Lula é acusado de
receber propinas por meio da utilização do Fundo de Investimentos do FGTS? Teria
recebido R$ 905 mil por conta de negociações com a Empresa de Saneamento de
Tocantins? Ou R$ 2,5 milhões, nos recursos para obras no Corredor Raposo
Tavares (São Paulo) e na Concessionária Rota do Atlântico (Pernambuco)? Em
virtude de negociações com o Metrô Rio (R$ 1,16 milhão), pela participação
acionária na Brado Logística (R$ 2 milhões), com empresa do grupo J&F
(Friboi), no valor de R$ 940 milhões? Acusado de receber propina pelas
negociações do Porto Maravilha (R$ 52 milhões) ou na construção de navios-sonda
coreanos para a Petrobras (R$ 5 milhões)? Tem acusação de manter contas ocultas
na Suíça, com certificação do Ministério Público de lá?
Ah! Tá. Este é o
ex-deputado Eduardo Cunha, que está livre como um passarinho, mesmo cassado,
depois de segurar pessoalmente o seu processo por um ano e reger um golpe que
aniquilou a democracia brasileira.
Lula é acusado por
diretores da Odebrecht de ter recebido propinas da ordem de R$ 23 milhões,
parte disso depositado em contas também na Suíça?
Este é o José Serra, ministro
das Relações Exteriores?
Ou, conforme denúncia
de dirigente da Engevix, divulgada neste fim de semana pela Época, como
suspeito de ser beneficiário de mais R$ 20 milhões? Não. Os nomes envolvidos
são de novo Serra e mais o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Sei que há inúmeras
outras denúncias escabrosas por aí. Nenhuma atinge Lula.
O Ministério Público
não tem provas, mas alega ter fortes convicções de que houve reformas em um
apartamento, que não lhe pertence, mas visariam a lhe beneficiar. Ou de que,
quando nem presidente Lula era mais, uma empresa pagou para guardar o acervo de
algumas toneladas de presentes doados ao presidente da República (não à pessoa
dele), que ele é obrigado a manter. As suspeitas (convicções) alcançam valores
que mal dariam para comprar um apartamento no Setor Sudoeste, em Brasília.
Por que essa caça a Lula?
Não há sequer razões
que justifiquem uma prisão provisória. Lula não dá qualquer sinal de prejudicar
investigações. Ao contrário, antecipa-se no fornecimento de informações que
alimentem o processo. Não coloca ao menos a hipótese de evitar algum depoimento
ou de tentar escapar.
Ninguém desconsidere um
aspecto psicanalítico, o ódio que os condutores do processo devotam a Lula como
redentor das classes populares, aquele que ousou realizar políticas e implantar
programas de governo que reduziram a distância entre os de seu padrão social e,
de outro lado, os miseráveis ou muito pobres. É impossível não ver a indignação
de pessoas como os procuradores, juízes e policiais federais encarregados do
processo, bem nascidos, com formação em escolas caras ou que se infiltraram na
classe média por meio de concursos públicos. Concursos que, por sinal,
tornaram-se corriqueiros a partir da primeira eleição de Lula.
Mas há aspectos mais
relevantes, que justificam o propalado consórcio político-midiático-judicial
que levou à queda de Dilma Rousseff e ora implanta um modelo social e econômico
que representa o retorno aos tempos do neoliberalismo apeado do governo com a
eleição de Lula.
O primeiro é a
destruição do mito. Durante o primeiro governo de Lula, Aécio Neves chegou a
dizer que não adiantava lutar contra Lula. Para ele, o então presidente não era
um homem, mas um mito. E mito não se destrói, concluía.
Pois esta é a tarefa
que vem sendo cumprida pela Operação Lava Jato, com franca colaboração da mídia
hegemônica e no mínimo a atitude omissiva da hierarquia superior do Judiciário.
E, claro, o eco oportunista do meio político, para quem o ataque a Lula e seus
correligionários significa retirar-se do alvo das acusações.
É preciso que Lula seja
visto pela opinião pública como alguém que usou a política para “se dar bem”. E
não importa se há provas ou apenas convicções. O importante não é se Lula é
corrupto, mas que assim pareça para a sociedade, especialmente os que
aprenderam a vê-lo como um mito. Para isso, não basta atingir Lula. É indispensável
lançar lama sobre todos os que o rodeiam. Em suma, qualificar o seu Partido e
os políticos que o acompanham como um bando de corruptos, de malfeitores. E se
não houver provas? Há convicções. E o bombardeio mais que diário dos meios de
comunicação se encarregam de estabelecer certezas.
Essa guerra não atinge
somente os que integram o grupo político de Lula. É preciso deixar claro que é
muito perigoso aproximar-se de Lula ou do PT. Por isso, a prisão de tantos
empresários e executivos de grandes empresas, prisões que exacerbam qualquer
prazo aceitável para uma investigação que reúne mais de 300 agentes públicos
durante período superior a dois anos. Como assim empresas terem contribuído com
o PT, mesmo que legalmente?
É a tática da
atemorização. Este é o momento em que isso chega ao clímax. Não basta prender
Lula. Ajuda muito ficar claro que, para isso, não é preciso haver alguma
acusação consistente, provas inquestionáveis, algo que notoriamente o
incrimine. Se vier a ser preso sem essas razões, tanto melhor para os
comprometidos com a estratégia de destruição da esquerda brasileira.
Todos chegarão virtualmente
à conclusão de que a mesma coisa pode ocorrer com qualquer um. Como no período
da ditadura, em que importava a suspeita. É a tática de exacerbação do poder.
Leia-se: “se quisermos, podemos prendê-lo e, caso não encontremos qualquer
prova, disseminaremos uma versão que convencerá a todos de que vocês merecem
ser presos”. Por isso, os advogados falam tanto em insegurança jurídica,
alegando que não há mais referências para trabalhar. O TRF 4 encarregou-se de
decidir que a Lava Jato merecia essa exceção. Mais ou menos como “métodos
inéditos para um caso inédito”.
Por fim, a notícia da
possível (provável?) prisão de Lula tem um resultado altamente rentável para
quem está impondo ao País um formidável processo de regressão social e
política. Não poderia haver mais caprichosa tática diversionista. Enquanto toda
a esquerda se volta para o risco da prisão do líder, que não é desprezível, e
toda a sociedade também se concentra em acompanhar essa hipótese, as medidas
que comprometem os interesses populares e nacionais vão sendo adotadas, sem
enfrentar uma mobilização que possa efetivamente contê-las.
Como nada é perfeito,
os estudantes secundaristas estão se encarregando de pôr em dúvida a eficácia
dessa tática, ocupando centenas de escolas em manifestações contra o arrocho no
sistema educacional. Mas ainda é um setor isolado que reage.
De tudo isso, o que se
pode concluir é que Lula é o alvo perfeito.
Não é a ele que querem
pegar. É você. Se ocorrer e enquanto não ocorre, você, eu, nós vamos sendo os
verdadeiros atingidos pela guerra travada contra os trabalhadores, os
excluídos, mesmo as camadas médias da sociedade brasileira.
Fernando Tolentino
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