Haroldo Lima*
Grave é a
situação nacional. Depois de arregimentar forças no Judiciário, no Ministério
Público e na Polícia Federal; depois de pôr a seu serviço a grande mídia
brasileira, especializada em massificar falsidades; depois de mostrar na Câmara
dos Deputados a trupe reacionária que lhe representa, comandada por um Deputado
que é réu em processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal; depois de
enganar setores do centro e independentes com a campanha apresentada
hipocritamente como de combate à corrupção; e, finalmente, depois de mobilizar
multidões com vastos recursos de origem suspeita, a direita brasileira, a
extrema-direita e grupos fascistas, juntos, passaram à ofensiva e preparam um
golpe.
O
objetivo geral é claro: acabar com esse ciclo iniciado com os governos Lula e
que busca um tipo de desenvolvimento no qual o povo sobe na escala social.
Elites retrógradas, que sempre saquearam os cofres públicos, que nunca foram
investigadas e nunca foram para a cadeia, querem voltar a governar, sem passar
por eleição. Se conseguem, criariam uma situação de força na qual dificilmente
governos democráticos e populares poderiam sobreviver na América do Sul.
Montaram
um plano sinistro que está em curso. Uma maioria eventual, no Parlamento e no
Judiciário; com a participação de setores do Executivo que formaram uma espécie
de Governo paralelo, autônomo e independente; uma grande mídia que se
transformou em partido político especializado em desconstruir lideranças,
partidos rivais e valores éticos; tudo isso imporia um falso impeachment, no
qual a presidenta seria afastada sem ter cometido crime de responsabilidade,
portanto à margem da lei, através de um golpe. Na presidência da República
seriam aboletados Temer ou Cunha, cuja relação de compadrio foi assim definida
por Ciro Gomes: “Temer é o homem do Cunha, e não o inverso”, e
Cunha é o homem que pode ser preso a qualquer instante, por corrupção.
A
política no Brasil chegou a esse paradoxo: pessoas envolvidas em graves
suspeitas de malversação de dinheiro público encabeçam um golpe para tirar do
Governo uma pessoa contra a qual, depois de inúmeras investigações, não paira
nenhuma suspeita.
Mas não é
fácil derrotar uma causa justa. E a resistência cresce, se alimenta de vontade,
não de mentiras, os falsários são desmascarados, as mistificações desvendadas,
as máscaras arrebatadas.
No atual
momento da luta, o golpe se realimenta, mas o que crescem são os sinais da
resistência. Num rápido passar de olhos podemos ver:
1) As
manifestações contra o golpe de sexta-feira, 18 de março.
Poucos
imaginavam que depois de tanto massacre midiático e judicial contra Lula, Dilma
e as forças progressistas, ainda fosse possível mobilizar tanta gente contra o
golpe, em todos os estados do País e no Distrito Federal. Se as forças
golpistas fizeram algumas mobilizações maiores, no domingo, dia 13, isto
resulta da contra-propaganda avassaladora que há tempo a grande mídia faz
irresponsavelmente contra o Governo e seus apoiadores.
2)Uma
diferença essencial entre as duas mobilizações: a pró-impeachment, do dia 13, e
a contrária a ele, do dia 18.
Nenhuma
entidade nacional representativa de trabalhadores, ou de estudantes ou de
intelectuais fez-se presente nas passeatas do dia 13, da turma pró-impeachment.
Em contraposição, as mais prestigiadas e tradicionais entidades nacionais,
mormente as de trabalhadores, conhecidas pelas batalhas democráticas que já
travaram no passado, estiveram na linha de frente das jornadas contra o golpe,
de sexta-feira, 18 de março, a exemplo das CUT, CTB, CONTAG, UNE, UBES, CONAM,
etc.
3)A
rebelião de advogados e juristas contrária à posição da OAB.
Depois
das duas manifestações referidas, a Ordem dos Advogados do Brasil, entidade de
prestígio nacional pelas lutas democráticas que apoiou no passado, se
pronunciou a favor do impeachment-golpe. Mas, incontinenti, advogados em todas
as partes do Brasil começaram a se rebelar contra essa insólita posição da
Ordem, vindo a público declarar que não a acatam. Assembleias têm ocorrido em
diversos locais.
4)A
decidida posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
A CNBB,
desde o período da ditadura militar, nunca faltou ao povo na defesa de seus
direitos. Divulgou nota posicionando-se contra o impeachment-golpe. Um seu
porta-voz, o bispo de Crateus, Dom Ailton Menegussi, disse à Nação:
“nenhum
bispo do Brasil concorda com a corrupção”; “as investigações devem ser feitas,
as denúncias apuradas, e os culpados punidos”; “mas, não sejamos bobos: tem
corrupto em tudo quanto é partido”; “a corrupção não foi inventada de 15 anos
para cá”; “agora é que está se permitindo que as coisas apareçam”; “tem muita
gente aí, posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre”.
E
enfático:
“a CNBB
não aceita que partido político nenhum se aproveite desta crise para dar golpe
no país”.
É a
Igreja do Brasil nos tempos de Francisco.
5) A
Nação começa a descobrir quem é o juiz Sérgio Moro.
O juiz
Sérgio Moro passava a imagem de um magistrado independente, que se
colocara à frente de um cruzada contra a corrupção. Granjeou apoio ao ajudar a
desvendar desmedido esquema corrupto que atuava dentro e fora da Petrobras e ao
recuperar dinheiro desviado.
Lamentavelmente,
entretanto, coisas estranhas foram aparecendo no comportamento do juiz. Prendia
muito, mas só prendia gente do lado do Governo. Informações sigilosas “vazavam”
a toda hora, mas só vazavam de um lado. Usava métodos que se assemelhavam
às torturas da época da ditadura, deixando prisioneiros mofando na cadeia, às
vezes com notícias sobre a hipótese de familiares serem presos, a não ser
que houvesse delação. Isto, apesar da lei estabelecer que esse tipo de
“cooperação” deve ser “voluntária”.
Foi-se
percebendo que o juiz Sérgio Moro tinha um objetivo político, o de
desestabilizar o governo constitucional da Dilma e prender o Lula. E o juiz,
encantado com os elogios que a Globo lhe fazia, foi metendo os pés pelas mãos.
Aceitou receber prêmio da Rede Globo, posou para foto ao lado da turma dos
Marinho, da Globo, e tocou a fazer palestras em ambiente de oposição política,
como a Lide Paraná, coordenada pelo pré-candidato do PSDB à prefeitura
paulistana, João Dória.
O
político francês do século XIX, Guizot, já dissera: “Quando a política
penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira pela porta dos fundos.” E
o nosso brasileiro Rui Barbosa sentenciava: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há
salvação para o juiz covarde.”
7) A
exacerbação do Juiz generaliza os protestos.
E de
repente Moro, que ia debutando na política dessa forma desengonçada, “pisou
feio na bola”. Praticou gesto abertamente ilegal: quebrou o sigilo de escutas
telefônicas que mandara fazer do ex-presidente Lula, quando este conversou com
a presidenta da República, que tem foro privilegiado. A sua atitude foi
reprovada formalmente pelo Ministro Teori Zavascki, numa verdadeira reprimenda
jurídica.
Enquanto
a lei manda que “a gravação que não interessar à prova será inutilizada”, Moro,
colocando-se acima da lei, mandou divulgar conversas pessoais entre Lula e
Dilma, que não esclareciam nada do que se estava investigando, com o único
objetivo de insuflar a população.
A Folha
de São Paulo publicou bom editorial (surpreendentemente) onde assevera: “Moro
despiu-se da Toga”. E outro artigo onde diz temer que “o Sr. Moro tenha deixado
sua função de juiz… para se tornar um mero incitador da derrubada
de um governo.” E completa: “Passam-se os dias e fica cada dia mais claro
que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.”
(Vladimir Safatle, FSP 18/03/16).
8) Não
é de hoje que o juiz Sérgio Moro é criticado pelo STF.
Mas se o
juiz Sérgio Moro está sendo desmascarado mais recentemente como juiz-político,
suas tropelias já vem sendo admoestadas há mais tempo pelo STF. Críticas fortes
ele recebeu durante o julgamento do Habeas Corpus 95518 PR, em 28/05/2013.
Na época,
o ministro Celso de Mello disse que
“a
conduta do juiz federal ( Sérgio Moro) ao longo do procedimento penal violou o
direito fundamental, de todo cidadão, de ser julgado com imparcialidade”;
E o
ministro Gilmar Mendes, foi quem lhe fez algumas das mais duras críticas:
“não
me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não
violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos
decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois
reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão
antecipada”;
“Contra
‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da
lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz (Sérgio Moro), ante a crença generalizada de que
qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem
judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao
crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais
transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em
um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli”;
E de
forma contundente:
“Já
tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra
resistência ou inconformismo do magistrado (Sérgio Moro), quando contrariado
por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e
desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz (Sérgio Moro) arroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria
Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua
independência funcional”. (grifos meus)
Quem
estava, sinceramente, batendo palmas para o juiz Sérgio Moro vai ficar com as
mãos no ar.
8) Episódios
valorosos que iluminam o caminho.
Aconteceu
em Belo Horizonte, no sábado, 19 de março, um dia depois das grandes
manifestações anti-golpistas havidas em todo o país. O teatro Sesc Palladium
apresentava um musical em torno das composições do Chico Buarque. No intervalo,
o diretor Cláudio Botelho deitou falação, insultando Lula e Dilma. Não teve
outra. A plateia prorrompeu em gritos de “não vai ter golpe” e o espetáculo foi
interrompido.
Em
seguida, aconteceu o gesto irretocável: Chico Buarque proibiu o uso de suas
composições naquela peça.
Dois
exemplos a serem seguidos: o da plateia que foi assistir a um musical e não a
uma pregação golpista e se rebelou na hora; e o do Chico Buarque que não
titubeou em retirar o prestígio de suas músicas das mãos de um diretor
golpista.
9)Uma
frente política ampla vai tomando corpo no país.
Em uma
batalha do tipo que travam as forças democráticas hoje no Brasil, é
imprescindível a criação de uma frente política ampla, que aglutine setores de
diversas tendências, unidos na defesa da legalidade constitucional. Neste
sentido, há que se saudar a criação da Frente Brasil Popular, prestigiar sua
força unificadora dos diferentes movimentos e cuidar de sua ampliação.
Essa
frente foi vitoriosa na preparação das jornadas de 18 de março, mas deve
intensificar suas ações pondo em tensão todas as forças que lutam contra a
ruptura constitucional do país, passo fundamental para a retomada do
desenvolvimento de nosso país.
*Haroldo Lima é engenheiro, foi deputado
federal e é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Publicado
orginalmente no Blog do Renato - http://renatorabelo.blog.br/2016/03/23/haroldo-lima-sopram-ventos-de-virada-nao-vai-ter-golpe/
A publicação do artigo é também uma homenagem ao 94º
aniversáriodo PCdoB neste 25 de março
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