sábado, 15 de outubro de 2016

NÃO É LULA QUE ELES QUEREM PEGAR



Lula é acusado de receber propinas por meio da utilização do Fundo de Investimentos do FGTS? Teria recebido R$ 905 mil por conta de negociações com a Empresa de Saneamento de Tocantins? Ou R$ 2,5 milhões, nos recursos para obras no Corredor Raposo Tavares (São Paulo) e na Concessionária Rota do Atlântico (Pernambuco)? Em virtude de negociações com o Metrô Rio (R$ 1,16 milhão), pela participação acionária na Brado Logística (R$ 2 milhões), com empresa do grupo J&F (Friboi), no valor de R$ 940 milhões? Acusado de receber propina pelas negociações do Porto Maravilha (R$ 52 milhões) ou na construção de navios-sonda coreanos para a Petrobras (R$ 5 milhões)? Tem acusação de manter contas ocultas na Suíça, com certificação do Ministério Público de lá?
Ah! Tá. Este é o ex-deputado Eduardo Cunha, que está livre como um passarinho, mesmo cassado, depois de segurar pessoalmente o seu processo por um ano e reger um golpe que aniquilou a democracia brasileira.
Lula é acusado por diretores da Odebrecht de ter recebido propinas da ordem de R$ 23 milhões, parte disso depositado em contas também na Suíça?
Este é o José Serra, ministro das Relações Exteriores?
Ou, conforme denúncia de dirigente da Engevix, divulgada neste fim de semana pela Época, como suspeito de ser beneficiário de mais R$ 20 milhões? Não. Os nomes envolvidos são de novo Serra e mais o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Sei que há inúmeras outras denúncias escabrosas por aí. Nenhuma atinge Lula.
O Ministério Público não tem provas, mas alega ter fortes convicções de que houve reformas em um apartamento, que não lhe pertence, mas visariam a lhe beneficiar. Ou de que, quando nem presidente Lula era mais, uma empresa pagou para guardar o acervo de algumas toneladas de presentes doados ao presidente da República (não à pessoa dele), que ele é obrigado a manter. As suspeitas (convicções) alcançam valores que mal dariam para comprar um apartamento no Setor Sudoeste, em Brasília.
Por que essa caça a Lula?
Não há sequer razões que justifiquem uma prisão provisória. Lula não dá qualquer sinal de prejudicar investigações. Ao contrário, antecipa-se no fornecimento de informações que alimentem o processo. Não coloca ao menos a hipótese de evitar algum depoimento ou de tentar escapar.
Ninguém desconsidere um aspecto psicanalítico, o ódio que os condutores do processo devotam a Lula como redentor das classes populares, aquele que ousou realizar políticas e implantar programas de governo que reduziram a distância entre os de seu padrão social e, de outro lado, os miseráveis ou muito pobres. É impossível não ver a indignação de pessoas como os procuradores, juízes e policiais federais encarregados do processo, bem nascidos, com formação em escolas caras ou que se infiltraram na classe média por meio de concursos públicos. Concursos que, por sinal, tornaram-se corriqueiros a partir da primeira eleição de Lula.
Mas há aspectos mais relevantes, que justificam o propalado consórcio político-midiático-judicial que levou à queda de Dilma Rousseff e ora implanta um modelo social e econômico que representa o retorno aos tempos do neoliberalismo apeado do governo com a eleição de Lula.
O primeiro é a destruição do mito. Durante o primeiro governo de Lula, Aécio Neves chegou a dizer que não adiantava lutar contra Lula. Para ele, o então presidente não era um homem, mas um mito. E mito não se destrói, concluía.
Pois esta é a tarefa que vem sendo cumprida pela Operação Lava Jato, com franca colaboração da mídia hegemônica e no mínimo a atitude omissiva da hierarquia superior do Judiciário. E, claro, o eco oportunista do meio político, para quem o ataque a Lula e seus correligionários significa retirar-se do alvo das acusações.
É preciso que Lula seja visto pela opinião pública como alguém que usou a política para “se dar bem”. E não importa se há provas ou apenas convicções. O importante não é se Lula é corrupto, mas que assim pareça para a sociedade, especialmente os que aprenderam a vê-lo como um mito. Para isso, não basta atingir Lula. É indispensável lançar lama sobre todos os que o rodeiam. Em suma, qualificar o seu Partido e os políticos que o acompanham como um bando de corruptos, de malfeitores. E se não houver provas? Há convicções. E o bombardeio mais que diário dos meios de comunicação se encarregam de estabelecer certezas.
Essa guerra não atinge somente os que integram o grupo político de Lula. É preciso deixar claro que é muito perigoso aproximar-se de Lula ou do PT. Por isso, a prisão de tantos empresários e executivos de grandes empresas, prisões que exacerbam qualquer prazo aceitável para uma investigação que reúne mais de 300 agentes públicos durante período superior a dois anos. Como assim empresas terem contribuído com o PT, mesmo que legalmente?
É a tática da atemorização. Este é o momento em que isso chega ao clímax. Não basta prender Lula. Ajuda muito ficar claro que, para isso, não é preciso haver alguma acusação consistente, provas inquestionáveis, algo que notoriamente o incrimine. Se vier a ser preso sem essas razões, tanto melhor para os comprometidos com a estratégia de destruição da esquerda brasileira.
Todos chegarão virtualmente à conclusão de que a mesma coisa pode ocorrer com qualquer um. Como no período da ditadura, em que importava a suspeita. É a tática de exacerbação do poder. Leia-se: “se quisermos, podemos prendê-lo e, caso não encontremos qualquer prova, disseminaremos uma versão que convencerá a todos de que vocês merecem ser presos”. Por isso, os advogados falam tanto em insegurança jurídica, alegando que não há mais referências para trabalhar. O TRF 4 encarregou-se de decidir que a Lava Jato merecia essa exceção. Mais ou menos como “métodos inéditos para um caso inédito”.
Por fim, a notícia da possível (provável?) prisão de Lula tem um resultado altamente rentável para quem está impondo ao País um formidável processo de regressão social e política. Não poderia haver mais caprichosa tática diversionista. Enquanto toda a esquerda se volta para o risco da prisão do líder, que não é desprezível, e toda a sociedade também se concentra em acompanhar essa hipótese, as medidas que comprometem os interesses populares e nacionais vão sendo adotadas, sem enfrentar uma mobilização que possa efetivamente contê-las.
Como nada é perfeito, os estudantes secundaristas estão se encarregando de pôr em dúvida a eficácia dessa tática, ocupando centenas de escolas em manifestações contra o arrocho no sistema educacional. Mas ainda é um setor isolado que reage.
De tudo isso, o que se pode concluir é que Lula é o alvo perfeito.
Não é a ele que querem pegar. É você. Se ocorrer e enquanto não ocorre, você, eu, nós vamos sendo os verdadeiros atingidos pela guerra travada contra os trabalhadores, os excluídos, mesmo as camadas médias da sociedade brasileira.
Fernando Tolentino

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