De sexta-feira pra cá,
tenho pensado muito em como estará a cabeça de um brasileiro humilde,
trabalhador, talvez até desempregado (como muitos estão), completamente
desprotegido com relação a conhecimentos de direitos ou relações jurídicas,
possivelmente negro, às vezes com menos de 18 anos, quem sabe mulher ou
homossexual.
Quem convive com gente
assim ou testemunha a sua vida pessoal, sabe que o medo é companheiro de muitas
horas. Se trabalha à noite ou frequenta uma escola noturna, chega quase ao
pavor.
Quem de nós não terá
visto grupos de jovens com as mãos nas nucas, pernas abertas, voltados para
paredes ou muros, sendo revistados ou constrangidos pela polícia?
Quase todos devem ter
ouvido em casa: “Meu filho, ande direito. Nós somos fracos, não temos ninguém
por nós.” Poucos, muitos poucos, sabem que são senhores de direitos.
Mas sabem muito bem,
todos eles, experiência vivida, distinguir-se de pessoas que têm como
poderosos, aí incluídos os de renda ou instrução superior, e “os políticos”.
De repente, são
assaltados pela informação de que uma multidão de 200 policiais retirou da cama
ninguém menos que um ex-presidente da República e o levou para ser interrogado,
considerado no mínimo como suspeito.
Horas depois, deve ter
caído o céu em suas cabeças. Foi ilegal arrasta o ex-presidente Lula daquele
jeito! A polícia não poderia ter feito aquilo. Era um absurdo aquela determinação
do juiz. Isso dito por pessoas que entendem de leis, ministros do mais alto
tribunal, professores de direito, advogados experientes e respeitados. Não
bastante, ficaram sabendo que o juiz empurrou a culpa para os procuradores e,
depois, que não falava a verdade!
Ora, se isso podia
acontecer com o poderoso ex-presidente, respeitado no mundo inteiro, todo dia
condecorado por universidades de todo lado, elogiado por chefes de Estado de
vários países, a que riscos estava ele exposto. Imagine sair da sua escola
depois das dez, esperar por um improvável ônibus, caminhar quilômetros até
chegar à sua casa, em ruas vazias e talvez sem iluminação! Qualquer policial
poderia simplesmente meter-lhe uma algema nos pulsos e arrastar para onde
quisesse.
É provável que muitos
dos meus amigos de classe média (os que tenham se dignado a me acompanhar “nessas
mal traçadas”) estejam se perguntando o que têm a ver com isso. Seus filhos não
andam a pé, muito menos precisam de ônibus, ainda mais à noite. Além disso, não
escaparia a sua condição de classe ao policial que se aproximasse.
Está duvidando? Há
alguns anos, eu embarcava as tralhas no carro para um fim de semana na chácara
(chegue pra lá: chácara minha, eu tinha uma, ninguém venha imaginar que eu
costumava usar chácara de amigo, disso não posso ser acusado, mesmo achando
perfeitamente normal) e não pude deixar de notar a presença de um policial a
poucos metros, conversando com o filho de um vizinho. Ao perceber a minha
atenção, o policial se aproximou e pediu humildemente que eu arranjasse um
pretexto para que não levasse o rapaz, surpreendido com um baseado. “Estou vendo que o Senhor (policiais geralmente dirigem-se
a pessoas de classe pelo menos média com essa reverência) conhece esse rapaz. Se
prometer falar com o pai que ele estava fumando maconha, eu não levo ele.”
Salvei o rapaz.
Pois não esqueça que
seu filho pode se envolver em uma briga na boate, ser flagrado ao volante após
ingerir uns goles, talvez até usando um fuminho. A gente nunca sabe, né? Não
esqueça que pode ter tido um problema com um vizinho ou colega, lá vem a
vingança e ele se vê envolvido por uma denúncia na delegacia da esquina. O
delegado, judicioso ou socialmente comprometido com o desafeto de seu filho,
resolve ouvi-lo. E aí?
Pois é. O direito
existe para todos. Ou pelo menos devia ser assim. Não imagine que a
arbitrariedade será cometida, mesmo contra uma pessoa tida como poderosa,
apenas por ela ser do PT.
No tempo da ditadura,
dizia o comediante Chico Anysio que o problema não é o ditador, mas a rapariga
do soldado. Logo...
DÁ PRA
ENTENDER ESSA DECISÃO?
É o caso de nos
perguntarmos como se gerou essa desastrada decisão de destacar um contingente
policial enorme para retirar Lula de sua casa e levá-lo a depor, mesmo que ele
não tivesse sido previamente intimado. Vamos chamar a ação de cinematográfica e
já peço a Deus que ninguém tenha pedido apoio pela Lei Rouanet para a
superprodução.
Ao levantar as hipóteses,
já vou afastando a de ignorância. Não seria eu a suspeitar dos conhecimentos
jurídicos daquele juiz de primeira instância.
Já quero adiantar que
não pretendo esgotar as possibilidades. Até aproveito para convidar os leitores
não só a avaliarem as que vou apontar, mas também levantar as suas. Se for o
caso, colocá-las nos comentários para enriquecer a análise dos demais.
A minha primeira hipótese
é a da pura e simples vaidade. Já pensaram no que significa montar aquele
cenário para forçar o depoimento de ninguém menos que Lula? Pense nos
comentários em torno da mesa de jantar, a mulher embevecida com o poder do
santo esposo. Não deve ser fácil angariar a admiração de uma preparada
advogada, tão especializada que, segundo dizem, teria atraído a cobiça de
corporações internacionais, falam até de uma das “sete irmãs” do petróleo. E no
churrasco de domingo? Seria muito mais que um delegado prender o responsável
por um helicóptero carregado de pasta básica de coca (ops!). Isso não daria
notícia. Não pode haver melhor “escada” para ter o nome divulgado em todo o
mundo que fazer aquilo com o presidente mais admirado internacionalmente da
História do Brasil. É fato que um processo como a Lava-Jato tem como objeto a
verdade. E nada distancia tanto da verdade quanto a vaidade. Mas há muito gente
ali preocupada com a verdade?
Uma segunda hipótese
foi levantada pelo jornalista Armando Rodrigues
Coelho Neto, do alto da sua experiência de 30 anos como policial
federal. Avaliou a ação como um “test drive”, perpetrado para constatar a
resistência do lulismo e do petismo. Até que ponto, uma ação tão ousada provocaria
uma reação ao menos considerável? Na mesma linha, o blogueiro Renato Rovai
entendeu que foi um autêntico “pré-golpe”, uma quase repetição da tática
utilizada no Chile de 1973. O general Pinhochet comportou-se como aliado do
governo constitucional de Salvador Allende e, posteriormente, ele mesmo fez a
investida final.
Outra possibilidade
seria a de que a ação policial tenha sido determinada com o objetivo de deter Lula
pela intimidação. Ao notar
que a Lava Jato começava realmente a visá-lo, Lula demonstrou que iria pra cima,
inclusive das organizações Globo, mostrando vínculos entre o prédio em que é acusado de possuir um apartamento (o tríplex
de Guarujá) e a mansão (também tríplex) de paradisíaca praia no litoral de
Paraty, atribuída aos filhos de Roberto Marinho. Lula quieto é uma coisa,
assumindo microfones e reunindo os seus adeptos é outra completamente
diferente. Isso poderia fragilizar planos de pôr um fim no governo de Dilma
Rousseff. E não só, colocar os petistas em ordem unida, a eles se unindo importantes
movimentos sociais. Um quadro nada atraente, ainda mais em pleno ano eleitoral.
UMA MÃOZINHA
PARA OS GOLPISTAS?
Uma das interpretações
mais repetida tem sido a de que o objetivo fosse a animação dos grupos que
pretendem fazer um ato golpista no dia 13 de março. Depois de algumas
mobilizações em 2015 que envaideceram os seus líderes, o que se viu foi uma manifestação
pífia em dezembro, acanhada diante da promovida pelos que defendem a
estabilidade do mandato de Dilma. Não bastante, a tese do “impeachment” sofreu
um duro revés no Supremo Tribunal Federal, o governo conseguiu uma certa rearticulação
na sua base parlamentar, alguns indicadores econômicos começaram a dar mostras
de reação e os índices de popularidade da presidenta e do governo repetiram
esse movimento. Era preciso algo para agitar a base favorável a golpear o
governo, sob pena de nova frustração no próximo domingo. O primeiro soco veio
com a matéria da IstoÉ, onde se assegurava que o senador Delcídio envolvia Lula
e Dilma no “mar de lama” da Lava-Jato. Sua delação não foi confirmada por ninguém,
mas a grande mídia passou repentinamente a tratar a revista como um título
respeitável e a ação policial de sexta-feira não deixou governo, Lula e os seus
companheiros respirarem. Aparentemente, tudo pronto para lançar hordas de
manifestantes golpistas na rua.
O jornalista Bob
Fernandes desenvolveu uma tese em que a “condução coercitiva” de Lula também teria
obedecido a fins claramente políticos, pois teria como fim humilhá-lo,
quebrar-lhe a coluna moral e, com ele, a do PT.
Não faltou quem
avaliasse que o gesto do juiz Moro cumprisse o papel de uma espécie de vingança
das organizações Globo, incomodada com a ação coordenada de vários blogueiros
que passaram a levantar informações complicadas sobre a propriedade do tríplex de
Paraty, assim como de helicóptero que serviria à família Marinho. O imóvel estaria
em nome justamente da empresa envolvida no empreendimento responsável pelo
prédio em que se acusa Lula de possuir um triplex. Os advogados da empresa encaminharam
representação extra-judicial a vários blogueiros e foram ao ar duas explosivas edições
sucessivas do Jornal Nacional, tão concentradas nos seus alvos políticos como
não se vê há muitos anos. Avaliar que esse gesto foi articulado com a decisão
quase consensualmente vista como irregular do juiz Moro seria praticamente entender
que a ação policial de sexta-feira seria quase uma espécie de parceria público-privada.
Não é fácil comprovar esse elo, ainda que o editor da revista Época (ligada à
Globo) não tenha resistido e feito praticamente uma confissão de ter pelo menos
sido previamente informado da condução forçada de Lula.
É possível ainda imaginar
que essa condução, daquela forma, poderia servir para intimidar até a
presidenta Dilma Rousseff. Articulada com a não confirmada delação do senador
Delcídio, seria possível a suposição de que pode o juiz de primeira instância
determinar que a Polícia Federal invada o Palácio da Alvorada para arrastá-la a
um depoimento. Para quem acha um exagero, vale lembrar a resposta, quase uma
pilhéria, do ministro Marco Aurélio Melo ao censurar a decisão de Moro,
colocando-se ele mesmo na hipótese de uma condução como aquela.
Finalmente, embora
fosse um exagero estabelecer um vínculo entre os dois fatos, é certo que a
presepada da madrugada de sexta-feira caiu como uma luva para esconder a
derrota de 10 x 0 de Eduardo Cunha no Supremo. Ninguém esqueça como é cara para
os golpistas a preservação da posição do presidente da Câmara dos Deputados,
absolutamente comprometido com a aprovação do “impeachment” de Dilma, que
ameaça promover, ainda que tenha de saltar e pisotear os obstáculos que
surgirem à frente. Pois bem, ninguém fala mais em Cunha.
Fora a proteção à figura de Cunha, parece que todas as outras hipóteses deram chabu. A militância se acendeu, tomou as ruas (fotos de Brasília e Porto Alegre) e parece que não estão nem um pouco disposta a arredar pé de junto de seu líder,
Fernando Tolentino
Todas estas motivações estão presentes na presepada autorizada pelo juiz. Mas a vaidade e o combustível para os golpistas se destacam.
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