Na semana passada, um
homem cometeu suicídio lançando-se do 19º andar do Congresso Nacional. Recebi em
um grupo de Whatsapp a informação e a imagem do corpo, no espelho d’água do
prédio, além de um breve vídeo em que seguranças desciam ao local para a
constatação do óbito. Mais tarde, seguiram-se protestos pelo silêncio da
imprensa diante do fato.
Há muitos anos, repórter
de cidades do Correio Braziliense, comuniquei ao meu chefe o suicídio do marido
de uma amiga, que se jogara da janela de um hotel no centro do Brasília, e fui
informado que jornais não noticiam suicídios. A razão? Esse tipo de notícia
estimularia novas tentativas.
Voltei a pensar nisso
ao ver comprometidos mercados de carne como a Coreia do Sul, a China, o Chile e
a União Europeia, o que pode se ampliar por diversos outros países. Foi uma reação
quase imediata diante da notícia de uma operação que a Polícia Federal desencadeara há mais de dois anos.
O abalo não é
pequeno. O Brasil conquistou o primeiro
lugar mundial na exportação de carne, fornecendo para mais de 150 países. É o
maior exportador, depois de vencer grande desconfiança em muitos mercados e
barreiras alfandegárias dificílimas. O fornecimento para os Estados Unidos se
regularizou apenas a partir de julho do ano passado. Para se ter uma ideia da
significação da presença da carne brasileira em alguns países, só a BRF
abastece mais de 80% do mercado coreano. Enquanto isso, grandes títulos da
mídia dos Estados Unidos, como a CNN, WSJ e o New York Times voltam os seus
olhos para o que seria a “carne podre” do Brasil.
O segmento é responsável por 6,9% das
exportações do País, resultando em um ingresso de US$ 13,9 bilhões. É
constituído de 4.837 empresas, empregando diretamente milhares de
trabalhadores, ao que se somam outros milhares em empresas que se incorporam na
cadeia produtiva.
De concreto, a Polícia Federal identificou
problemas em 21 unidades produtoras de carnes, uma porcentagem mínima do
universo, em empresas responsáveis por menos de 2% da produção total, segundo Marcio
Ceccantini. Além disso, levanta suspeitas de que 33 servidores do Ministério da
Agricultura que atuam na fiscalização da produção estão envolvidos em uma
cadeia de corrupção. Um número também reduzido diante do efetivo de cerca de 11 mil servidores.
Não é uma constatação
desprezível, até porque o comprometimento atinge autoridades locais na área de
fiscalização e aponta para possível envolvimento do ministro Osmar Serraglio,
da Justiça, flagrado em tratamento íntimo com o cabeça da rede de corrupção.
Nada justifica, no
entanto, o estardalhaço com que a denúncia foi anunciada, ainda mais em uma
operação que se desenrola há tanto tempo. Não se trata de ver nisso uma
conspiração para quebrar as exportações brasileiras de carne. Mas é impossível
imaginar que não se suspeitasse da hipótese de promover um tremendo desarranjo
em um mercado que exigiu anos de esforço para se consolidar.
Ainda mais diante dos
precedentes da indústria naval, das maiores empreiteiras brasileiras e de
iniciativas importantes de alta tecnologia, para não falar na produção de
petróleo e gás, segmentos em que o Brasil obtivera notável desenvolvimento, conquistando
em alguns deles grande expressão no Exterior. Hoje, todo o esforço empreendido
nessas áreas foi desperdiçado. Estima-se que a Odebrecht dispensou cerca de 100
mil empregados. A OAS está em recuperação judicial e a Camargo Corrêa encolheu
enormemente. Nem se fala mais na Sete Brasil, que forneceria sondas para a
Petrobras.
Na própria Polícia
Federal, o anúncio estrepitoso e atabalhoado do resultado da operação foi
seriamente questionado, a Federação Nacional dos Policiais Federais
responsabilizando diretamente o delegado Maurício Moscardi Grillo, em que não
veem condições para liderar o processo.
O que parece óbvio é o
encantamento que causam atualmente os holofotes em determinados agentes
públicos brasileiros. Nenhuma outra consequência é levada em conta ao se
vislumbrar a possibilidade de conquistar algumas linhas nas primeiras páginas
de jornais de expressão nacional e principalmente preciosos minutos nos horários
nobres das emissoras de TV.
Essa excitação com a
chance de ocupar espaços na mídia chega ao inconcebível de policiais e
procuradores, em que a discrição é um dos principais requisitos para um
exercício profissional recomendável, contratarem os seus próprios assessores de
imprensa para intermediarem as suas relações com a mídia.
É uma situação que não
pode deixar de ser olhada por dois lados. Se é cada vez mais comum ver-se policiais
que se considerem absolutamente descomprometidos com as repercussões de suas ações
sobre o País e a sociedade, é também o caso de questionar onde está aquela
imprensa que não noticia suicídios porque isso pode consequências indesejáveis.
O senso de responsabilidade se restringe aos efeitos que possam desencadear
sobre pessoas? O frenesi diante da notícia permite que se contribua para que o País
beire a situação do suicídio?
Fernando Tolentino
Nenhum comentário:
Postar um comentário