Estou sendo forçado a
lembrar dos primeiros dias de Itamar Franco na Presidência, ao substituir Fernando
Collor, afastado em virtude impeachment.
Itamar tornara-se candidato a vice-presidente de Collor quase que somente por
ser do segundo maior colégio eleitoral do País (Minas Gerais), onde não havia
candidatura concorrente com expressão, como as de Lula (PT), com raízes em São
Paulo e Pernambuco, e Brizola (PDT), no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.
Chegaram a ser cogitados outros nomes, como Márcia, filha do ex-presidente
mineiro Juscelino Kubitschek, então deputada pelo Distrito Federal, mas prevaleceu
o nome de Itamar.
Não estava no script Collor escapar dos compromissos
com os grupos que asseguraram a sua eleição, cercar-se rapidamente de tamanha
impopularidade e suscitar tantas denúncias de corrupção. De modo que o
candidato a vice-presidente não chegou a firmar os mesmos compromissos. Sua posse
despertou forte insegurança na retaguarda da eleição de Collor, ainda mais pelas
posições nacionalistas em seus dois mandatos anteriores como senador.
A suspeita aumentou
quando Itamar se tornou presidente e constituiu a sua equipe ministerial com a pretensão
de unidade nacional. Mesmo contra a vontade do PT, até dois petistas foram
incluídos: Luiza Erundina e Francisco Weffort. A escolha dava uma ideia de que,
se Collor já fora rebelde aos patrocinadores do seu projeto, o novo presidente
também não seria um entusiasta dos compromissos de sua candidatura em 1989.
A primeira parte do
governo de Itamar refletiu essa má vontade, com as pautas nada simpáticas da
maior parte da mídia, o que culminou com um flagrante fotográfico da modelo
Lilian Ramos, sem calcinha, quando ela lhe fazia companhia no desfile das
escolas de samba do Rio de Janeiro.
Na sequência, Itamar
abriu mão de posições, aproximou-se desses críticos e conseguiu concluir o seu
mandato definido como um “grande estadista”, tendo como sucessor o seu ministro
Fernando Henrique Cardoso, popularizado como criador do Plano Real.
E a que propósito me
vem toda essa memória?
A morte de Eduardo
Campos me parece introduzir um cenário com certa semelhança à chegada de Itamar
Franco à Presidência em 2 de outubro de 1982.
A verdade é que, a
pouco mais de mês e meio da próxima disputa presidencial, já era frequente
entre vários colunistas da grande mídia uma indisfarçável desesperança,
constatando a estabilidade da preferência por Dilma Rousseff em todas as
sondagens de opinião pública e, mais obviamente ainda, a incapacidade de alavancar
o que imaginavam serem os adversários mais viáveis, Aécio Neves e o próprio
Eduardo Campos. Pior, passam os dias e o que surge como elemento de
instabilização atinge justamente Aécio, como a mal explicada história dos
aeroportos familiares.
À frente, só o início
do horário eleitoral e as vantagens de Dilma: realizações a apresentar e tempo
mais que suficiente para isso.
É nesse momento que
surge o desastre com o avião de Eduardo, sua morte e o que os estrategistas da
campanha anti-Dilma estão vendo como uma “janela de oportunidade”.
Baixarias de políticos
irrelevantes, líderes religiosos ainda menores e jornalistas ainda mais
ínfimos, repercutidos irresponsavelmente em redes sociais, chegam ao cúmulo de
levantar insinuações de que o acidente fosse uma situação armada por gente
ligada à candidatura de Dilma. Apenas tática diversionista, para esconder a tentativa
de ganhar terreno no espaço deixado por Campos. Afinal, não fossem questões de
sentimentos de quem esteve junto durante tanto tempo e em quantas circunstâncias
políticas, buscando olhar a situação apenas pelo lado de interesses eleitorais,
seria possível encontrar alguém com mais prejuízo pelo infausto que a candidata
Dilma? Se realmente houvesse, como definir o instante como “janela de
oportunidade”?
A verdade é que, se o
absurdo de um atentado pudesse ser uma tese razoável, seria muito mais fácil
encontrar suspeitos em outros espaços políticos.
A dificuldade já se manifestava
na própria campanha deste ano, com nomes atraídos para o PSB por Eduardo
Campos, como o catarinense Jorge Bornhausen e o piauiense Heráclito Fortes. Ou
com acordos regionais à direita, como o de São Paulo e do Paraná, onde o
partido apoia o PSDB, e do Mato Grosso do Sul, em que se comprometeu com o
ruralista Nelson Trad, do PMDB.
Um dos principais nomes
da articulação de Eduardo Campos, Roberto Freire (PPS), já se adiantou com a
advertência de que Marina é o nome para suprir a vaga na chapa, mas terá que
assumir os compromissos anteriores da coligação.
Ao que parece, ainda
que talvez com sofrimento pessoal, Marina tende a se “itamarizar”. Afinal, é muito
mais comum do que se pode imaginar que a avidez pela notoriedade e o cheiro do
poder ponham no chão traços pessoais como a coerência ou o comprometimento
ideológico. Quem duvidar deve olhar para as recentes passagens de Ayres de
Brito e Joaquim Barbosa pelo Supremo Tribunal Federal.
Marina parece já haver
se embriagado pela condição de favorita da grande mídia, disposta a renunciar a
alguma nitidez ideológica que pretendeu enunciar como candidata em 2010 e na
batalha para a criação da sua Rede, sempre falando em uma “nova política”, que
passasse ao largo de compromissos alardeados como espúrios.
Ela já havia cuidado de
se aproximar de grupos empresariais desde a sua última disputa eleitoral,
quando adotou Guilherme Leal (Natura) como candidato a vice-presidente, uma
espécie de sinalizador de não radicalização em caso de eventual vitória.
Tornou-se também próxima do Grupo Itaú, onde a herdeira Maria Alice Setúbal é
uma entusiasta de sua candidatura.
Mas ainda remanescem
desconfianças aqui e acolá, especialmente porque a imagem de representante de
setores empresariais não é exatamente o que ela pretende ressaltar. Mas também
por sua manifestação de fé contra o agronegócio, questão vista como inegociável
para quem tem a defesa do meio ambiente como marca de sua trajetória, desde que
se iniciou no PT, na companhia de Chico Mendes.
Mas restam algumas dificuldades
principalmente no seio do próprio PSB. Cabe-lhe o dilema entre adotar uma
candidatura viável, ao menos de resultado superior ao do pesado candidato do
PSDB, com índices eleitorais superiores aos de Campos, mas vislumbrar a
hipótese de até eleger alguém que deixou claro, ao filiar-se, que abandonaria o
PSB assim que viabilizasse o registro eleitoral de sua Rede. E, mais, exigindo
o compromisso de que não sofreria qualquer retaliação quando o fizesse.
Um episódio semelhante
ao da sucessão do general João Batista Figueiredo, com a vitória, no Colégio
Eleitoral, de Tancredo Neves. Diante da doença, agonia e, depois, morte de
Tancredo, quem acabou assumindo foi o candidato a vice José Sarney. A chapa
fora formada por um Tancredo, do PMDB, e um Sarney originário do PFL. Como os
dois precisavam integrar o mesmo partido (e só por isso), Sarney abandonou a
legenda que presidia e aderiu ao PMDB.
O presidente da
República era filiado ao PMDB, mas todos tinham claro que seus vínculos
efetivos eram com o PFL. Com a continuação, as migrações foram tantas para o
PMDB que o perfil de Sarney impregnou-se indelevelmente na sigla.
O que sucederá caso
Marina assuma o lugar de Campos? O PSB verá com naturalidade o papel de
militância de um nome que, ao fim e ao cabo, significará o fortalecimento de
uma agremiação rival? O PSB e a sua militância real renunciarão ao controle do
Partido, que passará a ser efetivamente dela, ainda mais se lograsse a eleição
para a Presidência? O PSB aceitaria a perspectiva de, caso eleja a sua
candidata, ganhar e não levar, por vê-la simplesmente voar para outras bandas
assim que puser os pés no Palácio?
Fernando Tolentino
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