Alguém aí sabe de alguém, entre as pessoas abastadas do País, que possa se queixar das suas atuais condições de vida?
Bastou o candidato
Aécio Neves fechar o debate na TV Globo com a afirmativa de que o País está
quebrado e a primeira chamada do Jornal Nacional dava conta de que as compras
de brasileiros em viagem ao Exterior haviam batido novo recorde mensal, com R$
2,38 bilhões de reais. Não é notícia pra alegrar a nossa indústria, que perde
um volume considerável de vendas, mas revela o poder de compra de quem fez viagens
internacionais. Esses compradores não são somente (e talvez nem principalmente)
as pessoas mais ricas do País, até porque também as passagens para fora do
Brasil estão cada vez mais ao alcance das camadas médias da população. Mas
seguramente não foram os beneficiários da Bolsa Família.
Certo é que, ao
contrário do que transparece em qualquer comentário de economia dos grandes
veículos de comunicação, as notícias podem ser consideradas boas para todas as
classes sociais.
Podiam ser melhores? Claro.
Se são boas em um fase de crise global que se estende desde 2008, imagine se vivêssemos
uma realidade diferente. Imagine se a economia mundial reagir favoravelmente em
um novo governo de Dilma. Ou seja, um novo governo com os mesmos compromissos do
primeiro e dos dois governos de Lula.
Com relação à massa
salarial, não há o que questionar. A Organização Mundial do Trabalho mostra que
os salários no mundo cresceram 1,3% em 2009, menos da metade dos 3,1% dos brasileiros
do mesmo período. Enquanto que em 2011, o Brasil teve 2,7% de crescimento
salarial contra 1,2% da média mundial.
Seriam os muito ricos
que estariam pagando essa conta? Os dados mostram que os quatro maiores bancos
brasileiros, somaram um lucro em 2013 de cerca de US$ 20,5 bilhões. Isso é mais
que o Produto Interno Bruto (PIB) estimado de 83 países no mesmo ano, segundo
levantamento com dados do FMI. Inclui-se nesse grupo o Banco do Brasil,
que registrou lucro líquido de R$ 15,75 bilhões. Mas o lucro do Itaú Unibanco vem logo atrás: R$ 15,6
bilhões. O maior da história de todos os bancos brasileiros de capital aberto,
segundo a Economatica. O recorde anterior, também do Itaú, era de 2011. O lucro do Bradesco no mesmo ano não ficou muito longe, alcançando R$ 12
bilhões. O quarto maior lucro foi o do Santander,
de R$ 5,7 bilhões.
O setor agrícola também
tem apresentado resultados positivos, apesar da crise mundial. A safra de grãos
de 2013 foi recorde, com 188,2 milhões de toneladas, 16,2% acima da de 2012,
que chegou a 189,5 milhões de toneladas. O único produto a revelar queda de
safra foi o café arábica, por conta redução de área plantada, em virtude de
queda de preços no mercado internacional.
Justificam-se então as
queixas de empresários menores? Não faz sentido. É verdade que Fernando Henrique
enfrentou duas crises durante o seu governo: a da Coréia e a da Rússia. Crises
localizadas Nada parecido com a que pegou em cheio parte do segundo governo de
Lula e a integralidade do primeiro governo de Dilma, uma crise em que mergulharam
os Estados Unidos e praticamente todos os países da Europa Ocidental. Ainda
assim, o número de falências durante o governo de Dilma foi de apenas 3,74% com
relação ao segundo governo de Fernando Henrique e de 7,58% se comparado com o
primeiro período.
O que explica a grita
dos setores de alta classe média e dos brasileiros mais ricos?
A GALINHA MAIS GORDA É A DO VIZINHO
É mais ou menos o que
ocorre com alguns trabalhadores que se sentem injustiçados pela política de valorização
do salário mínimo.
Em sua campanha de
2002, o então candidato Lula prometia um salário mínimo em valor equivalente a
100 dólares. Seu valor oscilava em torno de 64 dólares e os adversários
alegavam que a valorização quebraria as prefeituras e a Previdência Social, não
seria suportada pelos empregados e que, por isso, causaria enorme desemprego.
Pois o valor atual (R$
724,00) equivale a 294,7 dólares. E, mesmo com uma crise mundial que já perdura
há cinco anos, a taxa de desemprego do Brasil está sistematicamente entre as
menores da história do País, além de ser uma das menores do mundo.
Mas, como o crescimento
em valor real do salário mínimo está acima de boa parte dos demais salários,
não são poucos os que se queixam, mesmo vendo seus salários, na maior parte dos
casos, sendo também reajustados em índices acima da inflação.
O trabalhador calcula e
fica contrariado ao ver que, por exemplo, ganhava 5 salários mínimos há 10 anos
e hoje percebe o equivalente a 3,5 salários mínimos. Como se a piscina enchesse
e ele imaginasse que estava sendo puxado para baixo e não que a água estivesse
subindo.
As classes mais
abastadas, ainda quando não reconhecendo publicamente, sentem-se inconformadas
pelas conquistas dos mais humildes e não pelo que perderam.
-
Eu quero que você hoje fique olhando as crianças à noite, Maria, porque vou
jantar com uns amigos.
É inadmissível ouvir
como resposta:
-
Não vai ser possível, dona Odete, pois tenho aula na faculdade.
Imagine se for um
diálogo mais extremado, quando da contratação, por exemplo, a patroa já
antecipando que precisará dessa extensão de expediente de vez em quando e
ouvindo da candidata a emprego que não pode trabalhar à noite por causa do seu
curso. E se disser que considera a noite um horário de descanso. Para muita gente,
soaria quase como um acinte se a empregada aceitasse, com a condição de receber
hora-extra.
Aí está o cerne da
revolta da Bolsa Família, do seguro desemprego, da disponibilidade de empregos
em todos os níveis de classe. O trabalhador ganham condição de rejeitar o que
lhe parece indigno. A isso aquela gente acusa de preferir viver a vida na
preguiça por causa do benefício.
Pessoas de alta classe
média não se conformam também com a conquista, pelos trabalhadores de renda
inferior, do que antes só era acessível a pessoas de seu nível social. Como o
acesso a determinados serviços ou bens de consumo: celulares sofisticados,
assinatura de TV a cabo, carro (às vezes zero km), roupas de marca, viagens de
avião, cosméticos de qualidade, correção da arcada dentária. Aquela sensação de
que “meu mundo está sendo invadido” ou “meu mundo não é mais só meu”...
Pior do que isso é
quando surge a possibilidade real da disputa de privilégios, como se dá com a política
de cotas. Pode representar a perda de vagas que outrora seriam reservadas para
os seus filhos. Não adianta lembrar que foram criadas 18 novas universidades,
com milhões de novas vagas no ensino superior. Fica sempre a sensação de perda.
“Mas seriam mais vagas para nossos filhos”. Também não ajuda mostrar que o mercado
de trabalho também cresceu, com muito mais oportunidades de emprego, 234.988
vagas em concursos públicos contra somente 51.613 no período de Fernando Henrique.
A ideia de perda relativa não escapa.
É como lastimar a
aplicação de R$ 2,1 bilhões no Bolsa Família, com todos os resultados que se
conhece. Para esse extrato de classe, importa que esses resultados não são apropriados
por eles. Redução da mortalidade infantil, da extrema miséria, da pobreza, da
fome. Nada disso afligia a eles.
O ÓDIO AO MAIS MÉDICOS
Para uma parte não
desprezível da alta classe média, é semelhante o motivo da rejeição ao programa
Mais Médicos. Enfim, as 50 milhões de pessoas agora atendidas são uma gente
muito distante dela.
A causa da revolta das entidades
de classe dos médicos vai muito além disso. Estão unidos nisso a setores
poderosos, como a indústria de medicamentos e as empresas de diagnósticos. Unidos
até às redes de hospitais privados e aos planos de saúde, aí constituindo uma
séria contradição com o argumento tão insistentemente repetido por suas entidades
representativas, quando questionam o que chamam de trabalho escravo dos médicos
cubanos. Tanto os hospitais como os planos de saúde ganhando uma enorme mais valia
sobre o trabalho deles, do que por sinal queixam-se em momentos distintos.
Por que os médicos aderiram
quase em ordem unida às determinações de suas entidades de classe, constituindo-se
no grupo que mais ódio devota ao PT, ao governo de Dilma e sua candidatura à
reeleição.
Os médicos brasileiros
não são formados para prestar assistência em saúde, mas para a solução dos problemas
de que se queixam os pacientes. Ou seja, para tratar suas doenças. E são preparados
para fazê-lo valendo-se de sofisticados recursos diagnósticos. Preparam-se
muito para isso, tendo como pressuposto a especialização, ou seja, praticar uma
medicina de alta complexidade.
São ideologicamente
condicionados a se verem como profissionais liberais, o que significa não terem
empregadores. Há muito tempo rendem-se à acumulação dessa condição liberal com pelo
menos um cargo público tão só para garantirem a aposentadoria, férias remuneradas
e algum rendimento quando de afastamentos por doença ou para a participação em
cursos e congressos.
Não é fácil a vida desses
trabalhadores, até por se imporem uma recompensa muito rápida para o longo
tempo de formação que essa realidade profissional lhes exige. Para se
permitirem o exercício liberal, cumprem suas obrigações com o emprego público
(às vezes mais de um) em regime de plantões: 12 horas em um, 20 horas em outro,
outras tantas em instituições privadas. Somam vínculos privados para
conquistarem rapidamente reconhecimento pelo mercado. Emendam assim dias seguidos
da semana sem sequer irem em casa, tudo para amealharem o que entendem como uma
remuneração compensadora.
A hipótese que não
concebem é de se tornarem trabalhadores assalariados, como são praticamente
todos os demais. Por isso, rejeitaram uma bolsa de R$ 10 mil, por dois anos, no
Mais Médicos, ainda que no início da carreira, o que seria um sonho para
qualquer outro profissional de nível superior. E por isso revoltaram-se a ver
outros médicos aceitarem e, assim, constituírem um “perigoso precedente” no
mercado. Odiaram os cubanos, como odiariam quaisquer outros médicos que
aceitassem aquelas condições e, dessa forma, abrissem as portas para a
universalização do sistema de profissionalização por assalariamento. O PT e
Dilma são vistos como os arautos desse novo regime. Daí merecerem o mais
alucinante ódio.
UMA OPÇÃO SEM VOLTA
De concreto, a eleição
entre Dilma e Aécio promove uma divisão inconciliável na sociedade brasileira. De
um lado, está quem entende que os frutos do esforço coletivo dos brasileiros
deve beneficiar toda a sociedade. Os dois governos de Lula e o primeiro de
Dilma ensinaram a milhões de brasileiros que isso é possível e que podem
reivindicar esse direito aqueles que estiveram à margem disso por inúmeras gerações.
É o que se chama de inclusão social. Eles aprenderam isso e querem consolidar e
aprofundar tais conquistas.
Para milhões, isso
significou o direito à água, à luz, à energia, à frequência dos filhos à
escola, o acesso à alimentação, o direito a consultar-se com um médico. Como
significou também a possibilidade de, ainda que com salários limitados,
adquirir e pagar uma casa própria. Para uma imensidão de jovens representou a
possibilidade de ingressar em um curso superior e, depois, eventualmente
alcançar uma pós-graduação. Outros milhares passaram a especializar-se para o
mercado de trabalho e a ele tiveram acesso, como empregados ou em pequenos empreendimentos.
Outras centenas de milhares viram abrir-se as portas de empregos púbicos por
meio de concursos. A esses milhões de brasileiros, juntam-se os petistas e os
que, sem qualquer opção partidária definida, comungam com esse entendimento, mesmo
que já tivessem a oportunidade de desfrutarem de tais direitos. Em outras palavras,
os que não votam exclusivamente para se beneficiarem diretamente, mas para
verem universalizados os direitos à vida com um mínimo de conforto e felicidade.
De outro lado, a candidatura
de Aécio representa o inconformismo com essa nova equação social. Representa os
que não se conformam em ver mais que os 30 milhões de sempre com acesso aos
frutos da produção nacional. É claro que esse não é o discurso, pois isso
significaria o suicídio como proposta eleitoral. Daí, surgem argumentos como
eficiência, competência, combate à corrupção, nenhum firmemente assentado em
fatos reais, até porque a realidade os desmente, na medida em que os índices e
as realizações do governo mostram sobejamente que isso não falta. Inclusive o
combate efetivo à corrupção, que aparece justamente por estar sendo combatida.
Como um cupinzeiro, que parece não ter cupim até o momento em que é mexido e,
quando isso ocorre, faz aflorar uma multidão de cupins de existência nunca
suspeitada. Para mascarar o compromisso com a volta da exclusão social,
agrega-se até a mentira de que a inclusão seria preservada. Por trás, uma
tradição de combate a todos os programas de inclusão e o apoio eleitoral
confesso de todos os segmentos da sociedade que não a aceitam e sempre
aplaudiram esse combate. Essa é a disputa.
Esses segmentos sociais
demonstram força especial nesta eleição. Dispondo da hegemonia dos grandes
meios de comunicação, empreenderam uma guerra que, se repete as últimas
disputas eleitorais entre os projetos da inclusão e da exclusão sociais, jamais
chegou a esse cúmulo de radicalização. E engana-se quem supõe que não obtiveram
vitórias. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar –
DIAP, foi eleita a composição mais conservadora do Congresso Nacional desde
1964. Conseguiu-se manter o controle sobre estados ricos e estratégicos, como São
Paulo e Paraná, além do que outros podem vir a ser assegurados no segundo turno.
Criou-se um racha insuperável entre partidos tradicionalmente parceiros, como
PT e PSB e, com isso, conseguiu-se levar o candidato desse grupo a uma situação
de polaridade que lhe dá chances efetivas de disputar o poder. Por último, usando
de instrumentos abomináveis, como a divulgação de denúncias gravíssimas sem
qualquer comprovação, cria-se praticamente um cisma na sociedade,
alimentando-se um ânimo que até pode favorecer manobras golpistas.
Pois ninguém se engane:
quem hoje apresenta uma candidatura para obstar a inclusão das demais classes
sociais ainda é capaz de acusar o lado contrário de estimular a luta de
classes.
Fernando Tolentino
Excelente texto. Vou encaminhar para os meus amigos.
ResponderExcluirExcelente texto!
ResponderExcluirParabéns.Vivian.
Tem pessoa que não produz nada, apenas detém os meios de produção (muita das vezes financiado pelo BNDES), e a par disso explora a mão de obra barata sem qualquer beneficio (ele mesmo seria incapaz de operar as suas máquinas),, essa pessoa exaure o os recursos naturais (riquezas da nação),, e fica rica na Casa Grande, enquanto quem produz de verdade (o trabalhador) fica cada vez mais pobre, oprimido e doente.. Mas essa pessoa não enxerga as coisas assim.. Ela se diz a força motriz da nação, mas acorda ao meio dia.. sai da empresa no meio de expediente para ir para praia,, gasta fortunas em um carro de luxo,,, esnoba, desperdiça comida e água... Se diz intelectual mas é incapaz de enxergar o ser humano.. Se diz capacitada e de grande sucesso mas ainda pensa que está na idade média.. Oportunista ao extremo.. VIVA O TRABALHADOR BRASILEIRO!!
ResponderExcluirCom certeza, Franciane Carvalho, isso é o que impera entre quase todos os que se dizem forças produtivas.
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