A expectativa de um
articulista é só escrever quando tem informações e a articulação entre elas.
Enfim, certezas ou, pelo menos, convicções. Pois eu escrevo hoje apesar de
fazê-lo para disseminar mais dúvidas, questionamentos, desconfianças.
A velocidade dos fatos
políticos está nos obrigando a isso.
Fui a Belo Horizonte
para participar do 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais e
voltei com a definição de qual seria a minha próxima postagem no blog. Uma
provocação importante e (até ontem) extremamente oportuna, boa parte dela
fundada no pronunciamento do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) na sessão de
encerramento, o que também fora dito pelo jornalista Paulo Moreira Leite (247)
em um dos painéis: o golpe não está consumado.
A certeza de ambos não
está ancorada simplesmente falta a análise do mérito pelo Senado, depois da
defesa da presidenta Dilma Rousseff. Isso já daria uma boa margem de dúvida
para a irreversibilidade do processo. Afinal, alguns senadores disseram que
autorizavam o processo, mas não tinham certeza de votar contra Dilma no mérito
e somente dois votos ultrapassavam os dois terços necessários para o
afastamento definitivo. O que animava a análise de Pimenta e Moreira Leite são
as contradições do processo político, não o de apreciação pura e simples do
“impeachment”.
Já houve certa reversão
de expectativa de alguns senadores após a abertura do processo, talvez por não verem
os seus pleitos contemplados pelo governo provisório, mas também e
principalmente porque os sinais começaram rapidamente a se inverter na opinião
pública.
GOVERNO NOVO OU SUBSTITUIÇÃO?
Eu mesmo imaginava que
Temer gastaria esse período com os olhos voltados para as eleições municipais
de outubro, deixando as maldades para o final do ano. Não levei na devida conta
a voracidade dos grupos econômicos que efetivamente fizeram a sua “eleição
indireta”. Temer chegou ao posto anunciando as medidas que constavam da sua Ponte para o Futuro, assegurando a
retaguarda do grande capital brasileiro.
Uma semana bastou para
que jogasse na cara da opinião pública as suas reais intenções: alongar o tempo
de trabalho exigido para a aposentadoria; desvinculação dos reajustes entre
aposentadorias e salário mínimo; a deste co am inflação (mais o crescimento do
PIB), como instituído desde Lula; subordinação dos direitos trabalhistas aos
acordos coletivos; intensificação da terceirização; amputação violenta no
programa Minha Casa, Minha Vida; retirada da Bolsa Família de milhões de
famílias; redução do programa Mais Médicos a cerca de um terço; revisão (extinção?) do SUS;
liberação de controle sobre planos de saúde privados; redução substancial de
recursos para saúde e educação; cobrança de anuidades em instituições públicas
de ensino superior; redução dos recursos do FIES; extinção da Farmácia Popular
e do SAMU; entrega de estatais à iniciativa (anunciadas a da ECT, do Instituto
de Resseguros e da Casa da Moeda, aventando-se a de venda de parte da Caixa
Econômica e do Banco do Brasil; revisão do marco estratégico do Pré-Sal.
Ufa! É pouco? Foram
extintos vários ministérios da área social (direitos humanos, mulheres, negros,
trabalhadores rurais sem terra), além do da Cultura, de que Temer recuou diante
do clamor popular e dos profissionais da área. Pra não deixar dúvidas do
caráter excludente do governo, compôs uma equipe de primeiro escalão
exclusivamente com brancos do sexo masculino e nenhum trabalhador.
Espere aí! Temer não se
julga no direito de substituir (temporariamente) Dilma porque, eleito junto com
ela, seria potencialmente herdeiro dos mesmos 54 milhões de votos? Como
entender suas alianças, excluindo o partido dela e coligando-se com as bases do
candidato então derrotado? Mais, assumindo o programa rejeitado pelo povo.
Cada uma dessas
decisões corrói uma parte do apoio ao golpe, os que pediram o afastamento de
Dilma. Por isso, as lideranças golpistas quiseram e fizeram um processo com
celeridade impressionante, tornando-se a única pauta da Câmara dos Deputados no
primeiro semestre.
Além disso, muita gente
se juntou às hordas golpistas acreditando que aquilo era uma luta contra a
corrupção, dada pela mídia como uma exclusividade do grupo do poder, notadamente
os petistas. Problema é que os fatos desmentiam isso, tanto que, na única
manifestação numericamente relevante deste ano, os populares vestidos de
amarelo expulsaram da Avenida Paulista as principais lideranças do movimento,
como o próprio ex-candidato Aécio Neves.
Pois isso ficou mais
claro na formação do time da “temeridade”, com nada menos de sete integrantes envolvidos
na Lava Jato e praticamente todos com alguma acusação criminal, um deles por
homicídio. O ministro da Justiça teve que se contorcer para negar que era
advogado do PCC. O próprio Temer é denunciado na Lava Jato e foi condenado por
crime eleitoral às vésperas de assumir, tornando-se ficha suja.
Para não falar de
Eduardo Cunha, com peso suficiente para nomear as principais autoridades da
área jurídica do governo.
Não há popularidade que
resista!
Para Paulo Pimenta, só
faltava o que chamou de “centelha”, o detonador da insatisfação contra o
governo interino. Ele defendeu em Belo Horizonte que isso se daria com a
decisão da Câmara de livrar Eduardo Cunha da cassação, o que deve se dar nos
próximos dias.
A capa da Folha de São Paulo
desta segunda-feira sobrepôs-se a tudo isso.
Não se qualificava como
fantasioso o discurso da base de Dilma, usando-se o desmentido até de alguns
doutos ministros do STF? Pois ficou provado que foi golpe! Sem meias palavras:
GOLPE.
Claro que a tenebrosa
palavra não foi proferida. Mas todo o desenho da ardilosa conspirata para
derrubar Dilma estava nitidamente demonstrado por ninguém menos que o senador
Romero Jucá, um dos seus principais artífices, presidente do PMDB e ministro do
Planejamento da equipe de Temer. Um diálogo assaz esclarecedor com o ex-senador
Sérgio Machado, até pouco tempo presidente da Transpetro por indicação do PMDB.
Trata-se de gravação de
conversa entre ambos, que repousa na Procuradoria Geral da República desde
março, semanas antes de a Câmara dos Deputados apreciar o pedido de afastamento
de Dilma. Os dois combinam como deter a Lava Jato e concordam que a alternativa
é afastar Dilma Rousseff, substituindo por Michel Temer. Diz Jucá: “Michel, vem
cá, é isso e isso, isso, vai ser assim, as reformas são essas”.
Antecipação de tática
por Jucá: "Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar
e resolver, chegar do outro lado da margem".
Ele define o senador
Renan Calheiros como a única resistência, por sua animosidade com Cunha. O
argumento para Renan: ele será o próximo! "Ele ainda não compreendeu que a
saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem
ódio, o próximo alvo, principal, é ele [Renan]. Então quanto mais vida,
sobrevida, tiver o Eduardo, melhor para ele. Ele não compreendeu isso
não", diz Machado.
Romero Jucá informa que
já caiu a ficha do pessoal do PSDB e cita Aloysio Nunes Ferreira, José Serra,
Tasso Jereissati e Aécio Neves. Todos estariam “na bandeja” das investigações. E
Aécio seria “o primeiro a ser comido”.
Machado lembra como se
viabilizou a eleição de Aécio Neves para presidente da Câmara dos Deputados em
2001: "O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger
os deputados, para ele [Aécio] ser presidente da Câmara?"
“Tem que resolver essa
porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, avalia Jucá.
Machado complementa: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.”
E Jucá conclui: “Com o Supremo, com tudo.” Mas não é apenas especulação. Ele
informa ao amigo que já conversou com ministros do Supremo que o teriam
orientado (abaixa a voz): “ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma].
Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não
vai parar nunca”.
Conta que foi além nas
articulações golpistas, tendo conversado com generais, comandantes militares.
“Os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para
não perturbar.”
E Jucá orienta Machado
a procurar Renan e Sarney. Já se sabe que Machado teria gravado essas duas
conversas, hoje também à disposição da PGR. Teriam informações tão
estarrecedoras quanto as reveladas pela FSP. Ou mais.
Já se sabe das
movimentações dos partidos que se opõem ao golpe. O PSOL pede a prisão de
Romero Jucá, mostrando a semelhança com a situação de Delcídio Amaral, preso
por obstrução das investigações. O senador Telmário Mota e o seu Partido, o
PDT, estão iniciando pedido de cassação de Romero Jucá por obstrução de
justiça. O PT quer que Jucá abra a boca e conte o que sabe.
De fato, qualquer que
seja o meio, é preciso que Jucá seja mais preciso. Quais foram os ministros da
mais alta Corte que lhe recomendaram articular um golpe como saída para a
paralisação das investigações da Lava Jato? Ele só livrou a cara de Teori
Zavascki, a quem disse não ter acesso. Quais os nomes dos comandantes militares
que, segundo ele, estariam envolvidos na conspiração? Que outros detalhes
envolviam esse “pacto”, capaz de unificar personagens dos três poderes e até os
militares, vistos como um exemplo de disciplina durante todo esse processo.
Depois da experiência
dessa primeira semana de interinidade e, muito mais claramente a partir da
matéria de hoje, os principais atores do processo de golpe contra Dilma têm
duas alternativas: rever a sua postura, preferencialmente fazendo um mea
culpa ou desmoralizar-se completamente. Isso inclui a própria Folha de
São Paulo, para quem cabe dar o crédito pela coragem de publicar a história da
gravação.
Não há dúvida, a
divulgação da conversa tem potencial para anular todo o processo de
“impeachment”. Isso se o STF se munisse de brios e resolvesse mostrar que não
está comprometido com o golpe.
Não anulado, o processo
de afastamento de Dilma perderá substância. Até aqui, a realidade vem confirmando
o que está na conversa. Seguiria um “script” assustador, diante do testemunho
do País, de outros governos e da unanimidade da mídia internacional, que tem visto
com suspeita o que sucede no Brasil.
Ao menos durante essa
segunda-feira, a maior parte da mídia preferiu insistir no respaldo ao mandato
(provisório) de Temer, avaliando como suficiente o afastamento de Jucá. Escutei
o advogado Wálter Maierovitch, comentarista da CBN, chegar ao ponto de considerar
que, embora vendo a conversa como eticamente reprovável, não apresentasse
qualquer ilegalidade. Como se obstruir a Justiça fosse uma prática legítima.
Delcídio que o diga, depois de cassado e, antes, curtir alguns dias de “cana”. Para
não falar na tentativa de se enquadrar a própria Dilma por ter nomeado Lula
para a Casa Civil, embora ele nem sequer fosse acusado.
Além dos
questionamentos já levantados (participação de ministros do Supremo e
comandantes militares na conspiração), vou listar outras perguntas para incomodá-lo
nas próximas horas.
- Jucá vai continuar
dando as cartas no Ministério do Planejamento, onde ficará um “interino da
interinidade”, ele se constituindo numa espécie de “ministro clandestino”?
- De
volta ao exercício do mandato, como será tratado Romero Jucá pelos senadores da
base parlamentar da temeridade?
- Jucá
escapará de qualquer ação disciplinar no Senado?
- Como
se comportará o STF, puxado para dentro do golpe por Jucá, lembrando que os
ministros ficarão especialmente melindrados quando Lula comentou em uma
conversa telefônica que o Poder, assim como o Senado, estaria “acovardado”? A
versão de Jucá vai léguas adiante de uma simples covardia.
- Ele
continuará na Presidência do PMDB e liderando, assim, toda a estrutura
partidária?
- Se
essas gravações estavam com a PGR desde março, semanas antes de o “impeachment”
entrar em uma fase decisiva na Câmara, porque Janot as preservou, permitindo
que se depusesse uma presidenta constitucionalmente eleita, mesmo sabendo que
isso se dava com o fim de livrar dezenas de políticos de investigações? Isso
não coloca Janot como suspeito de estimular a conspiração?
- Como
se deu agora esse vazamento e o que se pretende com isso? Impedir que as
investigações sejam paralisadas? Detonar a interinidade e forçar a convocação
de eleições gerais?
- Serão investigados
todos os citados por Jucá, inclusive a turma do PMDB, que “caiu a ficha”?
- O que o colunista
Merval Pereira (O Globo) quis dizer quando alegou que “Temer não tem condições
de demitir Jucá”? Seria algo parecido com o fato de não ter condições para
evitar a invasão de indicados de Cunha em postos nevrálgicos de sua equipe,
mesmo não quando ele está afastado do mandato? Algo semelhante à designação de um
pastor para a área de Indústria que já chega avisando nada conhecer disso? Ou
ao que levanta o deputado Paulo Pimenta, na designação de um deputado sem
qualquer experiência em questões de legislação ou relações trabalhistas, um
obscuro pastor que, tornando-se ministro, viabiliza que um irmão do ministro
Augusto Nardes (aquele que ofereceu o parecer sobre as “pedaladas”) assuma o
mandato de deputado em seu lugar?
- Alguém vai se lembrar
de investigar como foi mesmo o processo que levou Aécio à Presidência da
Câmara? Machado sugere que teria ocorrido o mesmo fenômeno de Cunha, ou seja, houve
investimento na eleição de deputados comprometidos com a sua então futura
candidatura. Lembre-se que passar pela Presidência da Câmara foi fundamental
para que ele criasse as condições para vencer a eleição ao Governo de Minas
Gerais, em 2002.
Certo é que o golpe
sofreu um terrível revés. O Divino parece ter dado aquela piscada de olho e
decidido ajudar. Com o povo na rua. não dá sequer pra apostar que se sustente. Até porque, pelo alto poder combustível das revelações, ninguém se
espante ao ver juntos os gritos de manifestantes que defenderam o mandato de
Dilma e dos que o questionavam supondo lutavam assim pelo fim da corrupção.
Fernando Tolentino
👏👏👏👏👏👏 parabéns amigo, se superando mais uma vez.
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏 parabéns amigo, se superando mais uma vez.
ResponderExcluirGrato, minha amiga. Nossa reflexão é interativa. Isto é, aproveito o debate que faço constantemente com meus amigos e minhas amigas. Como você.
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