Roberto Malvezzi
É duro ter que ler ou
assistir as reportagens da mídia sudestina sobre a seca do Nordeste. Só mesmo
pelos ossos do ofício.
De fato, a seca não
muda. Ela só se agrava, ainda mais com as mudanças climáticas. Afinal,
esse é o erro mortal de todas as reportagens: aqui não é a Mata Atlântica, a
Amazônia ou o Pantanal, mas é o Semiárido. Aqui seca é normal, seja a anual de
seis ou sete meses, seja essa mais severa que acontece em períodos mais prolongados,
já previstos pelos climatologistas.
Esse é o ABC do
Semiárido, que repetimos exaustivamente: “ninguém acaba com as secas, assim
como não se acaba com a neve. É preciso aprender a viver no ambiente que
estamos”.
A mídia sudestina é
mestra em confundir o fenômeno natural das secas com as tragédias sociais e
humanitárias que as acompanhavam até pouco tempo. Sem esse discernimento o erro
é fatal.
A caatinga é
inteligente, quando falta água ela adormece, não morre. Então, é preciso avisar
aos repórteres do Sul – e até daqui mesmo - que árvores secas e retorcidas aqui
são normais, não sinais de tragédia, muito menos a social e humanitária.
Algumas reportagens
dizem que nada mudou – ou quase nada - nessa região no último século. Estão
falando do ambiente natural ou das tragédias sociais e humanitárias?
Como nada mudou se já
não temos migrações em massa? Se já não temos mais saques de famélicos nas
cidades? Se já não precisamos das famigeradas frentes de emergência? Se a
mortalidade infantil que era de 120 por mil na seca de 1982 agora não passa de
16 por mil, encaixando-se no padrão aceito internacionalmente pela ONU?
Por que será que
Fortaleza precisou fazer campos de concentração de famélicos no século passado
e hoje ninguém sequer sabe que eles existiram? Exatamente porque seca e
desgraças humanitárias não são sinônimos.
Tânia Bacelar fez um
estudo e constatou que a região que mais cresceu no Brasil nos últimos anos,
que mais elevou seu IDH, foi justamente o meio rural do Semiárido. Foi preciso
pouco dinheiro, mas investido com inteligência e acuidade, obra da sociedade
civil (ASA), além dos programas sociais do governo federal e alguns estaduais.
Mas, Dilma, sem visão absolutamente nenhuma, como qualquer sudestina, cortou os
recursos dos programas da ASA que deram certo aqui nessa região.
As cisternas para
beber e produzir, algumas adutoras – tão necessárias! - a agroecologia, a
criação de pequenos animais adaptados ao clima, a apicultura, a expansão da
energia elétrica, da telefonia, da internet, das estradas, da motorização da
população, das faculdades, das tecnologias de convivência com o Semiárido, além
dos programas sociais, tudo contribuiu para mudar a face do Semiárido. Essa
seca é a pior de muitas décadas em termos de pluviosidade, entretanto, a tragédia
social e humanitária que as acompanhava já não existe mais, a não ser em casos
pontuais, não como fenômeno social.
Poderíamos e
deveríamos avançar muito mais, com a produção de energia solar descentralizada,
gerando renda para as famílias. Por que não podemos ser produtores de energia,
se temos 12 horas de sol por dia, durante 360 dias ao ano, se já temos as
tecnologias de conversão para despejar diretamente na rede nacional?
Sim, temos muito que
avançar. Mas, o caminho novo está aberto. É o que chamamos de “paradigma de
convivência com o Semiárido”. Basta aprofundar e investir nesse novo paradigma.
O Nordeste –
particularmente o Semiárido – mudou, e muito, e para melhor.
O que não muda é a
abordagem da mídia sudestina sobre o Nordeste.
Roberto Malvezzi (“Gogó”), nasceu em 1953, em Potirendaba, São
Paulo. Graduado em Estudos Sociais e em Filosofia pela Faculdade Salesiana de
Filosofia, Ciências e Letras de Lorena (SP) e Teologia pelo Instituto Teológico
de São Paulo.
Chegou ao
interior da Bahia em Janeiro de 1979, para atuar em comunidades rurais, em um
trabalho organizado pela paróquia de Campo Alegre de Lourdes, divisa entre
Bahia e Piauí.
Publicado
originalmente no blog http://www.robertomalvezzi.com.br,
em 3 de janeiro de 2015
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