*Marcelo Pires Mendonça
Recentemente a ONG OXFAM divulgou os resultados de um estudo sobre
desigualdades no mundo, segundo o qual oito bilionários possuem mais dinheiro
que a metade mais pobre da população mundial. A concentração extrema de
riqueza, associada à conjuntura da geopolítica internacional e aos
desdobramentos do capitalismo são o combustível que promove os avanços da
direita em todo mundo. O crescimento dos partidos de extrema direita, a
ascensão do fascismo, o aprofundamento dos casos de racismo, xenofobia,
homofobia e feminicídio não constituem casos isolados e pontuais, pelo
contrário, vivenciamos um período histórico de ataques às minorias e à classe
trabalhadora com relativização e ameaças aos direitos humanos e sociais
conquistados - não sem luta - até aqui.
Alguns exemplos como o episódio Brexit, a eleição de Donald Trump nos
EUA e as investidas imperialistas para desestabilizar as democracias
latino-americanas através de “soft” golpes em governos populares e de esquerda.
A essa conjuntura se soma longo processo de militarização do planeta e de
precarização das relações de trabalho, com o objetivo de conduzir o capital ao
limite da sua capacidade de exploração sobre a classe trabalhadora e, de modo
especial sobre as trabalhadoras. No Brasil os ataques são muitos: projetos como
Reforma da Previdência, Reforma da Legislação Trabalhista, Reforma do Ensino
Médio, cortes orçamentários significativos em projetos sociais que lograram
êxito diante do desafio de promoção da igualdade social no país, são a
continuação do golpe parlamentar-judiciário-midiático machista e misógino que
destituiu a Presidenta eleita Dilma Roussef e que relativizou a democracia no
país. Estamos em estado de golpe, sob a égide da “barbárie” de que nos alertou
Rosa Luxemburgo.
Esta é a arena em que está posto o 6º Congresso Nacional do Partido das
Trabalhadoras e dos Trabalhadores. É preciso LUTAR contra os ataques aos
direitos e conquistas da classe trabalhadora, contra a perseguição e
criminalização do PT, das esquerdas e dos movimentos sociais e populares; em
defesa das conquistas históricas, garantias constitucionais, da preservação dos
direitos sociais, da preservação dos direitos das mulheres e dos direitos LGBT;
contestando as violações que o golpe banalizou no Brasil, como a censura ao pensamento
divergente e de esquerda, a judicialização/criminalização da política, o
lawfare, a narrativa hegemônica da mídia corporativa, o patrulhamento
ideológico, as perseguições e diatribes anti comunistas que alimentam o
fascismo e os retrocessos que crescem em nosso país.
A luta é o desafio permanente e a própria pedagogia da esquerda e do PT,
a luta é a força motriz que assegura e assegurou cada conquista da classe
trabalhadora ao longo da História. Porém a luta, antes de ser um fetiche, uma
festa, uma ciranda, é sobretudo, um projeto, uma tarefa. A luta é agente de
transformação e é também ruptura e dor. A luta é cada derrota, cada direito que
ainda não alcançamos, cada conquista ameaçada, a solidão de ser voz uníssona em
diversos espaços que ocupamos. A luta muitas vezes é desconforto, é habitar os
lugares mais inóspitos que a hegemonia do pensamento dominante nos impõe, a
luta é ocupar as margens de uma sociedade que coloca os interesses das minorias
privilegiadas acima do bem social. A luta é a dor de ver tombar companheiras e
companheiros que caminham a nosso lado. A luta é enfrentar as traições de
classe e enfrentar as dúvidas, as decepções que atingem nosso vigor e nossas
convicções. A luta é seguir adiante quando são abaladas as nossas certezas mais
revolucionárias, porque às vezes, contraditoriamente, ceder e recuar também é
lutar.... A luta é tudo que temos: forjada com o sangue, com a vida de nossas
companheiras e nossos companheiros. E com a nossa própria vida...
Por isso, a nossa luta é também por ACOLHER. Todo esse trajeto precisa
ser percorrido com união e respeito pelas diferenças, oferecendo às
companheiras e aos companheiros um ambiente de segurança e cuidado. É preciso
nos desafiarmos enquanto coletivo para romper com algumas barreiras que,
infelizmente, ainda persistem em muitos espaços do partido: o machismo, o
sexismo, o preconceito e a desqualificação das pessoas psicoátipicas por conta
da sua condição pessoal, o revanchismo agressivo entre integrantes de
diferentes correntes, as disputas de soma zero em que o limite do “confronto” é
a derrota ou destruição da/o outra/o, as inúmeras práticas preconceituosas do
cotidiano - que vão das piadas machistas, gordofóbicas e homofóbicas ao
menosprezo por companheiras/os meramente por conta da sua condição de mulher ou
de jovem - enfim, é preciso combater com rigor a reprodução da sociabilidade
atomista do capitalismo no interior do nosso partido. Não é um desafio fácil,
mas se existe um espaço na sociedade em que seja possível desenvolver uma
sociabilidade que supere tais barreiras, certamente este espaço é o PT.
A nossa luta também precisa ENCANTAR. Reconhecer estas questões,
enfrentar nossas limitações enquanto coletivo, aprender com a pedagogia da
luta, corrigir de forma construtiva, praticar a autocrítica cotidiana, olhar e
estender a mão às companheiras e companheiros sempre que possível, escutar,
divergir acolhendo na divergência, lutar se permitindo encantar pela luta e
encantando na luta. São desígnios que podem parecer simples e até elementares,
mas tais encaminhamentos exigem alguns alicerces materiais objetivos: é preciso
promover formação política e espaços de acolhimento; fortalecer e tornar
efetivas as esferas da comissão de ética do partido, que permitam equalizar
questões que não sejam resolvidas por outros caminhos; ampliar a transparência
e o controle interno de todas as esferas do partido pela militância; construir
e consolidar os mecanismos e instâncias de participação do partido de forma a
potencializar ao máximo a atuação das bases; avançar na utilização das redes
(sobretudo a partir da perspectiva de nossa juventude), inovando sempre com a
contribuição da militância e no sentido de fortalecer a luta pela
democratização dos meios de comunicação; adotar ferramentas e metodologias
científicas que permitam ao partido se conhecer e conhecer sua militância; dar
condições políticas e estruturais de funcionamento adequado às instâncias de
base, como Diretórios Zonais, Setoriais e Núcleos de Base, inclusive utilizando
as novas tecnologias para realizar esta tarefa. A maior virtude do PT é a sua
militância. É preciso que em um momento como o atual - de tendência à
desmobilização e a um “mal estar” generalizado no campo da esquerda e da
sociedade – o partido faça uma escolha corajosa e encantadora em prol das suas
bases: é preciso priorizar a recomposição, o fortalecimento e a valorização da
militância!
Rosa Luxemburgo nos alertou:
a esquerda já nasce derrotada. Na sociedade capitalista, atomista e
predatoriamente competitiva, somos socializados para “vencer”... Na vida, na
escola, nos esportes, no mercado de trabalho, nas disputas políticas, enfim, em
toda e qualquer dimensão da vida não vencer é um fracasso. O nosso projeto
derrotou a direita nas urnas e fomos “vingados” com a derrota do golpe, porque
a direita retrógrada a qual nos opomos prefere destruir o país e a democracia a
aceitar as conquistas da classe trabalhadora, ou como canta Criolo, “Uns
prefere morrer ao ver o preto vencê”. Nós escolhemos seguir acolhendo e
encantando na luta, porque lutamos como nos ensinou o Professor Darcy: “Fracassei em tudo o que tentei na
vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar
os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se
autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria
estar no lugar de quem me venceu”.
*Professor de História da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal e
Militante do PT/DF.
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