização dos inevitáveis efeitos do golpe.
Se o golpe efetivamente
se configurar, como agora tudo leva a crer, essas medidas serão inicialmente
edulcoradas, até anunciadas como benéficas, a maior parte creditada pela grande
mídia à necessidade de “salvar o País da crise criada pelo PT”. Talvez a
recorrente credulidade dos brasileiros chegue até outubro, quando se disputam
eleições municipais. Aos poucos, a realidade se descortinará para aposentados, assalariados,
empregados domésticos, desempregos, pequenos empresários. Coitados! Especialmente
os do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste, pois intuitivamente a maior parte dos
nordestinos já despertou para os riscos, mesmo sem conhecerem o fatídico documento.
Com imensos prejuízos para o patrimônio público nacional e lamentáveis perdas
sociais, teremos voltado aos estertores do fim da ditadura ou a agonia dos
últimos anos do governo de Fernando Henrique.
Definitivamente, o
Brasil não merecia isso.
Fernando Tolentino
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