“Pela
minha família”
Quem já teve uma boa ressaca sabe que
ela precede uma boa luta.
- COMO VOTA O DEPUTADO FULANO DE TAL?
- Pelo fim de toda e qualquer indexação,
inclusive a que garante reajuste do salário mínimo e do piso de benefícios
previdenciários acima da taxa de inflação, eu voto SIM.
- COMO VOTA O DEPUTADO BELTRANO?
- Para que não se use mais excedentes do
Fundo de Garantia para o Minha Casa, Minha Vida, eu voto SIM.
- COMO VOTA O DEPUTADO SICRANO?
-
Para permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as legais,
representando o fim da CLT.
- COMO VOTA O DEPUTADO HERCULANO?
- Para restringir os
programas sociais, inclusive o Bolsa Família, apenas aos mais miseráveis, os 10%
mais pobres, que tenha rendimento abaixo de um dólar por dia, eu
voto SIM.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
-
Para que todos os programas estatais, inclusive os programas sociais do governo,
sejam avaliados anualmente por um comitê independente, que poderá sugerir a sua
continuação ou o fim deles, de acordo com os seus custos e benefícios, eu voto SIM.
Você
também tem amigos que criticam os políticos por mentirem aos seus eleitores, que
os ridicularizam com um monte de piadas em que são taxados de mentirosos?
Mas
pergunte a cada um se ficou comovido ao ouvir suas homenagens às famílias, aos
filhos ou as invocações divinas para os seus votos.
Se
esses amigos são muito desconfiados, devem ter imaginado aqueles políticos pensando
somente em suas próprias famílias. Se um pouco mais incrédulos, podem até fazer
como o sindicalista Emanuel Cancella, coordenador do
Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e da
Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). No seu blog,
questiona aquela ridícula fiada de votos, dedicados à família, aos filhos, ao
netos, à mãe de criação, à memória do falecido pai, monótono refrão que não
escapou ao mais ingênuo dos telespectadores.
Cancella lembra um deles, com o seu voto já concluído
e correndo, até interrompendo outro deputado, para não deixar de citar um
parente. Cita também a grotesca deputada
Raquel Muniz (PSD), hoje famosa em todo o mundo por seus pulos e berros de “sim,
sim, sim, sim”, estranhando
fazer tal comédia em homenagem ao marido que seria preso por corrupção ao
nascer do dia seguinte. O sindicalista traz à lembrança a informação do renomado economista José Carlos de Assis de
reunião para compor um caixa para o financiamento da campanha do golpe,
inclusive daquela cena. Ali, foi combinado o “racha”: Fiesp, R$ 300 milhões; R$
FIRJAN, R$ 100 milhões e Federação das Indústrias do Paraná e Rio Grande do Sul,
de R$ 50 milhões cada.
A conclusão de Cancella: a
citação da família seria a senha para se habilitar à gorjeta?
Daí, conclama a ação dos órgãos
investigatórios, a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
- Pelo fim
de todas as vinculações de receitas, como as que financiam a educação e a saúde
públicas brasileiras, eu voto SIM.
- Pela intervenção no SUS, eu voto SIM
Um ou
outro poderia ter sido o voto da espalhafatosa Raquel Muniz. Afinal, o marido foi
preso justamente porque, como prefeito, beneficiou o hospital da família, em
prejuízo dos ligados à Prefeitura.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
- Para que o governo seja obrigado a
liberar os recursos de todas as emendas parlamentares, eu voto SIM.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
-
Para ampliar a idade mínima de aposentadoria para 65 anos, nos casos de homens,
e 60 anos para as mulheres, podendo a idade mínima aumentar, a depender dos
dados demográficos, eu voto SIM.
O voto
aparentemente ingênuo do deputado
Francisco Everardo Oliveira Silva foi recebido mais como o “voto de Tiririca”. Coberto
por gargalhadas do Plenário antes mesmo que pronunciasse as suas primeiras nove
palavras na tribuna desde que assumiu o mandato: “Senhor presidente, pelo meu país, meu voto é sim.” E não conteve o riso.
Não foi
só o respeito dos colegas de Câmara que não mereceu.
“Nós, palhaças e
palhaços profissionais, brasileiros e estrangeiros engajados na defesa da
democracia do Brasil, manifestamos nossa mais completa insatisfação e repúdio
em relação à postura e ao voto de vossa excelência”, afirma a vigorosa
reprimenda dos verdadeiros profissionais do espetáculo
circense. Afinal, palhaço é um profissional respeitável, não significa que
cumpra com irresponsabilidade o seu papel de cidadão.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
-
Por maiores tarifas para os concessionários privados de serviços públicos:
energia elétrica, gás, telefonia, internet, pedágios, eu voto
SIM.
- COMO VOTA O DEPUTADO?
- Pela limitação do Pronatec, eu voto
SIM.
- Pela
limitação dos empréstimos estudantis pelo FIES, eu voto SIM.
- Pena extensão do ProUni para o ensino de
segundo grau, fortalecendo as instituições de ensino privado, eu voto SIM.
O QUE O BRASIL TEM A
TEMER
Não
seria melhor se aqueles deputados, que se dizem “representantes do povo” (e não
de suas famílias), abrissem o jogo?
A
maioria deles nunca teve a chance de aparecer na TV, talvez nem em programas
locais, a não ser no horário eleitoral gratuito. Nunca tiveram oportunidade de esclarecer
para os seus eleitores quais são efetivamente os seus compromissos políticos. Não
seria melhor se tivessem aproveitado uma transmissão de TV para todo o País e
deixassem clara a intenção dos seus votos?
Poderiam
ter deixado claro o que defendem, quais os motivos para interromperem um
mandato popular conquistado com votos tão legítimos quanto os seus. Ou soa
ridículo terem dito que votam “em nome dos 65.322 votos que recebi”.
Tudo o que coloquei em
lugar do voto “pela família” (ou por Deus ou pelos militares de 1964, entre
eles o maior torturador de todos os tempos no Brasil) está explicitamente
alinhado no programa de Temer (Uma Ponte para o Futuro), disponível em uma
simplificada busca em portais de pesquisa. Tudo tão claro quanto exigem os
financiadores de políticos, que naturalmente não são tão candidamente inocentes
quanto os pobres eleitores empacotados com as camisetas da corrupta CBF.
Tudo aquilo e muito
mais. Entre outras políticas:
- O compromisso com as privatizações:
Executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por
meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas
em todas as áreas de logística e infraestrutura.
- O fim do Regime de
Partilha para o Pré-Sal e do controle da Petrobras sobre o Pré-Sal.
- A volta da política externa dos tempos
neoliberais, com foco
na aliança comercial com grandes potências (EUA e Europa) em detrimento
do Mercosul.
- A implementação de políticas
e redução de tarifas que protegem o mercado e as indústrias brasileiras.
- Forte ajuste fiscal
de longo prazo (justamente o que causou impopularidade no segundo período de
Dilma Rousseff), com o estabelecimento de um limite para as despesas de custeio
inferior ao crescimento do PIB e aumento do superávit primário.
QUE DECEPÇÃO! QUE
VERGONHA! QUE ORGULHO!
Tudo isso explica
porque, tendo saído arrasado da Esplanada dos Ministérios na noite de domingo,
17 de abril, amanheci com novo ânimo.
Não é fácil você
enfrentar uma ditadura a partir dos 16 anos, dedicar a sua adolescência à luta
para sua superação, passar pelo passei, ver o que vi, ouvir o que ouvi, saber
do que eu soube. Depois, manter-se na luta política após a redemocratização, agora
imaginando que poderia ver realizados alguns sonhos de mocidade. Ao menos o que
diziam os opositores da proposta do socialismo: o importante seria a igualdade
de oportunidades.
De repente, ver que
justamente a tentativa de fazer desse discurso uma realidade levou à revolta de
parcela substancial da sociedade, a ponto de atentar contra a democracia, de
lutar para depor uma presidenta da República licitamente eleita por mais de 54
milhões de eleitores.
Aproveitei a insônia
para confrontar a atitude irresponsável de deputados que alarmaram a imprensa
de todo o mundo, a ponto de o jornal irlandês Irish Times comentar que “na mais
importante sessão da legislatura nos últimos 25 anos, muitos de seus membros se
comportaram com o decoro de torcedores bêbados em um estádio de futebol”.
O que me fez acordar
com a força dos anos de luta da adolescência talvez esteja contido no que li,
depois, no próprio periódico irlandês, que obviamente comparou também as
atitudes dos diferentes deputados: “era difícil não simpatizar com os
apoiadores da presidente quando eles denunciavam a ‘farsa’ em curso”.
Um grupo enfrentava a
situação com toda a gravidade do momento, semelhante ao da morte de Getúlio
Vargas, naquele 24 de agosto de 1954. Eu quase tropeçava e dizia “naquele
distante 24 de agosto de 1954”... Afinal, a verdade é que o suicídio de Getúlio
não tem nada de distante. Como não o
tem a deposição de João Goulart, em 1º de abril de 1964.
Outro grupo participava
de uma comemoração. E muito provavelmente mexiam-se na lama em que estão
atolados sem perceber que se trata de areia movediça.
Não alardeando os
verdadeiros compromissos, os deputados do “eu voto SIM” permitem que
os eleitores, mesmo aqueles que marcharam pelo golpe, cientes ou não de que era
um golpe (agora decepcionados com tudo o que viram, “ao vivo e em cores”), alimentem
a crença na versão que circula amplamente por aí e se sustenta, por exemplo,
nas cínicas propostas dos deputados Osmar Serraglio (PMDB) e Paulinho da Força
(Solidariedade) de que Eduardo Cunha deve ser perdoado. Pacto que não nega, é
claro, os compromissos firmados com os financiadores da manobra.
O golpe nasceu de um
amplo pacto para isolar investigações de corrupção e punições ao âmbito do PT
e, no máximo, a empresários que tiveram relações amistosas com os governos que
liderou. O resto é melhor deixar como está para não “desorganizar” a política
brasileira.
Fernando Tolentino
Fiquei constrangido com aqueles discursos e a pobreza ideológica dos nossos parlamentares. Espero, confiante, que possamos renovar esse congresso e aprovar a tão sonhada Reforma Política.
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