Um dos
bons prazeres do tempo de jovem estudante de Administração Pública (final da
década de 60) era nos reunirmos, estudantes de esquerda, em volta de Vital
Duarte, nosso professor de Geografia Econômica, para conversar sobre política e
filosofia. Vital era um tipo curioso. Pequeno, frágil, mas vibrante,
apresentava-se aos alunos como “comunista e rico”, forçando a contradição.
Técnico do Banco do Nordeste, comprava nas mãos dos colegas as ações
distribuídas como Participação nos Lucros ao final de cada ano. Elas não tinham
praticamente valor e ele as juntava caprichosamente, até que a Bolsa de Valores
teve um pico e ele, realmente, acumulou um enorme capital. Depois, perdeu parte
significativa quando a Bolsa quebrou.
Mas eu
trago Vital à conversa para lembrar que – sentado àquela mesa, que cobria com
forro de plástico, para poder rabiscar à vontade enquanto falava – ele pontificava
entre os jovens, vinculados alguns a diferentes forças políticas, como eu à AP
(Ação Popular) e Adelson ao Partidão (PCB). Não foi à toa que tornou-se patrono
de nossa turma. E dizia o saudoso Vital: “Se estão realmente devotados à causa
socialista, tenham clareza que lutarão noite e dia, diante dos maiores
sacrifícios, pela construção de uma sociedade em que não chegarão a viver.” E
insistia: “É preciso ter essa grandeza. Dedicar a vida para que outras gerações
possam conhecer o socialismo.”
Vital
lutou a vida toda e faleceu precocemente, muito longe de ver o Brasil
socialista.
Nós,
reformistas ou revolucionários, éramos absolutamente inconformados com a
estrutura fortemente excludente da sociedade brasileira. Cada um acreditava em
seu método, tinha a sua visão de como deveria promover mudanças radicais para
que todos tivessem acesso aos frutos do que era produzido pela Nação.
No meio,
a necessidade de pôr fim à ditadura, que servia aos interesses das elites,
justamente com o objetivo de manter (e aprofundar) a exploração, até porque se
associavam ao capital internacional, sequioso de obter resultados compensadores
nos países de sua esfera de influência.
É preciso
lembrar-se daquela reflexão do velho mestre para entender que posso me sentir
inteiramente representado no projeto de poder atualmente em curso sob a liderança
do Partido dos Trabalhadores. Não viverei em uma sociedade socialista. Mais que
isso, sei das enormes dificuldades para que sequer possamos ter um governo que
execute um programa marcadamente petista. Tenho claro que o PT não tem o poder.
Quando muito divide uma parte desse poder com outras forças políticas, entre
elas vários partidos de corte nitidamente conservador. O PT tem apenas a
liderança do processo político, que lhe é conferida pela eleição direta para a
chefia do Poder Executivo. Com Lula nos primeiros oito anos e, agora, com
Dilma.
O PT tem
que dividir o próprio governo com esses partidos, que interferem decisivamente
nas decisões governamentais. Além disso, é minoritário na base que lhe dá
sustentação no Parlamento. Grande parte das decisões tem ainda que ser
negociada com governadores ou prefeitos majoritariamente ligados a outros
partidos. Para não falar das dificuldades nas relações com o Tribunal de Contas
(com composição em que o PT praticamente não influiu) e com o Judiciário em
geral.
É sempre bom
destacar que o aparato legislativo foi herdado de períodos anteriores e são
mínimas as possibilidade de promover alterações, só possíveis a partir de
inúmeras negociações, em que inclusive se tem de abrir mão de questões
importantes.
Não falta
quem se questione na esquerda se vale mesmo a pena assumir a responsabilidade
de conduzir um processo assim tão contingenciado por limitações. E há muitas
outras que o caráter desse artigo não recomenda enumerar exaustivamente.
Essa
discussão tomou conta até dos debates internos do PT e, em boa medida, está no
vértice de várias defecções, inclusive as que deram origem a partidos como PSTU
e PSOL.
De fato,
se o PT fosse um partido comprometido exclusivamente com a classe média, em que
não é pequena a expectativa de melhorar rapidamente suas condições de vida,
seria preferível fazer uma opção oposicionista. Evitar as vitórias eleitorais
para o Poder Executivo e manter-se nos microfones parlamentares e à frente de
sindicatos e outras entidades populares, exibindo suas críticas e repetindo as
suas reivindicações.
Os anos
de governos de liderança petista, no governo federal ou mesmo nos estaduais e
municipais, têm evidenciado frequentes confrontações com diferentes segmentos
da classe média, especialmente categorias de servidores públicos.
De minha
parte, entro em um ano eleitoral, no qual o PT disputará a permanência na
Presidência da República e a liderança de governos em quase todos os estados,
com a clara convicção de que a realidade brasileira avança na direção que me
empolgou na já distante juventude.
Para o
socialismo? Que é isso, companheiro. Há muito chão pra caminhar até que
possamos alimentar esse sonho.
É claro
que há muito por fazer, é provável até que algumas conquistas não tenham sido
obtidas e pudessem receber maior atenção. Afinal, já lembramos que o PT dirige
um governo em constante luta interna. E isso se repete em estados e municípios
que governa.
Mas é
possível dizer que, apesar de todas as dificuldades, mesmo considerando que
esse processo começou com um país literalmente quebrado, tem sido
extraordinário o avanço nas condições de vida de imensos contingentes de
brasileiros, muitos dos quais sequer imaginavam o que era o mercado consumidor.
A nova
classe média brasileira (renda
familiar mensal entre R$ 1 mil a R$ 4 mil) representa hoje metade da população.
Segundo o Instituto Data Popular, esse grupo ampliou o seu consumo em
supermercados de 28 categorias de produtos em 2002 para 40 em 2011. Foi um
aumento de mais de 42 milhões de brasileiros em uma década. Mais de 12 milhões
deixaram a condição de miseráveis.
Segundo
o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV), o índice de
Gini (que mede a desigualdade socioeconômica) caiu de 0,596 em 2001 para 0,519
em janeiro de 2012 no Brasil. Ou seja, a desigualdade entre os extremos tem
sido reduzida.
No
meio do processo desencadeado pelos governos sob a liderança do PT, o mundo
entrou em forte crise econômica. A Europa ainda se debate com ela e não vê uma
saída próxima. Vários países europeus quebraram. Com os parâmetros tradicionais
da economia brasileira, isso jogaria o País nos braços do FMI e, como sabemos,
em uma depressão incontrolável, com desemprego, quebra de milhares de empresas
e consequências terríveis em inúmeros setores, inclusive as contas públicas.
Os
efeitos sobre o Brasil foram significativamente minimizados. Para começar, o
governo havia diversificado o comércio internacional, em que passaram a ter
papeis destacados a China, a América Latina, a África e o Oriente Médio. Com
isso, importamos menos dificuldades da situação dos Estados Unidos e, depois,
da Europa.
Por
outro lado, o mercado interno ampliou-se e descentralizou-se de forma
espetacular. O salário mínimo cresceu, de pouco mais de US$ 60 para mais de US$
300. Foi também fundamental a
instituição do programa Bolsa Família, beneficiando milhões de famílias
distribuídas justamente nas regiões mais pobres do País. O programa vem sendo
incrementando e terá este ano R$ 24,65 bilhões.
Outros
programas governamentais também serviram para o enfrentamento da crise e a
melhoria das condições de vida do povo. Como o Minha Casa Minha Vida. Para se
ter uma ideia, o Ministério das Cidades terá uma dotação de R$ 21,66 bilhões neste
ano.
A
interiorização do ensino também contribuiu. O número de municípios atendidos
por universidades cresceu de 114 para 237 entre em 2003 e 2011. Foram 14 novas
universidades e mais de 100 novos campi até então. Além disso, mais de meio
milhão de estudantes beneficiaram-se do ProUni.
O
crescimento do número de escolas técnicas foi espetacular: 240 só considerando
o período de Lula, diante de 119 em todo o período republicano.
Outro
dado que sequer é preciso mensurar, até porque sofre também a influência do
investimento na área educacional, mas é inquestionável foi a retomada dos
concursos públicos, beneficiando um contingente enorme de brasileiros.
É
claro que esse artigo não pretende esgotar ações governamentais ou benefícios
para a população brasileira, limitando-se a lembrar aspectos que venho
acompanhando da nossa realidade e que me levam a refletir sobre a validade do
projeto petista de chegar ao poder e, com isso, alterar a trajetória de
exclusão que marcou a sociedade brasileira nos seus primeiros 500 anos, com
breves intervalos de governos que buscaram atender os anseios da população
trabalhadora, como os governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart.
Qualquer
um de vocês poderia listar o Luz para Todos, o SAMU, a distribuição de
equipamentos ou ônibus escolares para as prefeituras. Poderia lembrar da
política de cotas, da presença em aviões de pessoas que só os viam no céu, do
acesso aos automóveis e mais uma infinidade de coisas.
O
programa mais recente que traz esse compromisso de resgate das populações
desassistidas é o Mais Médicos. Este ano os seus recursos aumentam de R$ 540
milhões para R$ 1,51 bilhão. O programa já conta com mais de 9.500
profissionais, atendendo em um número superior a dois mil municípios e 28
distritos indígenas. Inicialmente, o programa foi aberto para médicos
brasileiros, sendo suplementados com originários de vários outros países, sendo
7.400 cubanos. Para se ter uma ideia, isso significou mais de 500 mil consultas
mensais só na Bahia, atendendo populações que não tinham acesso a médicos.
Os
resultados na economia acabaram sendo positivos relativamente à problemática
vivida por todo mundo. Se o crescimento
do PIB do Brasil foi tímido em 2013, o fato é que ficou entre os maiores do mundo,
distante apenas da China e Coreia do Sul. Superado por apenas oito economias,
mas ultrapassando as de vários países entre os mais ricos, notadamente os
Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha.
A
inflação, apontada como um fantasma por diversos comentaristas econômicos,
mantém-se controlada. O período de governo de Dilma Rousseff tem uma média
anual de 6,08%, maior que os 5,77% do governo de Lula, mas bem aquém da média
do dois governos de Fernando Henrique, que atingiu 9,1%.
E,
o mais importante para os setores populares, o Brasil pode ostentar um dos
menores índices de desemprego do mundo: 5,4%. Para citar apenas alguns
exemplos, os Estados Unidos estão com 7%, a França com 11%, Portugal com 16,3%,
enquanto a Espanha chega a 26,2%.
Tenho que
concluir: vale muito a pena lutar por esse projeto. Não é o melhor dos mundos. E
estamos muito distantes do socialismo. Mas disso o velho Vital já tinha
me advertido.
Fernando
Tolentino
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