Franklin
Martins
No fim de
outubro, a rainha Elizabeth II, com respaldo dos principais partidos do governo
e da oposição, assinou Carta Régia estabelecendo novos mecanismos de regulação
para a imprensa na Grã-Bretanha. Foram fixadas penalidades duríssimas para os
órgãos que invadirem a privacidade dos cidadãos, atropelarem as leis e usarem de
má-fé no tratamento das notícias. O texto foi uma resposta à indiganação da
sociedade britância diante dos desmandos de alguns jornais e revistas. O Grupo
Murdoch chegou a grampear ilegalmente telefones de súditos de Sua Majestade.
Também em
outubro, a Suprema Corte da Argentina considerou constitucionais quatro artigos
da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, aprovada em 2009. A decisão
julgou improcedente recurso do poderoso grupo midiático El Clarín, que se
recusava a abrir mão de parte das mais de 240 licenças de tevê aberta e por
cabo em seu poder, como manda a nova lei. Os artigos em questão, segundo os
juízes, longe de ferir a liberdade de imprensa, ajudarão a promover a
desconcentração da mídia.
No início
de 2013, a União Europeia divulgou o relatório “Uma mídia livre e pluralista
para sustentar a democracia europeia”, elaborado por um Grupo de Alto Nível da
instituição, em que alertava: “Pluralismo inclui todas as medidas que garantam
o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação,
permitindo que eles formem opiniões sem a influência indevida de um poder
dominante”.
Em meados
do ano, o Congresso do Equador aprovou por longa maioria a Lei Orgância de
Comunicação, que, entre outras coisas, determinou que o espectro eletromagnético
usado pela radiodifusão seja dividido de forma equilibrada, abrindo espaço para
a expressão de organizações da sociedade civil. Pela nova lei, 34% das
concessões de rádio e tevê devem ir para as comunidades, 33% para os meios
privados e 33% para o setor público.
No
momento, o debate ganha corpo no Uruguai, depois de o presidente Pepe Mujica
enviar ao Parlamento projeto de lei que visa estimular a democratização dos
meios. Tudo indica que será aprovado.
O fato é
que praticamente todas as sociedades democráticas do mundo contam com
mecanismos de regulação dos meios de comunicação, especialmente daqueles que,
como o rádio e a televisão, são objeto de concessões do Estado. Em alguns
países – é o caso dos Estados Unidos-, a regulação se dá principalmente pela
via econômica, através da proibição da chamada propriedade cruzada. Ou seja,
nenhum grupo empresarial pode ser dono de televisão, rádio e jornal na mesma
cidade ou estado.
Em outros
países, como Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, a
regulação também estabelece princípios a ser observados nas programações de
rádios e tevês, como equilíbrio, imparcialidade, respeito à privacidade e à
honra dos cidadãos e garantia de espaço para a cultura nacional e as produções
locais.
O Brasil,
infelizmente, está na contramão dessa tendência mundial. Tem uma das mídias
mais concentradas do planeta – e uma das legislações mais atrasadas também. O
Código Brasileiro das Telecomunicações, que finge reger a radiodifusão, é de
1962. Ou seja, tem 51 anos de idade. É de uma época em que não havia tevê em
cores, transmissões por satélite e redes nacionais de televisão. Não responde,
é claro, às espetaculares transformações tecnológicas, econômicas, culturais e
mercadológicas das últimas décadas.
Salta aos
olhos a necessidade de avançar nessa área. No entanto, todas as tentativas de
abertura de um debate público, aberto e transparente sobre o tema têm sido
sistemativamente interditadas pelos oligopólios que dominam a comunicação
social no Brasil, sob o argumento falacioso de que regulação é sinônimo de
atentado à liberdade de imprensa. Dizem que regular é o mesmo que censurar.
Trata-se
de uma afirmação sem qualquer base na realidade. Por acaso existe censura nos
EUA, na Grã-Bretanha, na França, na Alemanha, na Itália, em Portugal, na
Espanha, na Argentina ou no Equador? Claro que não. Mas todos esses países
possuem leis reguladoras, ambientes regulatórios e agências reguladoras na área
da comunicação social. Sabem disso perfeitamente os oligopólios da comunicação
social, a começar por aqueles que construíram gigantescos impérios midiáticos à
sombra da ditadura. Mesmo assim, satanizam o debate sobre o marco regulatório
das comunicações eletrônicas. Têm suas razões. Mas o que lhes tira o sono no
caso não são as fictícias ameaças à liberdade de imprensa, e sim a perspectiva
real de conviver com a pluralidade, a competição e a multiplicação dos meios.
Não querem perder privilégios e poder.
Felizmente,
vivemos novos tempos, graças ao alargamento da democracia no País e ao
surgimento de novas tecnologias, como a digitalização e a internet. Essas
mudanças têm colocado em xeque o próprio modelo tradicional de jornalismo.
Foi-se o tempo em que havia, de um lado, um pequeno núcleo ativo de produtores
de informação e, de outro, uma massa passiva de consumidores de informação.
Hoje, mal uma notícia chega à internet, ela é avaliada. Em trÊs tempos, pode
ser qualificada ou desqualificada, confirmada ou negada, aprofundada ou
rejeitada por redes que reúnem centenas de milhares ou milhões de indivíduos. A
Era do Aguário, em que os comandos das redações, julgando-se no Olimpo, tudo
podiam, tem sido gradativamente minada e substituída pela Era da Rede, que
diliu as fronteiras entre produtores e consumidores de informação.
Por isso
mesmo, a cada dia que passa é mais difícil bloquear o debate sobre a
necessidade da democratização dos meios de comunicação. Se antes o tema estava
restrito a especialistas, acadêmicos e organizações não governamentais,
atualmente ela faz parte da agenda de boa parte da sociedade. Nos últimos anos,
multiplicaram-se as vozes que defendem a elaboração de um novo marco
regulatório das comunicações eletrônicas. Cresceu também o sentimento de que a
existência de oligopólios tende a asfixiar a pluralidade e a qualidade da
informação. Sintoma disso foram as palavras de ordem que, espontaneamente,
tomaram conta das manifestações de junho, sinalizando forte mal-estar com a
atuação dos principais meios de comunicação no Brasil.
Espera-se
que o governo tome a iniciativa de propor um novo marco regulatório, a ser
debatido pela sociedade – e aperfeiçoado e aprovado pelo Congresso. Lucraria o
País se esse desafio fosse enfrentado num ambiente isento de manipulações e
preconceitos. Quanto menos retórica e mais espírito público, melhor.
O ideal é
que o debate se dê em cima de um terreno comum, aceito, acatado e respeitado
por todos os brasileiros: a Constituição da República Federativa do Brasil. Ela
define os princípios democráticos que devem reger a comunicação social. O problema
é que, 25 anos depois de sua promulgação, esses princípios ainda não foram
transformados em lei. Não saíram do papel. Não foram e não são cumpridos.
Continuam engavetados.
Para
afastar os fantasmas e desanuviar o ambiente, talvez valha a pena fechar um
acordo preliminar na sociedade: o marco regulatório não conterá nenhum
dispositivo que fira a Constituição, mas contemplará todos os dispositivos
sobre comunicação social inscritos na Carta Magna, sem relegar ao abandono
nenhum deles. Ou seja, a Constituição não pode ser arranhada, tampouco pode ser
desfigurada. Trata-se de cumpri-la. Na íntegra.
Os
princípios que, segundo a Cosntituição, devem reger a comunicação social no
Brasil são:
- liberdade de imprensa (art.220 da Constituição, parágrafos 1˚ e 2˚);
- respeito ao sigilo da fonte (artigo 5˚, inciso XIV);
- os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio (art.220, parágrafo 5˚);
- complementaridade nas concessões na radiodifusão entre o sistema público, estatal e privado (art.223, caput);
- respeito à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra dos cidadãos (art.5˚, inciso X);
- direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material e moral à imagem (art.5˚, inciso V);
- preferência na radiodifusão às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (art.221, inciso I);
- promoção e defesa da cultura nacional e das culturas regionais (art.221, incisos II e III);
- estímulo à produção independente (art.221, inciso II);
- defesa da família, da criança. Defesa da sociedade contra produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (art.220, inciso I e II, e art.221, inciso IV);
- não ao racismo e à discriminação de um modo geral (art.5˚, inciso XLII e art. 3˚, inciso IV);
- proibição de concessões de TV a pessoas que gozem de imunidade parlamentar e foro especial, como parlamentares e juízes (art.54, inciso I).
O Brasil
só terá a ganhar com a aplicação dos princípios constitucionais que preveem a
ampliação da liberdade de expressão e a democratização dos meios de
comunicação. Eles tendem a estimular o florescimento de um ambiente livre,
fecundo e plural, no qual a sociedade tenha acesso a mais vozes, a amis
opiniões, a mais informação, a mais debate qualificado, a mais entretenimento,
a mais produções culturais – a mais democracia, enfim.
Carta Capital n˚ 781
Nenhum comentário:
Postar um comentário