A aura de apartidarismo dos meios
de comunicação se desfez, indica pesquisa Vox Populi de dezembro
Marcos Coimbra
Um
resultado da última pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, concluída em
dezembro de 2015, surpreende quem estuda a percepção da população a respeito da
mídia.
Ela
mostra que, depois de anos de imagem predominantemente apartidária e neutra, os
“grandes” veículos de
comunicação passaram a ter uma nítida identidade
político-partidária. Apenas a parcela menos interessada e menos
informada da opinião pública ainda a vê como equidistante dos partidos.
Da década
de 1960 para cá, em razão de seu controle sobre a formulação de narrativas, os grandes grupos de comunicação
realizaram a proeza de estar sempre por cima: enriqueceram na ditadura e
continuaram a lucrar na redemocratização.
Refestelaram-se
após o golpe de 1964, em pagamento por sua participação nas articulações para
derrubar João Goulart e do apoio que nunca negaram aos ditadores.
Só se
bandearam para a oposição quando o regime envelheceu e se revelou disfuncional
a seus interesses. Ganharam de novo. Conseguiram se reposicionar, encobriram
seu passado e se apresentaram como se sempre estivessem ao lado da democracia.
As
pesquisas de opinião, feitas desde o fim dos anos 1980 até recentemente,
mostraram que essa estratégia havia sido bem-sucedida. Existia um quase
consenso na opinião pública sobre a “neutralidade da imprensa”, em que pese o
ativismo nitidamente partidário de seus principais veículos.
Quem não
se lembra da sucessão de manobras do Sistema Globo contra Leonel Brizola? Quem
se esqueceu da edição que a TV Globo veiculou do debate entre Fernando Collor e
Lula no segundo turno da eleição de 1989?
A
mitologia da neutralidade, curiosamente, sobreviveu até mesmo à confissão de
que ela não existia. Há cinco anos, ninguém menos que a presidenta da
Associação Nacional dos Jornais admitiu candidamente que, ao contrário do
estabelecido no mito, “(...) os meios de comunicação estão fazendo de fato a
posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente
fragilizada”. Era verdade e permaneceu verdadeiro desde então.
Demorou
até um número crescente de brasileiros dar-se conta de que a mídia nada tem de
apartidária, nem hoje nem nunca. A lenda da neutralidade resistiu além do
razoável, sustentada em estereótipos diariamente reforçados e na desatenção do
público consumidor.
Na
pesquisa Vox Populi de dezembro, foi perguntado aos entrevistados se achavam
que “os meios de comunicação atacam muito o PT, Lula e Dilma e
protegem o PSDB, Fernando Henrique e Aécio”, se supunham o contrário (que
atacam os tucanos e protegem os petistas) ou se “os meios de comunicação não
atacam nem protegem ninguém e tratam todos da mesma maneira”.
Para uma
mídia que finge ser neutra, o desejável seria que a grande maioria optasse pela
terceira resposta. Não é, porém, o que acontece: menos da metade, 47% dos
entrevistados, a escolheu. O que significa dizer que 53% dos entrevistados não
consideram que a “grande” mídia trate os partidos de forma equitativa, dos
quais 26% acham que ela ataca o PT, 11% o PSDB e 16% não têm opinião.
Mais reveladores
são os resultados para os grandes segmentos político-partidários em que a
população pode ser dividida, petistas, antipetistas e
aqueles que nem aprovam nem desaprovam o PT. Quando essas diferenciações são
consideradas, os números ficam mais nítidos.
Apenas
37% dos simpatizantes do PT acham que a mídia “trata todos os partidos da mesma
maneira”, o que, inversamente, quer dizer que quase dois terços não a avaliam
como imparcial. Entre os neutros em relação ao partido, a proporção daqueles
que imaginam ser ela equidistante é também menor que no conjunto dos
entrevistados.
A maioria
dos que consideram que a mídia é “apartidária” é formada por antipetistas. É
apenas nesse grupo que a taxa daqueles que acreditam na neutralidade ultrapassa
a metade: quase 60% afirmam que os meios de comunicação “tratam todos da mesma
maneira”. Apenas por se identificarem com o
antipetismo que nela percebem.
Este é o
resultado da investida dos grandes grupos de comunicação contra o PT e suas
principais lideranças. Ao escancarar que têm lado, jogaram para o alto o
investimento de anos para se apresentarem como equilibrados e apolíticos. Mas
não é a primeira vez que seus proprietários escolhem esse caminho. Já haviam
tomado rumo semelhante em 1964.
Lá, a
aposta no golpe deu certo. Agora, contudo, nada assegura seu sucesso. Disso, o
que vai restar, muito provavelmente, é uma mídia com imagem indelevelmente
marcada pela rotulação partidária.
Marcos Coimbra. Publicado
originalmente na Carta Capital, em
29.02.2016.
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