FOI BOM
ENQUANTO DUROU
“Após sucessivas
vitórias em concursos das melhores espigas de milho dos Estados Unidos, o
fazendeiro explicou o seu segredo:
- Eu compartilho as
melhores sementes com os meus vizinhos.
Diante da
incredulidade, por distribuir boas sementes justamente para os seus
concorrentes, esclareceu:
- O vento espalha o
pólen do milho. Então, ele traz sempre pólen de qualidade. E isso garante boas
espigas para o milho que nós produzimos.”
A parábola me fez pensar
no Brasil.
Lembrei quando o
presidente Lula incutia confiança aos brasileiros mesmo com a crise do mercado
imobiliário já saltando as fronteiras dos Estados Unidos e passando a
contaminar o mundo.
Guardava consigo a convicção
de que os programas sociais de seus governos seriam um suporte para a economia
brasileira. Manteve o crescimento do Bolsa Família, iniciado em 2003 com 3
milhões de famílias. Em 2010, já no primeiro período de Dilma, alcançaria 12,8
milhões.
O programa causava
horror da classe média alta para cima, o que era estimulado pelos partidos de
oposição. Diziam que estimulava o ócio entre os mais humildes, o que os fatos
não comprovavam. Os valores eram irrisórios (variando de R$ 22 a R$ 200 a
depender da renda e do tamanho da família) e atingiam apenas famílias
efetivamente pobres ou em situação de extrema pobreza: renda per capita de no
máximo R$ 140.
Mas, ao mesmo tempo em
que impunha obrigações (como a vacinação de crianças e manutenção delas na
escola), conferia dignidade, pois os beneficiários sequer tinham que receber o
valor das mãos de alguém. Com os seus próprios cartões, faziam a retirada diretamente
nas agências bancárias. E podiam falar mais grosso, com a cabeça erguida,
diante de pessoas que antes as mantinham absolutamente submissas.
Esse era um dos vários programas
que representavam exatamente espalhar boas sementes entre os vizinhos.
A atividade econômica se
dinamizou em milhares de pequenos municípios e o Nordeste, por exemplo, passou
a ter crescimento do Produto Bruto sistematicamente superior à média nacional.
Em 2014, vi o
depoimento de um padre explicando o seu voto em Dilma. Visitara um “cemitério
de anjinhos” no interior do Ceará e, enquanto orava pelas almas daquelas
crianças mortas antes de completarem um ano, percebeu que a data mais recente
nas lápides era de 2003, ano da posse de Lula em seu primeiro governo.
Essa dinamização da economia
no interior decorreu também de vários outros programas, como o Minha Casa Minha
Vida, assim como da interiorização do ensino superior e de obras do governo
federal.
Dados do Sebrae mostram
a eficácia desse espalhar boas sementes.
O número de pequenas empresas
saltou de 5,0 milhões, em 2003, para 6,6 milhões dez anos depois, mesmo a crise
já abalando o mundo desde 2008. Representou um crescimento de 32% e isso permitiu
aumento considerável no número de empregos: geração de 10,6 milhões em 2003 e de
32,2 milhões em 2013 nas micro e pequenas empresas.
MAS SERIA
PRECISO JOGAR O JOGO
Isso demonstra que,
ideologicamente, os governos de Lula (proposta repetida por Dilma Rousseff) não
pretenderam promover uma confrontação de classes ou pôr em questão os privilégios
econômicos das classes mais abastadas. A ideia foi horizontalizar o acesso aos
bens de consumo nas camadas inferiores, o que significava naturalmente a
possibilidade de crescimento das empresas que satisfaziam essa nova demanda. Ou
seja, o consumo dos mais humildes empurraria a renda dos empresários para cima.
Isso requeria, porém,
investimento na produção e não no cômodo mercado financeiro que é a opção de
boa parte das elites brasileiras. Enfim, implicava em que os muito ricos não
tivessem uma postura preguiçosa diante da economia, justamente a que apontavam
como estimulada pelos programas sociais para os muito pobres.
O comprometimento do
orçamento da União para o pagamento de despesas financeiras, cujos estoques
estão em poder de pessoas físicas ou jurídicas que investem em títulos da
dívida pública, assim como no do sistema financeiro (os bancos), chegou a 27,8%
no orçamento da União em 2015, segundo Grazielle David e Juliano Giassi
Goularti (Brasil Debate).
Com relação aos muito
ricos, a postura da União é de passividade na cobrança da Dívida Ativa (o
montante superou a arrecadação em 2015: a arrecadação federal foi de R$ 1,2
trilhão e a dívida ativa, R$ 1,5 trilhão);
negligência diante da sonegação fiscal (alcançou R$ 500 bilhões em 2014); permissividade
com a elevação dos juros, que atingiram R$ 406,8 bilhões (6,61% do PIB) naquele
ano; e generosidade nas desonerações tributárias, a chamada “Bolsa Empresário”,
que alcançou R$ 260 bilhões em 2014.
Como comparação, o
custo do Programa Bolsa Família foi de R$ 24,65 bilhões no mesmo ano.
E não se diga que os
mais ricos bancam as receitas públicas.
Embora menos de 1% do
total das propriedades existentes concentre mais da metade de todo o território
rural, a contribuição dessas grandes propriedades com o Imposto Territorial
Rural (ITR) é de apenas 0,04% da arrecadação federal.
A abertura de
oportunidades para os setores proletários avançou em outras direções e isso
também inquietou a alta classe média. Leia-se: entre outros programas, o
oferecimento de condições de saúde, com o programa Mais Médicos chegando ao
interior do País, e principalmente a relativa popularização do acesso ao nível
superior, a partir da ampliação do número de instituições federais de ensino superior,
da implantação do sistema de cotas e dos programas de financiamento estudantil,
o Prouni e o FIES.
Tradução para os mais
abastados: risco de perda, em médio prazo, de certa parcela de poder, com
aprovações filhos de famílias humildes em concursos públicos e acesso a
estamentos superiores das administrações pública e privada. Vendo que isso só
poderia ser evitado se os seus filhos aceitassem concorrer em situações
relativamente assemelhadas, o humor das elites explodiu.
TANTO AQUI
COMO NO MUNDO
Foi mais ou menos o que
se deu com a nova postura internacional do Brasil, iniciada com a chegada de
Lula ao governo em 2003.
O comércio exterior do
País mudou paulatinamente o seu perfil, deixando de ser quase exclusivamente
caudatário dos Estados Unidos e da Europa Ocidental e encontrando novos
parceiros: a América Latina, a África, o Oriente Médio, a Rússia e o Extremo
Oriente. O processo começou efetivamente a se dar logo após o início do
primeiro governo, quando o Brasil se afastou da ALCA, em que os Estados Unidos
seriam o líder absoluto em toda a América, e prestigiou o Mercosul.
Tais relações se
fortaleceram, a ponto de o Brasil se integrar em um esforço de construção de um
novo polo de relações internacionais, articulando-se com China, Rússia, Índia e
África do Sul, o BRICS.
Todo esse processo se
deu com uma postura de cooperação internacional, em que o Brasil surgia como um
parceiro solidário de países em situação econômica muito inferior. Em suma, o governo
brasileiro entendia que era benéfico espalhar boas sementes pelo mundo e
considerava que isso lhe traria espigas mais sadias. Foi assim que empreiteiras
brasileiras encontraram novos mercados em diversos outros países e a própria
Petrobras participou de exploração em outras partes do mundo.
Junto com o notável
alargamento do mercado interno, a partir dos programas sociais, o novo
relacionamento externo também contribuiu para que o Brasil suportasse
razoavelmente as primeiras bordoadas da crise internacional, já que a economia
de uma boa parte de seus parceiros, especialmente a China, ainda não se abalara
com a crise internacional.
Os fatos demonstraram
que a nova postura internacional não agradou os Estados Unidos, assim como a
política interna levou à indignação dos que, no Brasil, acostumaram-se a ter o
Estado, a produção, os serviços públicos e o orçamento voltados exclusivamente
para si.
O golpe
parlamentar-judiciário-midiático que arrancou Dilma Rousseff da Presidência da
República foi um basta nessa atitude de se espalhar boas sementes. Fosse pelo
mundo ou entre os brasileiros.
Fernando Tolentino
gostei
ResponderExcluir#ForaTemerEleicoesGeraisJa