Brasília testemunhou
neste 24 de maio o que certamente foi a maior manifestação política de sua
história, um número que não ficou aquém de 200 mil participantes, em que talvez
estivessem representados no mínimo dois terços dos estados brasileiros.
As origens de ônibus
por estados se contavam às centenas, vindos de suas capitais, mas também de
inúmeros municípios. Eu me coloquei à disposição para recepcionar uma amiga
(até então virtual) que veio de Franca, São Paulo. Ao encontrá-la, era um grupo
de nove, que completaram 41 lugares de um ônibus. A quase totalidade de Franca,
mas pelo menos um de Restinga, município próximo de lá. A surpresa foi
encontrar no grupo uma outra amiga adquirida em uma rede social.
Para que se tenha uma
ideia da dimensão do ato, só consegui me aproximar do grupo quando um mar de
manifestantes já se dirigira para a Esplanada dos Ministérios, tomando as seis
faixas do Eixo Monumental, e a corrente humana se mantinha compacta. Resolvemos
almoçar e, como não o conseguíssemos na praça de alimentação da Feira da Torre
(junto à Torre de TV), fomos a um “shopping” nas proximidades. Ao retornarmos,
a massa humana que se deslocava pela avenida mantinha-se estável.
A coluna formada atrás
de nós não se reduzia e observei que ficou assim por bastante tempo. Ao
chegarmos na Esplanada, vi um dos caminhões de som (havia quase uma dezena,
desde os menores até no mínimo três imensos trios elétricos) anunciando que
ainda havia ônibus passando pelas cidades satélites de Sobradinho e Núcleo
Bandeirante, razoavelmente distantes de Brasília.
A tônica do movimento OCUPA
BRASÍLIA foi a unidade. Convocado por uma sopa de letrinhas reunida em torno da
Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, como o MST e o MTST, logrou a
proeza de pôr no mesmo ato centrais tradicionalmente opostas pelos vértices,
como CGTB, CSB, CSP, Conlutas, CTB, CUT, Força Sindical,
Intersindical, NCST e UGT. Participaram também todos os partidos do
espectro da esquerda, inclusive o PSTU, que não integra qualquer das duas
frentes.
Quem empurrou todas
essas entidades para uma postura unitária foi o governo Temer e sua política de
desmonte dos direitos dos trabalhadores, especialmente os direitos trabalhistas
e previdenciários. Tudo isso foi reunido na ideia de FORA TEMER e acabou se
somando à reivindicação de DIRETAS JÁ, que não tinha originalmente a smpaatia
de todas as centrais sindicais. Pouco importa, o povo na rua unificou a luta.
SEM CALCINHA
As redes sociais foram
inundadas nos últimos dias por uma foto de 22 anos atrás, em que a modelo
Lilian Ramos foi flagrada sem calcinha na companhia de Itamar Franco em um
camarote de carnaval no Rio de Janeiro, pouco depois de ele ter assumido no
lugar do presidente afastado Fernando Collor.
A publicação da foto
foi uma perversidade da mídia na época e foi uma crueldade lembrá-la agora. Mas
o desleixo da modelo acabou se transformando em um pecado venial diante de um
governo em que o presidente, fruto de um golpe, traiu a titular de sua chapa,
até hoje moralmente impecável. Algo inteiramente irrelevante pois agora é o tal
presidente quem é apanhado moralmente sem calcinha, com provas que apontam para
corrupção passiva, peculato e obstrução de justiça, além da omissão diante de
uma confissão de atividade criminosa por um empresário confessadamente
desonesto.
Como não ficar a nação
convencida de que o fulano não tem como se manter presidente?
O grito ganhou as ruas
de Brasília nesta quarta-feira e não há mais como ser contido. Para os
trabalhadores é um mesmo conjunto: Fora Temer, Nenhum Direito a Menos, Diretas
Já.
O DEBATE VENCIDO PELO
GRITO DAS MASSAS
Setores oposicionistas
e até da esquerda não veem a saída com a mesma tranquilidade e alguns alinham
perguntas que podem tornar Diretas Já uma proposta inadequada, inoportuna,
inviável. Como esperar a aprovação da proposta em um Congresso fortemente corrompido,
em que Michel Temer conta com um apoio que faria inveja aos antecessores dos
últimos 14 anos? Como imaginar que o presidente saído de eleições diretas
conseguiria governar com esse Congresso? Até que ponto acreditar que, mesmo com
novo presidente, um Congresso sob as rédeas do poder econômico deixaria de
impor a aprovação das mesmas medidas de perda de direitos para a esmagadora
maioria da população?
Daí, há quem avalie que
nada menos pode ser aceito que eleições gerais: presidente, deputados e senadores.
Outros defendem como indispensável a prévia convocação de uma Constituinte
exclusiva para realizar a reforma política. Há quem argumente que nada pode ser
feito sem a prévia anulação do golpe e a volta de Dilma Rousseff à cadeira da
qual foi ilegalmente arrancada.
A última presunção
passa por uma ação judicial e é sempre bom lembrar que o Judiciário é o poder
menos sensível ao clamor popular. Há todos os elementos para que o STF faça
essa anulação, requerida pelo advogado de Dilma desde setembro do ano passado,
ainda mais quando se tem confessado pelo patrocinador de que o “impeachment”
teve inclusive fonte de financiamento para a compra de votos parlamentares.
Mas, com a morte (acidental?) do ministro Teori Zavaski, o processo foi cair
nas mãos do substituto, justamente o ex-ministro de Justiça de Michel Temer.
Depois de assumir, dificilmente ele terá manipulado sequer a capa do processo.
No mais, qualquer que
seja o caminho, o pressuposto é a capacidade de mobilização popular para impor
que se realize. Deve-se lembrar que o mesmo Congresso resistente à aprovação de
emenda para eleição de novo presidente, mais ainda será para ceder os mandatos
de seus próprios membros. Ou para viabilizar a eleição de um poder constituinte
concorrente e com resultados certamente conflitantes com os seus interesses.
O Congresso só se
dobrará se estiver absolutamente evidente que a vontade das massas é
irrefreável e não há como impedir a mobilização popular, manifesta em um quadro
de crise institucional incontornável.
Essa onda, sim, é capaz
de forçar a aprovação de uma emenda por Diretas Já.
Mas é verdade que o
futuro presidente não terá como simplesmente governar na direção pretendida
pelo povo com a composição atual do Legislativo.
Será a sua eleição,
fruto de um claro debate explícito entre teses que poderá abrir as portas para
a realização da vontade popular.
Temer (e o esquema que
sustentou o golpe) atraiçoou não somente Dilma Rousseff, mas principalmente o
programa que ela levou aos palanques de 2014 na companhia dele. Esse programa
foi colocado nas urnas por cada um daqueles mais de 54,5 milhões de eleitores.
O Congresso ajudou a
romper a democracia por não ser solidário àquele programa, comprometido com o
poder econômico que hoje exige as tais “reformas” de Temer. Para esse
legislativo, Dilma significava o poder de veto às pretensões de seus
financiadores e, portanto, às suas. A derrubada de Temer e a escolha de seu
sucessor pelos atuais deputados e senadores representaria justamente levar à
Presidência o programa derrotado em 2014.
A VIOLÊNCIA NUNCA É UM
BOM ARGUMENTO
É claro que a violência
contra o povo no OCUPA BRASÍLIA teve a ver com a autopreservação de Temer e o
seu pânico diante da hipótese de perder a cadeira e muito provavelmente seguir
o caminho da prisão. Mas aquelas bombas e jatos de gás continham o receio de se
ver frustrada a punhalada que os golpistas vêm encaminhando contra o povo
brasileiro.
Detalhe: a violência
não terá revertido a vontade de um só daqueles manifestantes ou dos que não
vieram, mas acompanharam atentamente o que sucedia. Muito pelo contrário, cada
um deles voltou robustecido na sua compreensão política, voltou determinado a
se transformar em um evangelizador. Nem mesmo a tática de disseminação do medo
surtiu efeito. O povo não arredou pé diante do ardor dos olhos ou da sensação
de sufocação, mas levou a raiva travada na garganta e isso se transformará em
grito.
Versões da mídia
oligárquica sobre o OCUPA BRASÍLIA não vão alterar os que não vieram à
manifestação. Está bastante fresco na memória dos brasileiros como os fatos
foram tratados por ela em 1984, na outra campanha das DIRETAS JÁ.
Uma eleição direta
representaria a elucidação desse enigma. O povo está de acordo com a vontade
majoritária do Congresso que também elegeu há quase três anos? Em outras
palavras, o povo quer as reformas pretendidas por Temer e os atuais
parlamentares? Ou o povo reafirma o sentido do seu voto para presidente de 2014?
Se eleito um presidente
com a reafirmação daquela vontade, estará aberta uma crise entre os dois
poderes.
De um lado, um
Congresso comprometido com o programa mais uma vez derrotado nas urnas, além de
francamente desmoralizado, pois com a maioria de seus membros no mínimo
suspeitos de crimes e bandalheiras no financiamento eleitoral.
Do outro lado, um
presidente novo em folha, saído das urnas e a cavaleiro do programa que
representa a vontade da Nação. Com tal respaldo e o povo forçando as suas
portas, ou o Legislativo submete-se à vontade reafirmada nas urnas ou terá que
abrir espaço a novas eleições para os seus próprios lugares.
Fernando Tolentino
Essa manifestação foi sem dúvida uma demonstração de repudio a um governo golpista e desumano.
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