Imagino como anda a sua
cabeça se você é bancário, professor, profissional de enfermagem, operário de
alguma indústria, empregado dos Correios.
São só alguns exemplos
de categorias organizadas, estruturadas, que levaram anos para constituírem os
seus sindicatos e se fazerem respeitar por seus patrões, conquistando alguns
direitos. Direitos que têm de confirmar anualmente, à custa de muita
mobilização.
Se prevalecer a vontade
da maioria dos deputados federais, tudo isso poderá estar simplesmente no chão
em não mais que alguns meses.
Mas não se enganem. Não
são apenas os direitos dessas categorias de trabalhadores, mas a de
praticamente todos, exceção para os trabalhadores já terceirizados, que
representam 26,8% da mão de obra registrada no Brasil. Não menos que 12,7
milhões.
Perguntem a essa gente
como que eles são obrigados a lidar com os seus 790 mil patrões, que faturam R$
536 bilhões anualmente com o trabalho deles.
Esses empresários estão
de olho em uma multiplicação escandalosa desse valor. Basta pensar nos bancários,
uma categoria que certamente já se sente diretamente ameaçada. E não escapam do
apetite deles os bancos estatais, sejam os estaduais que não foram engolidos
pela sanha privatista do neoliberalismo ou os ligados ao governo federal. Esses
provavelmente não teriam a mão de obra terceirizada no atual governo, mas há
sempre o risco de uma candidatura bem sucedida de partidos que votaram quase
unanimemente no PL nº 4.330.
QUEM PAGA É
QUE MANDA
Com financiamento
privado de campanha, não é fácil deputados e senadores votarem contra os
interesses dos empresários, que lhes exigem fidelidade canina. Por isso, o
número de votos favoráveis (324 contra 137 e duas abstenções) foi superior aos
3/5 necessários para a aprovação de uma emenda à Constituição.
Houve partidos que
deixaram esses financiadores orgulhosos dessa submissão, como o PV e (vejam que
coisa!) o Solidariedade, organizado em torno do deputado Paulinho, da Força
Sindical. Mas os grandes partidos conservadores não falharam nesse compromisso
contra os trabalhadores. PMDB, PSDB, DEM, PSD, PRB, PR e PTB mostraram que são
apenas poucas exceções que não se curvam ao poder econômico ou a ele estão
diretamente ligados.
Até o PSB, com tradição
de esquerda e decisão formal de sua direção contra o Projeto, ofereceu 20 dos
seus 30 votos. O caso do PDT certamente faria vomitar o seu fundador Leonel
Brizola: 13 (65%) dos seus deputados votaram pela aprovação. O PPS, hoje apenas
uma sublegenda do PSDB, teve papel humilhante para a maioria dos seus
fundadores, que reivindicava a herança do Partido Comunista fundado em 1922.
Mais de 72,7% de sua bancada votou contra os trabalhadores.
Somente o PT (61
deputados), o PCdoB (13), o PSOL (5), o PTC (2) e o PRTB (1) não deram um só
voto ao Projeto.
Aqui, vale uma
perguntinha talvez incômoda. O seu deputado lhe avisou que iria usar o seu voto
para fazer que praticamente todos os trabalhadores brasileiros sejam
terceirizados?
Se você votou em um
candidato por ser da sua igreja, ele lhe fez essa confidência? Pois a bancada
evangélica votou em peso a favor do Projeto. Se escolheu o seu candidato para
votar em “alguém da região”, mesmo sabendo que se trata de um grande proprietário
rural, saiba que a bancada ruralista não vacilou e apoio a proposta de forma
praticamente integral.
Se quer ver como votou
o seu deputado, abra essa conexão da revista Carta Capital
http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/terceirizacao-veja-como-votou-cada-deputado-158.html
O QUE PODE
ACONTECER AGORA
Com o Projeto já
aprovado na Câmara, falta a decisão do Senado. Já tramitava há dez anos, mas o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) parece achar insuficiente o seu poder sobre a
Câmara. Não estou falando de suas constantes mostras de querer dar ordens para
a presidenta Dilma. Enfureceu-se quando o senador Renan Calheiro, presidente do
Senado, previu que deverá ser discutido detidamente e não deve ser aprovado em
2015.
Aqui, vale lembrar que,
em 2018, o Senado terá duas cadeiras por Estado em disputa. Significa que dois
terços terão que pedir votos. E eles sabem que uma matéria como a terceirização
não tende a ser facilmente esquecida pelo eleitor. Por isso, Cunha quis logo a
votação, longe das próximas eleições.
Cunha disparou ameaças.
Lembrou que a última palavra é da Câmara, ou seja, ela pode ou não aceitar as
alterações feitas no Senado. E disse mais: que alguma demora do Projeto implicará
em tratamento equivalente quando chegar à Câmara uma matéria originária do
Senado.
Uma pequena pausa só
para lembrar, mais uma vez, como foi importante o seu voto para deputado. E,
então, já olhou a lista? Foi alguém que votou contra você.
Se e quando o Projeto
for aprovado pelo Senado, ainda será necessário que a presidenta Dilma o
sancione. Se o vetar, volta para que Câmara e Senado aceitem ou não o veto.
Mas, pelo tom ameaçador
de Eduardo Cunha ao se dirigir ao presidente da outra Casa do Congresso, dá pra
imaginar as pressões que Dilma sofrerá.
AS MUDANÇAS
QUE PODERÃO VIR
Uma coisa é certa. Será
muito tentadora para os empresários brasileiros a possibilidade de terceirizar
a mão de obra utilizada em seus negócios. Daí, o peso jogado na aprovação pela
Câmara.
(Só Paulinho da Força
não viu. Ou viu?!)
Não é nada, não é nada,
os dados mostram que os atuais empregados terceirizados ganham salários 24,7%
menores e têm uma jornada em média com três horas a mais.
Além disso, a
substituição desses trabalhadores praticamente não tem custo. Tanto que os
terceirizados trabalham 2,6 anos a menos.
Os dados também mostram
que eles sofrem mais acidentes. Em cada 10 acidentes de trabalho, nada menos de
8 são de terceirizados. Mas bem sabemos que está não é propriamente uma grande
preocupação para empresários. Preocupava mais durante a escravatura, quando a
mão de obra era uma propriedade e, portanto, os danos afetavam o valor do
patrimônio.
A grande novidade, que
faz brilhar os olhos dos ávidos empresários brasileiros, é que a mão de obra
deverá ser ainda mais barata. Voltando aos bancos. Ao substituírem os
bancários, os terceirizados não terão qualquer dos direitos adquiridos pelos
sindicatos deles. Serão representados, em futuras negociações, pelos sindicatos
da mesma categoria de seus empregadores, isto é, das empresas de terceirização.
E não é coisa pra
demorar. Os deputados financiados por empresários – e as bancadas que se
aliaram a eles – cuidaram de pôr uma cereja sobre o bolo na última hora.
Reduziu-se para um ano (antes eram dois) a chamada quarentena, tempo em que um
trabalhador poderá ser aproveitado como terceirizado após deixar seu emprego na
mesma empresa. Com salário menor ou alguém duvida?
MERCADO DE
TERCEIRIZAÇÃO DEVE EXPLODIR
A grande mudança do
possível (ou provável?) advento da terceirização indiscriminada é a abertura
das atividades-fim, embutida na definição de que alcança atividades inerentes,
acessórias ou complementares à atividade econômica de quem contrata os serviços
terceirizados.
A coisa é tão séria
que, embora a lei não se refira à administração pública, teme o Fenajufe (que
representa trabalhadores do Judiciário e do Ministério Público) que mesmo os
órgãos do governo federal, dos estaduais e dos municipais não estejam livres dessa
possível febre.
Claro que os concursos
públicos tendem simplesmente a desaparecer. Mesmo que a administração direta
não seja atingida, é bom que se diga. Muito da atividade-meio da administração
pública já está terceirizada. Além do que as mesmas forças que aprovam este
projeto – e demonstram recente robustez política – são as que advogam a
minimização do Estado.
Mas grande parte dos
concursos públicos na verdade não são voltados apenas para prover de pessoal a
administração direta. Os bancos públicos e inúmeras estatais são
constitucionalmente obrigadas a se valer de concursos para recrutar os seus
empregados. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 4.330/10 dá um autêntico balão
na Constituição.
EXPERIÊNCIA
NADA ALENTADORA
Há 12 anos administrando
um órgão do governo federal (Imprensa Nacional), tivemos mais de 20 contratos com
terceirização de diferentes serviços. São raros os casos de empresas em que a
relação acarreta problemas pequenos e pontuais.
O corriqueiro são
problemas graves, com prejuízos para o governo e, principalmente, os
trabalhadores. Isso porque temos os contratos sob intensa fiscalização, acompanhada
pessoalmente, além de uma atitude de busca da antevisão dos problemas, a partir
de contato intensivo com os empregados das empresas e troca constante de
informações com os seus sindicatos.
Não é raro o puro e
simples descumprimento contratual. Por isso, deixamos de renovar vários
contratos de empresas que deixaram de entregar materiais e sistematicamente
negam aos seus empregados direitos como o depósito tempestivo do FGTS e da
contribuição previdenciária, o pagamento de vales-transportes e tíquetes
refeição, os próprios salários e o 13º.
É claro que isso leva a
paralisações, a faltas e à insatisfação, que só não é generalizada porque, em
nosso caso, há a certeza dos trabalhadores que podem contar com o rigor e a
solidariedade da administração.
Como as empresas são
contratadas para períodos anuais, renováveis até o máximo de 60 meses, a
administração tem frequentemente que lidar com novas licitações. Ainda mais que
a Instituição foi várias vezes forçadas a determinar a interrupção dos
contratos e a realização de novos pregões.
Os pregões impõem
custos administrativos, exigindo um tempo considerável de atenção por parte de
equipes de pregoeiros, tramitação administrativa, análise jurídica. Quando se
realizam, raramente se esgotam em prazos razoáveis, passando por recursos
administrativos e frequentemente judiciais, até porque o retardamento do
processo proporciona lucros adicionais. Isso quando não exalam um forte cheiro
de combinação entre os concorrentes.
O mais perverso é
quando empresas desaparecem, às vezes sem que se possa fazer qualquer previsão de
que isso venha a ocorrer. Encontrei essa situação no dia em que assumi a
direção do Órgão. Uma empresa sumira e quase uma centena de trabalhadores
estava sem receber os salários de dezembro e janeiro, além do 13º, dos vales-transporte
e tíquetes-refeição. A situação voltou a se dar com pelo menos duas outras
empresas. Quando isso ocorre, só resta aos trabalhadores reclamarem seus
direitos na Justiça, em processos que se arrastam por anos.
Conseguimos evitar que
a situação se repetisse com pelo menos mais três contratadoras de mão de obra,
fazendo uma articulação com os sindicatos das categorias e o Ministério Público
do Trabalho. Mas isso não quer dizer que todas as demais tenham honrado sempre
os seus compromissos com os empregados. Mesmo empresas que não falharam durante
muitos anos surpreenderam seus empregados e a administração com súbito descumprimento
de obrigações trabalhistas ou previdenciárias.
O Projeto
recém-aprovado reserva uma experiência amarga também para os futuros
contratantes. Sempre que esses descumprimentos se derem, haverá um sério risco
de que caiam na suas costas as obrigações não quitadas. Segundo o Projeto, a
responsabilidade poderá ser transferida ao contratante quando a empresa contratada
não tiver patrimônio que permita honrar esses compromissos.
Não esqueça caso você
realmente esteja entre os que colocaram na Câmara deputados comprometidos com
interesses empresariais e que, agora, votam para acudir seus interesses, como
no caso do Projeto de Lei nº 4.330/10. Só muita mobilização popular pode conter
essa avalanche conservadora. E sua responsabilidade é no mínimo maior do que a
dos trabalhadores que perceberam o risco na hora de votar e hoje, ao menos,
podem se orgulhar dos seus deputados.
Fernando Tolentino
Olá Fernando, gostaria de agradecer pelo texto, pois até então a lei 4.330 que facilita a terceirização era algo que eu desconhecia, uma vez que os jornais e TV só publicam o que gera audiência, já o seu texto nada tendencioso me abriu os olhos me mostrou como ela realmente vai funcionar ou melhor iria funcionar, pois estou torcendo para que a mesma seja barrada no senado. Obrigada pelo esclarecimento.
ResponderExcluirComo todos os seus textos, muito exclarecedor. Que o povo tenha esse entendimento, do que realmente o trabalhador estará perdendo se aprovada for essa lei. E se preciso, que o povo se mobilize nas ruas, para defender a classe trabalhadora das garras desses traidores do povo. Que fique registrado o nome daqueles que optaram defender os interesses dos empresários. Parabéns amigo Fernando.
ResponderExcluirComo todos os seus textos, muito exclarecedor. Que o povo tenha esse entendimento, do que realmente o trabalhador estará perdendo se aprovada for essa lei. E se preciso, que o povo se mobilize nas ruas, para defender a classe trabalhadora das garras desses traidores do povo. Que fique registrado o nome daqueles que optaram defender os interesses dos empresários. Parabéns amigo Fernando.
ResponderExcluirMuito esclarecedor seu texto sobre a PL nº 4.330, sou contra e apoio sua luta. Mais uma vez o povo sendo manipulado.Tem que ser barrada...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAcredito na necessidade urgente dos concursos públicos, dando oportunidade a população de trabalho. Ainda existem órgãos do governo com uma gama enorme de serviços terceirizados. O exemplo deveria vir daí, da máquina governamental. Tania
ResponderExcluir