Em nome
da razão e de um futuro minimamente aceitável, sugiro que se aproxime de seu
vizinho, amigo ou parente que se encantou com a micareta amarela organizada
para este domingo e lhes peça, se tiver condições de controlar a excitação, um
segundo de serenidade, uma mínima reflexão:
O que há
de comum entre você e a grande mídia? Você se considera representado pelo
Estadão? Há algum interesse da Veja, da Folha, da Globo que coincida com o seu?
Pronto. O
resto ele talvez seja capaz de concluir sozinho.
Veja que
estou sendo respeitoso com essa pessoa estimada por você. Estou tendo-o na
condição de inteligente e até razoavelmente informado. E não imagino que possa
ser um corrupto, um aproveitador da fé alheia, um canalha.
Por isso,
eu não sugiro que pergunte o que tem em comum com Bolsonaro, Fernando Capez (o do
rapto da merenda), Ronaldo Caiado, Malafaia, Eduardo Cunha. Sob pena de criar
um problema incontornável de relacionamento, evite perguntar se acha agradável
a companhia de grupos nazistas que desfilaram de camisa amarela.
Para os
grandes grupos de comunicação do País essas manifestações vêm a calhar. Estão com
dificuldades para lidar com a crise. O Estadão demitiu mais de uma centena de
jornalistas no ano passado, a Folha foi pelo mesmo caminho, o grupo Globo foi
mais longe, com a demissão de algumas centenas de profissionais. A poderosa Editora
Abril, que edita a Veja, vem passando por um processo de fechamento ou interrupção
da impressão de mais de uma dezena de revistas. Chegou a desocupar metade do
suntuoso prédio que ocupava. Se você é assinante, pegue um exemplar da Veja de
alguns anos atrás e compare o número de páginas de anúncios com as editadas
mais recentemente. Segundo O Observatório da Imprensa (http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/1-400-jornalistas-demitidos-em-2015/),
foram dispensados cerca de 1.400 jornalistas no Brasil em 2015.
O momento
é extremamente delicado para os meios de comunicação. Sofrem com a crise da
economia e o natural corte na verba de publicidade mesmo de grandes e médios
anunciantes e são vítimas, ao mesmo tempo, de um problema menos conjuntural: as
quedas nas vendas de jornais e revistas e, simultaneamente, na audiência da televisão.
Os
números não são nada animadores para os empresários do setor. Há um crescimento
significativo na audiência da TV a cabo, mas a da televisão aberta vem caindo
vertiginosamente. A Globo já está atrás da audiência da TV a cabo, o que só não
lhe assusta mais porque também é líder nesse segmento
(http://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2015/09/26/tv-por-assinatura-ja-ultrapassa-globo-nas-manhas.htm)
(http://celebridades.uol.com.br/ooops/ultimas-noticias/2015/09/11/tv-aberta-cai-e-tv-paga-dispara-135-no-pais-em-5-anos.htm).
Mas já há
indicativos de que parte substancial do público está migrando mesmo é para a
internet. As empresas de televisão até têm buscado essa alternativa, mas a
resposta de publicidade não é compensadora, pois a prática comum é que, em meio
eletrônico, os usuários “fujam” da publicidade, consumindo apenas o conteúdo.
O mais
dramático é que, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, o Brasil admite
a propriedade cruzada dos meios. Ou
seja, a mesma empresa pode possuir emissoras de rádio, de televisão, revistas e
jornais, além de portais de internet. E os dados mostram que a situação de revistas
e jornais é ainda mais preocupante para o segmento da comunicação.
Os
meios impressos só demonstram capacidade de crescimento na Ásia. Leia o que apontam
Vera Brandimarte e Raquel Balarin em artigo publicado no portal da Associação
Brasileira de Jornalistas: “Na Europa Ocidental e América do Norte
a circulação caiu 17% nos últimos cinco anos. Na América Latina, cerca de 3%.
As vendas de publicidade em edições impressas também não são animadoras: entre
2007 e 2012, a receita publicitária em jornais caiu de US$ 128 bilhões para US$
96 bilhões” (http://www.abjornalistas.org/page.php?news=345).
Segundo a Associação
Mundial de Jornais (WAN, em inglês), a receita da plataforma digital não
ultrapassa 10 por cento, mesmo com a tática de manter conteúdo não gratuito, nos
chamados muros de pagamento ("paywalls").
Esse
é o dado que causa maior dor de cabeça nos grupos que exploram meios de
comunicação brasileiros. A tendência é mundial e atinge diretamente o
faturamento.
A
própria Associação Nacional de Jornais tem se debruçado sobre a questão e
reconhece: “Segundo informação do Instituto Verificador de
Comunicação (IVC), no total dos jornais auditados, desde janeiro de 2014, as
edições digitais cresceram de 427.370 para 641.776 (+50%), enquanto as edições
impressas diminuíram de 3.834.613 para 3.505.838 (-8,6%), resultando numa
diminuição da circulação total de 4.261.983 para 4.147.614 (-2,7%)” (http://www.anj.org.br/cenario-2/).
Considerando
o período de janeiro a dezembro de 2015, o Diário do Centro do Mundo indica um
quadro ainda mais desesperador: “a Folha caiu 14,1% no impresso e 16,3%
no digital, o que gerou uma queda média de 15,1%, superior à do Estado de S. Paulo
(8,9%) e à do Globo (5,5%)” (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/audiencia-de-jornais-desaba-no-impresso-e-no-digital/)
E QUEM
FICA COM A CONTA?
Em
condições ditas normais, o governo compensaria as empresas de comunicação, especialmente
com despesas de publicidade. O problema é que está se dando o inverso. De 2013
para 2014, a administração
federal recuou 24% nessas despesas: de R$ 947 milhões para R$ 724 milhões, não
consideradas as contas de empresas que concorrem no mercado, como Petrobras,
Banco do Brasil e Caixa, entre outras, que ampliaram os gastos em 5,3%: de R$
1,51 bilhão para R$ 1,59 bilhão. Mas, mesmo quando elas são incluídas, o
montante é 5,7% menor.
Agregue
a informação de que o gasto com espaços publicitários em veículos online cresceu 22,8% entre os dois anos,
saltando de R$ 159 milhões para R$ 195 milhões. É claro que as mesmas empresas
ainda dão uma mordida razoável nesses valores, mas surgem aí vários concorrentes,
o que não lhes deixa bem humorados, pois isso significa uma redução ainda maior
na verba que lhes seria direcionada restritivamente.
Pois
some a isso o fato de que também vários governos estaduais e municipais têm
lidado com escassez de recursos para publicidade e, além disso, não tem havido
grande flexibilidade para outras formas de financiar o setor, como a compra
direta de produtos, na forma comum no governo de São Paulo, que mantém milhares
de assinaturas dos grandes títulos de jornais e revistas brasileiros para
distribuição na rede educacional.
Longe
de mim sugerir que esta seja a única razão da guerra desencadeada pelos meios
de comunicação contra o governo de Dilma Rousseff ou para tentar fixar a imagem
do ex-presidente Lula como um reles criminoso. A verdade é que há uma enorme
articulação de forças de direita e encontram forte e interessado apoio do PSDB,
ainda inconformado com a derrota de 2014. Os tucanos contam para isso com a
parceria dos partidos aliados – especialmente DEM, PPS e Solidariedade – e com
a companhia oportunista de boa parte do PMDB, bem definido em tuíter Editora
Humanas que repliquei: “O PMDB é aquela mãe que deixa um filho em cada fila de
caixa no mercado. A que andar primeiro ela vai...” Salvo honrosas exceções,
estão apenas usando a companhia de Dilma no governo e, subitamente, enxergaram
a chance de usar a campanha pelo afastamento dela para, de um lado, esconder
Eduardo Cunha e seu imenso contencioso criminal e, de outro, fazer um
presidente sem precisar de votos para isso.
Essa
articulação golpista encontrou eco em setores do Judiciário e do Ministério Público,
que passaram a ter uma avaliação enviesada das apurações relativas à corrupção
na Petrobras, em que só dá para ver o que possa ter conexão com o Partido dos
Trabalhadores e, particularmente, com Lula e, quem sabe, Dilma. Esses grupos mantêm
nítida articulação com a mídia, vazando conteúdos de processos sigilosos e até
decisões que podem render manchetes que ajudem no interesse mútuo.
A
TURMA DA CBF
A
população vem sendo bombardeada pela maior campanha já realizada na história da
mídia brasileira, com pautas direcionadas para destruir o governo federal e o
PT. Para não falar nos dois governos de Lula e no primeiro de Dilma, quando
certos veículos chegaram a falsificar informações às vésperas da eleição para
inverter o resultado presumido, não é possível encontrar desde o final de 2014
uma primeira página de grande jornal brasileiro, a capa de alguma das grandes
revistas ou os noticiários de TV em que o principal assunto não seja um
portentoso ataque ao governo. Isso chega a ocorrer surpreendentemente até em
edições de dias de carnaval, em que arrefece naturalmente o interesse do
público por temas de política e economia.
A
favorecer, a chegada da crise econômica ao Brasil, com intensidade considerável
no novo mandato de Dilma, e a opção da presidenta de tentar resistir aos seus
efeitos com um forte ajuste fiscal. Vários programas sociais foram reduzidos,
os níveis de emprego caíram e observou-se uma elevação sensível na taxa de
inflação.
É aí
que o seu amigo ou vizinho ou familiar é tomado de enorme insatisfação e se
anima a acompanhar lideranças comprometidas historicamente com a exclusão
social, inclusive a deles próprios, e nem sequer se dá conta que são políticos
com uma história de corrupção contumaz. Veste a mesma camisa da seleção
brasileira desses novos “parceiros de militância”, que fingem não ter conhecimento
da imensa corrupção da CBF, evidenciada por não conseguir ao menos livrar a
cara de seu presidente, já que a mutreta foi apurada fora do Brasil.
O
que ele certamente não percebe é o quanto é diferente dessa gente. Será que ele
realmente está indignado por ver recursos federais aplicados em programas que
tendem a reduzir as diferenças sociais, como o Mais Médicos, o Minha Casa
Minha Vida, o Pronatec, o ProUni, o Ciência sem Fronteiras, o programa de creches, o de Agricultura Familiar, o Bolsa Família, o Remédio Popular, o Brasil
Sorridente, a transposição do Rio São Francisco, transporte para estudantes
do meio rural, garantia de renda para
pescadores em períodos de piracema, entre vários outros? Ele realmente foi
contra a política de valorização do salário mínimo, a extensão de direitos
trabalhistas para trabalhadores domésticos, o combate ao trabalho escravo, a
proteção à mulher vítima de violência? Ele é realmente contra o incremento de
vagas no ensino superior, com a interiorização da universidade pública?
Ele
sabe, por exemplo, que a Bahia, primeira capital do Brasil, chegou a 2003 com
uma única universidade federal e hoje, além de institutos federais de educação,
é atendida por cinco universidades. Sabe o seu amigo que o novo parceiro se
revolta porque o município de Bom Jesus, no Piauí, é o de maior concentração de
doutores no Brasil? Que não aceita a Paraíba com o estado com maior relação de
doutores por habitante?
Que
está indignado porque o Nordeste e o Norte cresceram mais que São Paulo na
última década? Ou porque a taxa de mortalidade de infantil caiu a menos da
metade em uma década, entre outros indicadores sociais?
Se
esse amigo, ou parente ou vizinho é uma pessoa abastada, rica ou de alta classe
média, será que realmente faz questão que os benefícios sociais não atinjam os
demais brasileiros?
Se
ele está insatisfeito com as condições atuais da economia, pode estar certo que
não está só. Estão com ele toda a base social e política do governo e até a
própria Dilma. A questão é superar essa crise, ainda que os fatores externos
não favoreçam. Pode estar certo que não será com o ambiente de crise
generalizada que se fará isso mais facilmente.
E
você conhece muito bem os remédios para “superar uma crise” usados pelos
adversários de Dilma, os que querem tirá-la do poder. Exatamente aquela máxima
de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Se o tempo é de crise, quem vocês
achem que serão privilegiados antes? O seu amigo, os bancos, os produtores
rurais, os grandes meios de comunicação? Dê uma olhada em quem vai pra rua na
companhia de seu amigo e o que eles representam.
Basta
lembrar que, em plena crise, Dilma teve que vetar um aumento médio para o
Judiciário de 56%, que chegava em alguns casos a 78,56%! E que os juízes,
procuradores e promotores conseguiram aprovar um auxílio moradia de R$ 4,3 mil
por mês. Sem incidência de Imposto de Renda. Mas muitos desses estão com a
camisa da CBF, na rua, revoltados. Eles são realmente da mesma turma de seu
amigo?
O
Estadão de hoje não tem qualquer inibição ao dizer o que querem esses “parceiros”
de seu amigo.
No
dia 31 de março de 1964, justamente na véspera do golpe que levou o Brasil a
uma ditadura de 20 anos, o jornal Correio da Manhã, publicou um editorial que
seria simbólico daquele momento: Basta!
Fiz questão de reler hoje o texto. É tímido, quase conciliador, diante do que
publica hoje o Estadão. A força demolidora do editorial estava na sua última
frase: “O Brasil já sofreu demasiado com
o governo atual, agora basta!”
A semelhança
com o editorial de hoje do Estadão está no fato de que o do Correio da Manhã foi publicado quando
o golpe já estava prestes a se desencadear e o do Estadão parece pretender esse
papel. Talvez daí evocar o título do outro: Chegou a hora de dizer: Basta!
No
seu inequívoco ímpeto oposicionista, o editorial do Correio da Manhã não revela
sequer coragem de propor o fim do governo de João Goulart, embora chegando
muito perto disso. Seria uma atitude assumidamente atentatória contra a democracia
e os seus redatores certamente sabiam que a História não perdoa esse tipo de
afronta.
Sua
leitura e a comparação com o do Estadão de hoje distanciam os dois.
Tentando
fugir à acusação de atentar abertamente contra a democracia, o Correio da Manhã
chega a afirmar: “A Nação não admite golpe nem contra golpe”. E parece tentar
contornar a crise política daquele momento, ao propor que “este grande
sacrifício de tolerá-lo (ao presidente Goulart) até 1966 seria compensador para
a democracia. Mas, para isso, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua
política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e ameaçando
levá-la à guerra civil.” Vai adiante: “Os Poderes Legislativo e Judiciário, as
classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos
para combater todos aqueles que atentem contra o regime.”
Ainda assim, o jornal entraria
para a História com a pecha de ter sido um dos principais responsáveis por
desencadear o golpe. E o mais intrigante é que acabaria tendo relações pouco
amistosas com o novo governo, sucumbindo em 1974.
O mais significativo é que
o editorial do Estadão parece encarnar o que pretende toda a grande mídia
brasileira: a destituição da presidenta eleita legitimamente há pouco mais de
um ano. Uma campanha que obteve esse apoio desde novembro de 2014.
Como na fábula do lobo
e do cordeiro, as razões para Dilma não governar foram se sucedendo e, à medida
que se frustravam, outras eram lançadas: o lançamento pelo PSDB de suspeição de
fraude na contagem dos votos; em seguida, de irregularidades no financiamento
da sua campanha; na criação de um ambiente que a impedisse de efetivamente governar,
acuada por uma base parlamentar ávida de vantagens e, em boa parte, manietada pela
nefasta liderança de Eduardo Cunha; na denúncia sobre o que foi chamado de “pedaladas
fiscais”; pela tentativa incessante de envolvê-la nas denúncias da Petrobras.
Por fim, a tentativa escancarada de subtrair-lhe o mandato, mesmo que não tenha
sido ao menos acusada de algum crime.
Não demore, portanto,
pra conversar com o seu amigo ou vizinho ou parente. Ele pode estar puxando as
estacas que seguram a democracia e, daqui a pouco, ela pode desabar sobre ele.
Pior do que isso, só se você o aplaudiu.
Fernando Tolentino
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