Eu devia ter uns 13
anos quando me encorajei e entreguei ao meu pai, Oldegar Franco Vieira, a minha
polpuda pasta de poemas juvenis. Queria que me desse uma opinião. Ansioso,
cobrei o parecer dois dias depois. Quando perguntei o que achou, disse apenas:
“Você precisa ler mais.”
Nunca mais falamos no
assunto. Embora até hoje, aos 67 anos, continue cometendo alguns poemas de uma
produção bissexta, eu nunca me aventurei a publicá-los. Vá que não tenha lido o
suficiente!
Depois de me assegurar
de uma formação que, aos olhos da época, garantiria o meu sustento (Administração Pública), tornei-me
também jornalista. Mas publicar poesia, nunca!
Pois Oldegar
aventurou-se na sua trajetória intelectual aos 17 anos, ao despertar o
interesse pela cultura japonesa com a leitura de "Missangas", de
Afrânio Peixoto. Enveredou-se pelo haicai, gênero de poesia tipicamente nipônico,
considerado nobre pela sutileza de suas mensagens de caráter reflexivo. Nos
idos de 1940, estimulado pelo próprio Afrânio Peixoto, publicou Folha de Chá,
tido como o primeiro livro brasileiro inteiramente de haicais, um gênero então ainda
pouco comum e que assombrava alguns autores. Ao concorrer a concurso da
Academia Brasileira de Letras, Cassiano Ricardo tratou a publicação como “pura
extravagância em face da sensibilidade brasileira”. Uma indelicadeza com
Guilherme de Almeida, que integrava o júri e já escrevia haicais.
No prefácio do livro,
Oldegar definia o haicai: “Eles são como a palheta que tange as cordas das
almas. Neles se dá a liberdade interior e pessoal de modular a nota inicial
segundo as inclinações sentimentais diversas.”
Já morando no Rio de
Janeiro, para onde migrou aos 22 anos, com o título de bacharel em Direito,
Oldegar lecionou no Senai, dando seguimento à longa carreira de magistério, que
iniciara no Colégio Estadual da Bahia (Central). Trabalhando no INEP (órgão
do Ministério de Educação e Cultura), o Prof. Lourenço Filho o
indicou para Diretor de Educação do então Território do Guaporé,
hoje Estado de Rondônia. Lá, implantou o movimento escoteiro e casou com a
minha mãe, enfermeira graduada no Rio e nascida na distante Florianópolis.
Oldegar completaria o
seu centenário nesta terça-feira, 28.
Ao voltar para a Bahia,
além de atuar como procurador, foi professor da Universidade Federal da Bahia e
da Escola de Estatística da Bahia, que fundou e dirigiu durante vários anos,
assim como da Escola Técnica M. A. Teixeira de Freitas. Criada a UFBA, o reitor
Edgard Rego Santos confiou-lhe importantes tarefas, dentre as quais a
organização da recém-fundada Escola de Administração.
Seu valor intelectual
não deixou de ser reconhecido, tornando-se membro da Academia de Letras da
Bahia, da Academia de Letras Jurídicas e da Academia Mater Salvatoris, além da
Associação Cultural Brasil-Japão (da qual hoje é o Presidente de Honra).
Oldegar é autor de
diversos ensaios de Direito, Educação e Geografia, entre outros temas. Desde a
juventude, colaborou com diversas publicações, especialmente jornais baianos e
cariocas. Publicou ainda Gravuras no Vento (haicais) e, recentemente, teve
poesias incluídas em coletânea de haicais organizada por Adriana Calcanhotto
(Haicai do Brasil, Editora Janeiro), no qual também é incluída sua irmã, Joanna
Angélica Vieira Ribeiro, que declara ter se tornado haicaísta como uma
homenagem a ele e hoje é uma poetisa apreciada.
Uma das obras mais
agraciadas de Oldegar Vieira foi justamente um ensaio sobre o haicai, que o credenciou a
ser convidado a receber, no Japão, a insígnia de Comendador da Ordem do
Tesouro Sagrado com Laço, outorgada pelo Imperador Akihito.
Fernando Tolentino
Rapaz, você já leu o suficiente para aventurar -se em uma publicação de poemas e poesias. Acho quvocê não questionou o professor Oldegar após os vinte anos. Certamente, lhe diria : " já leu muito mas é indispensável continuar lendo, por toda a vida.
ResponderExcluirRapaz, você já leu o suficiente para aventurar -se em uma publicação de poemas e poesias. Acho quvocê não questionou o professor Oldegar após os vinte anos. Certamente, lhe diria : " já leu muito mas é indispensável continuar lendo, por toda a vida.
ResponderExcluirNosso pai, Oldegar Franco Vieira era um homem de muita história e muitas estórias de tão interessante e envolvente personalidade que tinha. Você, Fernando fez uma belíssima sintese da vida e qualidades dele mas, se nos propuséssemos a nos aprofundar um pouco mais nos seus "causos peculiares" teriamos um material tão vasto quanto tempo dispuséssemos para vasculhar nossa memória. Como sabemos, tivemos, eu e Dora, o encargo de tê-lo próximo nos últimos anos. Por isso, presenciamos bem próximo os seus derradeiros anos, o apogeu da sua manifestação intelectual. Mesmo percebendo o fim se aproximar, cego e muito surdo, não deixou de exercer o trabalho que mais se me assemelhava; meditar sobre o presente e o passado, fazendo conexões para o futuro. Assim, mesmo no estado que se encontrava, vivia pedindo que anotássemos seus pensamentos reflexões, planos, ensaios e poemas. Deste modo, exerceu até seu último momento, sua missão de pensador e mestre, passando, como fizera, ainda jovem, com Tia Jane, também no período final, com meu sabrinho Iuri e sua mulher Gil, a arte do Haicai. Simultaneamente, dizia ter quase pronto em sua mente, um novo livro biográfico sobre seu grande amigo e preceptor intelectual Herbert Parente Fortes, além de estar planejando uma outra obra, cujo cujo conteúdo não teve como revelar. Meu pai, e meu herói trabalhou e produziu muito, até o seu fim.
ResponderExcluirPaulo Tolentino Vieira
28/05/2015
Oldegar era um personagem impressionante.
ResponderExcluirHomem de direita (integralista, mas dizendo rejeitar onazismo, até coerente com sua parcela de sangue judeu), ficou conhecido por enfrentar o temível capitão Etienne, quando ele pretendia prender Mário Celso, à porta de nossa Escola de Administração. E se limitou a nos dizer, quando nos visitavou na prisão, que fizera a sua parte em sua juventude.
Ainda crianças, vimos parar o carro e enfrentar dois homens corpulentos que lutavam, com peixeiras, na porta de um açougue. Fez acabar a briga, esgrimindo apenas sua carteira de procurador. Fernando.
Tive o privilégio de ser aluno do Mestre Oldegar, na Escola de Administração. Ainda tenho o privilégio de ser amigo dos seus filhos, Paulo e Fernando.
ResponderExcluirPlínio Ferreira - 28/04/2015
Uma história muito envolvente, você foi muito corajoso para idade que tinha, mas ainda poderia errar naquele momento, alias era seu pai o professor.
ResponderExcluirNão conheci o pai o Sr, Oldegar, mas conheço o filho Fernando Tolentino, uma grande amigo..
ExcluirBom, agora já sei de quem o Fernando herdou a inteligência, o carisma , a personalidade e a facilidade de lidar com as palavras. Parabéns a VC e a seu saudoso pai. Eu adoraria adquirir um exemplar dos seus poemas e poesias !!! Pense nisso.
ResponderExcluirBom, agora já sei de quem o Fernando herdou a inteligência, o carisma , a personalidade e a facilidade de lidar com as palavras. Parabéns a VC e a seu saudoso pai. Eu adoraria adquirir um exemplar dos seus poemas e poesias !!! Pense nisso.
ResponderExcluirBonita homenagem, Fernando. Sem dúvidas seu pai é motivo de orgulhos para vocês.Um grande abraço
ResponderExcluirGilka
Que base perfeita!
ResponderExcluirParabéns pela homenagem não digo que "provavelmente" foi um grande homem, afirmo seu pai foi um grande homem e certamente além de você formou pessoas inteligentes e com grande bagagem.
Que bela homenagem!!!! Que belo tambem ter convivido com alguem tao cheio de delicadezas.Isso explica muito de voce! <3
ResponderExcluirSaudoso tio Oldegar de tantos casos e histórias. Era muito amigo dos meus pais desde o tempo de Porto Velho e sempre que ia ao Rio nos visitava para nossa alegria. Ficamos mais próximos ainda quando fui morar no Japão, país que muito lhe interessava, inclusive estive com ele e tia Didi em Tóquio, quando estiveram por lá pela segunda (?) vez. Tenho seus livros, muitas fotos e muitas lembranças boas. Ele merece nossa homenagem e nosso carinho. ML
ResponderExcluirAgora entendi de onde vem tanta intelectualidade. Tal pai tal filho. Parabéns pela linda mensagem e homenagem ao seu pai. Um abraço.
ResponderExcluirGostaria eu ter lido o terço de suas leituras, hoje seria um.gênio não tão quanto o Senhor Oldegar, kkk Bela história. Aprendizado assim.até eu vou ler mais...kk
ResponderExcluirDr Tolentino, parabenizo o senhor pela sorte de poder ter uma enciclopédia centenária ambulante e forte, que ainda produz ensinamentos diários . Parabéns ao Dr°Oldegar e que esse livro ainda tenha muitas folhas em branco para serem preenchidas com sabedoria e saúde.
ResponderExcluirParabéns pela linda homenagem a seu pai, senhor Oldegar, que tinha um grandioso talento e caráter os quais, com certeza foram herdados por você. Com carinho, Vivian.
ResponderExcluirUm encanto de vida e uma riqueza incalculável de conhecimento e Cultura. Uma homenagem merecida de um grande herdeiro.Parabéns !!
ResponderExcluirMagnífica homenagem Fernando...De um homem culto para outro de imensa bagagem cultural inesquecível com o Dr.Oldegar. Grande abraço.Nina
ResponderExcluirMaravilhosa homenagem!
ResponderExcluirParabéns para você e para o seu pai pela vitoriosa trajetória.
Forte abraço, Cris
Agradeço cada comentário generoso e afetuoso comigo ou com meu pai.
ResponderExcluirRealmente tudo tem uma explicação: a sua personalidade, seu caráter, sua inteligência, sua cultura, o seu jeito de ser, tem a base forte na hereditariedade. Tenho certeza que se hoje, você publicasse algumas poesias suas, elas teriam a maior aceitação na nossa sociedade. A literatura é o sinônimo de Fernando Tolentino. Sou sua fã em tudo que você faz. Beijo, Tania
ResponderExcluirParabéns pela homenagem, querido amigo. Não tive o privilégio de conhecer o teu querido Pai mas, agora vejo de onde herdastes tanta sabedoria, honestidade e bravura! Continuar lendo e primordial, porém já tens bagagem para escrever. Penso que não somente o teu Pai mas, todos que te conhecem pensam assim. E, deverias escrever teus poemas para que muitas outras pessoas desfrutem do teu conhecimento! Grande abraço, Vanessa.
ResponderExcluirHoje descobri seu pai. Tenho 61 anos e aprendi a amar Haicai a muito pouco tempo. Sobre seu primeiro desabafo decorrente de um acontecimento aos 13 anos só posso citar uma frase: "Viver uma grande vida é realizar na idade adulta um ideal da juventude". Vigny. Portanto aventure-se deixe planar nas assas do acaso seus pensares e pesares. Oportunize esta conjunção de palavras a que se materializem no acaso e entenda que estar perto de pessoas acima da média muitas vezes é espinhoso. Compreenda e aventure-se. Sucesso
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