Hoje é
dia de comemoração para o PT. Uma comemoração muito maior do que supõem a sua
direção e muitos dos membros de suas bancadas na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal.
Passados
14 anos desde a vitoriosa campanha de Lula para presidente, o Partido dos
Trabalhadores queimou uma grande quantidade da gordura acumulada desde a sua
criação, em fevereiro de 1980.
O que o
transformou no maior partido de esquerda da América Latina, condição que
dirigentes e parlamentares gostam de destacar repetidamente, foi justamente o
que foi negado nos últimos anos. O modo de ser diferente de partidos
tradicionais, que seria a razão da sua inviabilidade na visão da velha política
brasileira.
Sem se
negar a disputar o jogo eleitoral, o PT surgiu como deve ocorrer com um partido
de esquerda: na luta política das massas oprimidas.
Durante
anos, o palco prioritário do PT foi a luta popular. Uma categoria profissional
organizada dificilmente fez um enfrentamento sem a participação solidária de
sindicalistas do Partido. Outras foram organizadas sob a liderança de
trabalhadores a ele vinculados. Dessas refregas, surgiu a Central Única dos
Trabalhadores. Petistas também se destacavam nas lutas de moradores por
melhores condições de vida, na resistência diante do latifúndio, na organização
das lutas dos estudantes, dos negros, das mulheres, dos homossexuais e onde o
velho se confrontasse com o novo, o revolucionário.
A luta
política propriamente dita – pela anistia ampla geral e irrestrita, contra o
FMI e suas imposições à economia brasileira, pela convocação de uma Assembleia
Nacional Constituinte livre e soberana, por Diretas Já – tinha inevitavelmente
militantes do PT junto com os de outros partidos de esquerda e personalidades
ou instituições democráticas.
Enquanto
esse Partido dos Trabalhadores crescia, mandatos parlamentares eram
conquistados, em ritmo lento e consistente, assim como se anotou algumas
vitórias em eleições para cargos executivos. Prefeitos e até governadores
fizeram administrações que evidenciavam a consigna do jeito petista de governar.
Isso significava forte estímulo à participação popular nas decisões
governamentais, como nos orçamentos participativos.
Depois de
três tentativas que serviram justamente para enraizar o discurso petista no
seio do povo, Lula foi eleito em 2002 juntamente com uma bancada de 91
deputados, pouco mais de 17,5% da composição da Câmara.
É
significativo o que ocorre com o PT no meio parlamentar a partir de então.
Após ver
Fernando Collor eleito por sua legenda, o PRN tornou-se a quarta bancada da
Câmara (40 deputados), embora sequer existisse quatro anos antes. Com José
Sarney na Presidência, o PMDB elevou a sua bancada de 200 para 260 deputados,
53,39% do total. Com 38 deputados na eleição de 1990, o PSDB chegou a 63 no
pleito em que Fernando Henrique Cardoso venceu pela primeira vez (1994) e a 99
deputados em sua reeleição (1998).
Pois o PT
não agregou um único deputado no mandato inicial de Lula. Ao contrário, deu-se
ao luxo de expulsar alguns e ver outros saírem, insatisfeitos com a convivência
com o poder. Quatro anos depois, sua bancada minguou para 83 deputados. Cresceu
modestamente em 2010 e chegou a 88, mas ficou em 70 deputados na eleição de
2014, 21 a menos que 12 anos antes, quando conquistou a Presidência da
República.
Há dois
aspectos a ressaltar nessa redução. O Partido negou-se à política de cooptação
e portas escancaradas que marcou as passagens de PMDB, PRN e PSDB pelo Palácio
do Planalto. Com isso, revelou a obsessão pelo republicanismo que marcou a sua
trajetória pelo Poder Executivo. Mas também mostrou a sua ingenuidade nas
disputas eleitorais, favorecendo flagrantemente os partidos que se declaravam
como de sua base parlamentar. É certo que robusteceu legendas efetivamente
solidárias com o seu projeto, como o PCdoB, mas deu fôlego a associações
oportunistas ou de ocasião, permitindo ressuscitar o PMDB e dar corpo a grupos
sem qualquer compromisso político, como PP, PTB, PR, PRB e, até, como se
revelaria adiante, o PSB.
O que
fica claro nessa nova trajetória do PT?
Esteve
inquestionavelmente comprometido com o seu bem sucedido programa de inclusão
social e de defesa dos direitos de trabalhadores e camadas médias da população.
Saliente-se o fato de que essa política foi favorecida pelo desenvolvimento
econômico que imprimiu, em boa media pela reorientação do relacionamento
internacional do País, negando-se a manter uma postura submissa diante de
países centrais do capitalismo mundial e assumindo, ao contrário, posição de
solidariedade com economias alternativas (como Rússia, China, África do Sul e
Índia) e de liderança com relação a países menos desenvolvidos.
A FASE REPUBLICANISTA
Mas
jamais buscou apropriar-se do Estado ou implantar uma nova institucionalidade,
condizente com o seu perfil de sociedade. Daí, a sua timidez com a reforma
política, com a reforma tributária ou com a regulação da mídia.
Foi
visível não aproveitar minimamente espaços para dar um caráter mais
progressista às instâncias superiores do Poder Judiciário, permitir que as
indicações para o Tribunal de Contas da União continuassem um mal explicado
negócio de forças parlamentares e nem tentar imprimir uma visão avançada para o
Ministério Público.
Se,
reconheçamos, não abandou os compromissos de classe, foi gradativamente levando
a que a sua defesa ficasse adstrita a políticas governamentais e à articulação
parlamentar.
Um fosso
imenso abriu-se entre a sua representação nos espaços institucionais – governo
e Poder Legislativo – e o Partido real, a força viva dele, sua militância.
Salvo os
petistas integrados na direção de entidades representativas de trabalhadores e
de outros movimentos sociais, ficou praticamente relegada aos militantes a
condição de orgulhar-se das ações de governo, aplaudi-la e voltar às ruas a
cada eleição para garantir a renovação de mandatos.
Em suma,
a não ser por aqueles compromissos políticos que lhe deram origem, o PT foi se
assemelhando celeremente dos demais partidos. No conjunto formado pelos que
disputam diretamente mandatos, é inegável a tendência a que se raciocine com a
lógica de que o prioritário é renová-los. Em um sistema como o brasileiro, isso
significa valer-se de métodos semelhantes aos dos adversários, envolver-se em
articulações muito próximas. É de se prever que não tardaria a ter os
compromissos essenciais como elementos secundários, no máximo argumentos
eleitorais.
No seio
do partido, essa equação leva à profissionalização de quadros e, como uma
consequência natural, falta de debate político, desmotivação, afastamento do
meio social, envelhecimento da militância.
Veio o
golpe, fruto de uma extraordinária articulação para levar o PT à destruição
definitiva. Uniram-se lideranças do grande empresariado, especialmente o
financeiro, o semento hegemônico da mídia e a maioria parlamentar conservadora.
A manobra contou com expressivo envolvimento de membros do Poder Judiciário. E
é claro que se aproveitou da fragilização do Partido.
A MILITÂNCIA DESPERTOU
O
despertar veio com a percepção de que a representação parlamentar passou a ter
uma atitude de crescente aceitação da ruptura que tirou o próprio PT do
governo, de passividade diante da nova hegemonia, de quase conformismo em face
de uma presumida inexorabilidade do novo quadro.
O quadro
em que os golpistas assumiram a iniciativa e, com voracidade surpreendente,
resolveram revogar direitos conquistados ao longo de muitas décadas, como os
trabalhistas e previdenciários, suspender ou minimizar direitos sociais
instituídos nos governos liderados pelo PT, impor diretrizes neoliberais à ordem econômica, submeter o sistema
educacional à lógica acrítica e tecnicista, entregar ao capital estrangeiro os
mais importantes ativos nacionais, abrir flancos aos interesses estratégicos
dos Estados Unidos, reforçar a hegemonia de meios de comunicação e até resgatar
do limbo interesses de grupos empresariais que não tinham como prosperar em um
quadro de normalidade, como a legalização de jogos de azar. Uma típica política
do “a hora é essa”, de desmontar as defesas da sociedade enquanto isso não
precisa passar pelo debate eleitoral.
A gota a transbordar foi a articulação para que as
bancadas petistas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal simplesmente se
associassem a arranjos de parlamentares golpistas e dessem sustentação para que
passassem a dirigir as duas Casas com presunção de legitimidade. Dirigir as
mesas e, claro, aquela pauta demolidora que levou ao próprio golpe.
A partir daí, o quê dizer nas ruas? Que papel
poderia ser cumprido por um militante do PT? O que mostraria de diferencial em
seu partido? Restaria curvar-se ao discurso dos adversários e admitir que o
Partido dos Trabalhadores, enquanto proposta, estava definitivamente
desfigurado.
A verdade é que a militância ressurgiu, dissolveu
até os muros internos de facções e tendências e resolveu lembrar aos
parlamentares: o PT está aqui do lado de fora, disposto a fazer o debate com a
sociedade, o embate com os adversários, trazer de volta para as ruas o
compromisso que lhe deu origem e lhe dá sentido.
Fernando Tolentino
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