A maioria dos
brasileiros tem hoje mais um importante motivo para comemorar. E essa euforia,
vamos ver, está justamente nas bombásticas denúncias de corrupção na Petrobras.
Fechadas as urnas,
Dilma selou a sua vitória com um vigoroso discurso de conclamação à unidade
nacional.
Mostrava ali que havia
entendido claramente o recado das urnas. Obtivera uma vitória insofismável. “De
virada!” O que normalmente costuma ser motivo de comemoração especial do
torcedor brasileiro de futebol. Mas, a partir dali, quisessem ou não os
derrotados, era de novo a presidenta de todos os brasileiros.
Os oposicionistas haviam
estado à beira da comemoração. Em volta do candidato, preparados para ejacular
o grito de vitória, já estavam inclusive Fernando Henrique, ACM Neto, o
comunicador Hulk e o ex-atleta Ronaldo. Não era pra menos. Era esse clima que
propagava a mídia parceira. O portal UOL chegou a “esquecer” de tirar do ar a
manchete previamente preparada e flagrada por Luís Nassif. Todos confiavam
piamente que não haveria como o eleitorado brasileiro escapar do garrote vil
preparado pelo esforço concentrado de última hora pela mídia, a partir da manchete
jamais confirmada da Veja, que circulou com conveniente antecedência,
garantindo que Dilma e Lula foram praticamente cúmplices das malversações da
Petrobras, pois saberiam de tudo e nada teriam feito para evitar ou punir os responsáveis.
O tresloucado ex-candidato não conseguiu assimilar o “quase deu” e, como assinalou o professor Michel Zaidan, simplesmente não “acordou”. Ele e a grande mídia parceira, que falou de um Brasil dividido, uma divisão regional, em que Dilma seria a presidenta apenas de nordestinos e nortistas. Uma leitura absolutamente equivocada, forçada, para dar a ideia de que sua vitória se devesse à maior pobreza dos habitantes dessas regiões, politicamente menos conscientes e aliciados por programas sociais do governo. Errada, pois Dilma também teve a maioria no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Distorcida, já que a maioria dos beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais está em São Paulo. Manipulada, pois o resultado das duas regiões pode ser avaliado justamente pela satisfação com os resultados obtidos no Norte e no Nordeste em doze anos de lulodilmismo (Veja QUER MAIS CONSCIÊNCIA DO QUE TEM O NORDESTINO?)
A teoria da divisão
nacional tomou conta dos radicais e dos inconformados com a derrota da direita,
gerando manifestações inaceitáveis de ódio justamente de quem se enxerga como mais
consciente. Quem falava mais alto em nome do País passou a jurar que iria para
o Exterior. Não faltou quem propusesse até a eliminação física dos eleitores de
Dilma.
Esse ânimo doentio
rapidamente se transformou em uma proposta golpista e foi assumida pelo
candidato derrotado, arrastando o nome do PSDB para essa loucura. Ainda que boa
parte da grande mídia fizesse eco, o TSE não se curvou à tentativa de
recontagem dos votos e, mais adiante, o Supremo reconheceu a licitude das
contas de campanha de Dilma. As tentativas de mobilizar massas transformaram-se
em uma ridicularia, dezenas (raras vezes centenas) de manifestantes que sequer
tinham claro se defendiam Aécio ou o retorno da ditadura. O próprio Aécio
escondeu-se em uma praia catarinense para não se expor à situação, dividido
entre a zombaria e uma radicalização que não lhe renderia frutos pessoais.
De tão absurdo, o
alarido golpista não inflamou todo o PSDB. Os governadores eleitos – Alckmin
(SP) e Perillo (GO) à frente – trataram de aproximar-se da presidenta reeleita
e avançar em suas agendas de executivos estaduais. Entenderam claramente ue os
berros alucinados de Aécio e sua tentativa golpista como meramente cenográficos,
meros movimentos para se manter em evidência. Aécio tem claro que, ao baixar o
tom, será jantado por Alckmin e Serra, lideranças tucanas mais consistentes,
também interessadas em disputar as eleições de 2018. Serra galgando os
resultados de disputas presidenciais anteriores e a recente vitória para o
Senado, quando muitos já o tinham como uma carreira agonizante. Alckmin, com o
capital de sua própria reeleição no estado de maior eleitorado, o que ainda é
mais significativo diante da derrota de Aécio em Minas, tanto para presidente,
como na disputa de seu candidato a governador.
De fato, só Aécio e
seus fanáticos aliados das colunas jornalísticas escondem o vazio dos seus
números nas urnas. A poucos dias do primeiro turno, já era francamente
discutida a proposta de retirar a candidatura para engrossar a votação de
Marina Silva e evitar que Dilma liquidasse a parada de uma vez. Não fosse a
concentração absoluta do eleitorado conservador em torno de seu nome – com os
apoios de Marina, Fidélis e Everaldo – e a alarmante campanha dos grandes
veículos de comunicação, decerto sofreria uma derrota acachapante.
CORRUPÇÃO QUE VEM DE LONGE
Foi a antevisão desse
cenário quase jocoso que animou o discurso de unidade de Dilma no anúncio do
resultado eleitoral. A manifestação de quem assumia a liderança da Nação, que
democraticamente acabava de lhe ser entregue.
Não disse (e nem
precisava dizer, pois já o dissera enfaticamente na campanha) que o Brasil, sob
a sua determinada direção, continuaria perseguindo a corrupção e oferecendo
saídas para acabar com essa chaga, já entrevista na carta de Pero Vaz de
Caminha, descarada no patrimonialismo do período colonial, no Império e na Velha
República e presente em toda a história brasileira. A corrupção não teria
momento mais fértil para fincar as suas raízes e florescer que um longo período
ditatorial, com todas as armas do autoritarismo a lhe dar guarida, começando
pela censura e terminando pelo apoio entusiástico de quase a unanimidade da
mídia.
Parece incrível que os
novos arautos do combate à corrupção fechem os olhos a algumas evidências. De
quando vieram o poder e o enriquecimento de personagens como José Sarney, Paulo
Maluf, Antonio Carlos Magalhães e Henrique Eduardo Alves, para citar só alguns
casos? Quando surgiram fortunas como as dos brasilienses Luís Estêvão e Paulo
Octavio ou Fernando Collor?
A certeza de que Dilma
efetivaria o seu compromisso é o motivo da eufórica comemoração dos
brasileiros.
É verdade que os
governos de Lula e o primeiro de Dilma promoveram a retomada do desenvolvimento
nacional e uma forte mudança de viés, em que o crescimento deixou de ser
principalmente um instrumento de intensificação da concentração, para ser
justamente o contrário, um processo intensivo de superação da miséria e de
inclusão social.
Mas não foi só. Sabemos
bem a dificuldade que tiveram para fazer um Brasil mais republicano, no sentido
de que o Estado deixe de ser um patrimônio a serviço dos poderosos e se torne
efetivamente um ente público. Imaginemos os grandes obstáculos de Lula e Dilma.
E não estamos falando do país quebrado que foi entregue por Fernando Henrique.
Importante é analisar os óbices institucionais implantados em uma Constituinte
que se debatia entre o poder econômico, o patrimonialismo das velhas forças
políticas e a participação de lobistas corporativos muito bem organizados. O
contraponto, que conseguiu assegurar um legado benéfico, foi a participação
popular. Tímida, mas efetiva.
A resultante dessa
equação foi uma Constituição com forte acento parlamentarista, que buscaria
confirmar a intenção em um plebiscito marcado para abril de 1993. O mínimo admissível
era que, diante da vigorosa opção presidencialista dos brasileiros, o texto
constitucional fosse revisto. Qual nada! Ficamos com um regime híbrido:
presidencialista, para o Executivo; parlamentarista, na visão do Congresso. A
mais recente agudização dessa esquizofrenia foi a criação das emendas
impositivas, saída tipicamente corporativa dos parlamentares. Ao invés de extinguirem
as emendas parlamentares, veículos de inúmeros casos de corrupção, ou
instituídas emendas coletivas, impuseram mais um quesito de obediência para o
Poder Executivo.
É esse fortalecimento
corporativo do Congresso Nacional que força a ocupação de espaços
administrativos. Cargos almejados para transformarem-se em instrumentos de
reprodução das bancadas em futuras eleições Pela manipulação de políticas
públicas em favor de partidos e parlamentares. Mas prestando-se para a formação
de caixas de campanhas eleitorais.
Nunca é demais lembrar
que, passados 12 anos de liderança petista no Poder Executivo, ainda não há uma
só indicação para o Tribunal de Contas da União em que se possa identificar as
digitais do PT ou preferências políticas de Lula ou de Dilma. O mais próximo
disso foi a indicação da mãe de Eduardo Campos, então governador de Pernambuco.
Filha de Miguel Arraes, ela e a família tornaram-se amigos de Lula. A última
eleição distanciou PSB e PT, o que reduziu a zero a presença de ministros com
um mínimo de proximidade com o governo. Até a recente aposentadoria de Valmir
Campello, ele Aroldo Cedraz, José Múcio e José Jorge, todos egressos do PFL
(atual DEM), formavam praticamente uma “bancada”, quase a metade da composição da Casa.
ENFIM, UMA VERDADEIRA REPÚBLICA?
A verdade é que, apesar
de tudo isso, os governos liderados pelo PT já vinham realizando pouco a pouco
a promessa da candidata Dilma Rousseff de apurar todo e qualquer caso de
corrupção, “doa a quem doer”, enfaticamente seguindo-se a previsão: “Não
sobrará pedra sobre pedra”.
Tudo com que o
brasileiro comum sonhava, acostumado a ver o Estado como algo “deles” (os
poderosos) e a serviço deles.
A verdade é que a
sociedade já não suportava constatar que, no Brasil, prisão (ou mesmo punição)
é coisa, como se costuma dizer, para os três P: preto, pobre e puta. Com as
condenações da Ação Penas 470, surgiu o quarto P: petista.
Onde estará Fernando
Cavendish, da Delta Engenharia? E Carlinhos Cachoeira? E o ex-moralista
Demóstenes Torres? Luís Estêvão está passando uns dias preso, depois que seu
parceiro, o juiz Nicolau dos Santos Neto, até já deixou o presídio. No que
deram os casos Capemi, Delfim, o escândalo da Mandioca, o da Coroa-Brastel, só
pra citar alguns dos ocorridos durante a ditadura, quando pouco se podia saber
de maracutaias e outras trampolinagens? Deu alguma coisa para Mário Garnero, do
grupo Brasilinvest? E os escândalos mais recentes? A compra de votos por FHC, o
escândalo do Banestado, o caso Sivam? O empresário Daniel Dantas conquistou
dois habeas corpus sucessivos e
ninguém mais falou nisso. Por que é que não caminha a ação do Mensalão do PSDB
mineiro? Alguém pagou pelo escândalo da Caixa de Pandora, do DF? E o Trensalão,
envolvendo sucessivos governos tucanos de São Paulo e estendendo ao de José
Roberto Arruda no DF? Parecem ter voado pelos ares os casos recentíssimos do
helicóptero carregado de pasta base de cocaína, do aeroporto construído pelo
então governador Aécio Neves em terras de seu tio e do avião “sem dono” em que
morreram Eduardo Campos e seis acompanhantes. Há centenas de histórias perdidas
na memória de cada cidadão brasileiro, enquanto os presídios não suportam a
superlotação de pessoas humildes, de nomes desconhecidos, não raro sequer
submetidos a um processo legal aceitável.
Ao assumir, o então
presidente Lula deu uma efetiva estruturação à Controladoria Geral da União,
inclusive atribuindo-lhe nível ministerial. Os resultados são significativos. Foram
269 servidores demitidos por corrupção no primeiro ano de mandato. De 2003 a
outubro de 2013, contou-se 4.481 demissões, mas de uma por dia. No governo de
Dilma Rousseff, as demissões chegaram a quase dois mil.
Em 2006, era criado o
Portal da Transparência, onde qualquer brasileiro pode inteirar-se de qualquer
despesa pública. Tal acesso nem sempre tem uso adequado. Quando a grande mídia
quis desgastar o governo Lula a partir do uso de cartões corporativos, O Globo
noticiou que a Imprensa Nacional o teria usado para comprar moletons e bordados. Não adiantou esclarecer que a bandeira do Órgão não é
encontrada em lojas do ramo e que qualquer gráfico do próprio jornal diria que
chama de moleton a luva com que se cobre rolos das impressoras. A informação
não foi corrigida e não contamos mais, para responsabilizar-se pelo cartão, o
servidor que viu seu nome no jornal.
A Polícia Federal,
antes afastada do combate à corrupção, passou a apurar as denúncias com inteira
liberdade e os titulares da Procuradoria Geral da República foram escolhidos
entre os primeiros integrantes das listas encaminhadas ao governo. Isso
representou autonomia absoluta nas investigações, sendo notório o caso
específico das denúncias que resultaram na AP 470, envolvendo alguns dos nomes
mais importantes do próprio PT.
O aperfeiçoamento dos
mecanismos de controle do Estado e combate à corrupção seguiu ao longo dos três
governos liderados pelo PT. Em novembro de 2011, já com Dilma na Presidência,
foi aprovada a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527), uma das mais
modernas no mundo.
Quase dois anos depois,
veio a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846), que mudaria o conceito, até então
existente, de que os corruptores eram poupados e apenas os corrompidos eram
levados a julgamento e eventualmente pagavam por isso. É com base nela que se
encontram indiciados e presos 36 dirigentes das maiores empreiteiras do Brasil,
que agiam impunemente há décadas e são agora alcançados na chamada Operação
Lava-Jato. O jornalista Jânio de Freitas (Folha de São Paulo) questionou neste
domingo que não estão entre esses os cabeças dessas grandes empresas, mas
apenas executivos de alta patente e grandiosa remuneração, contratados
justamente para fazer esse tipo de serviço e livrar a cara de quem realmente
decide. Certo é que a porta está aberta, escancarada.
E a opinião pública se
deleita ao ver a inédita prisão e o indiciamento de nomes que só apareciam em
jornais quando cercados de elogios ou ao frequentarem eventos sociais.
O esforço de setores
hegemônicos da mídia para representar a situação de forma inversa impede que
boa parte da sociedade identifique a marca dos governos de Lula e Dilma nesses
resultados. Como se fossem iniciativas isoladas de um juiz íntimo dos círculos
tucanos do Paraná, e de delegados da Polícia Federal, vários deles flagrados na
recente campanha de Aécio Neves, inclusive com ataques desrespeitosos a Dilma.
Um e outros fazem vazamentos seletivos na delação premiada, sempre com vistas a
manter ilesos políticos do PSDB e responsabilizar petistas e políticos de
partidos da base aliada. O afã de atingi-los chegou ao cúmulo de envolver
criminosamente José Mário Cosenza, diretor da Petrobras sequer citado nos
depoimentos. Mas, o fato é que a Polícia Federal atua no caso com a
desenvoltura que jamais teve e o processo poderá ser exitoso em virtude dos
instrumentos atualmente disponíveis.
Diante dessa evolução
promovida no ciclo Lula-Dilma, nunca é demais lembrar que o propalado escândalo
da Petrobras decorreu em boa medida de uma iniciativa do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, ao propor que a empresa não fosse mais submetida à Lei de
Licitações (Lei nº 8.666).
Se esse não é o desejo
dessa parte da mídia e dos políticos oposicionistas, surgem avaliações
abalizadas, como a do empresário Ricardo Semler, por sinal filiado ao PSDB, no
recente artigo “Nunca se roubou tão pouco” (publicado na Folha de São Paulo). E
o mérito da luta pela instauração de um estado republicano e no combate à
corrupção é percebido por grande parte da população. Recente pesquisa da Datafolha
surpreendeu ao mostrar que credita à presidenta Dilma a responsabilidade pelo
combate à corrupção. Vai além. Sua aprovação mantém-se em alta e, contra quase todas
as conjecturas, cresce a simpatia pelo Partido dos Trabalhadores. Como
se não bastasse, o governo de Lula é registrado em todos os segmentos como o
melhor de todos os tempos. Por 64% dos entrevistados mais jovens e 46% dos mais velhos. A
avaliação se repete nas várias regiões e
níveis educacionais e de renda.
O tirocínio das massas
demonstra que percebeu onde está o cerne da corrupção. Enxergam como
responsáveis os financiadores de campanha, os que irrigam as contas de todos os
partidos, criando as condições para terem os políticos na coleira. Revela-se
que essa gente transforma em mero jogo de cena a política que aparece nas
páginas dos jornais, no rádio e na TV. O dinheiro sujo da campanha influi nas
decisões de executivos governamentais e de estatais, como no comportamento de
atores do Legislativo das mais diferenciadas cores partidárias. Até os que denunciam
tentativas de impedir as investigações e, ao fazê-lo, agora se sabe que estão
manietados por empresários, deles recebendo polpudas gorjetas, como teria sido
o caso do senador Sérgio Guerra, então presidente do PSDB, ao propor o
encerramento da primeira CPI da Petrobras, alegando que os governistas estariam
impedindo que fosse bem sucedida.
Um quadro que parece
paradoxal começa a se desenhar claramente para a sociedade. O que é mesmo que a
oposição denuncia? Empreiteiros injetam dinheiro em campanhas para, depois, se
beneficiarem nas relações com empresas estatais. Em outras palavras, os
políticos elegem-se com os votos populares, mas seu compromisso não é com os
eleitores, mas com quem viabiliza suas campanhas, os grandes financiadores. Mas
essa mesma oposição nega-se a aprovar regras que corrigiriam esse tráfico de
interesses, como o impedimento ao financiamento das campanhas pelas empresas
privadas.
Ou seja, falta completar
o ciclo iniciado por Lula e que vem se desenvolvendo com Dilma. Os próximos
passos, contra os quais se voltam raivosa e significativamente a oposição e a
grande mídia, são a reforma política, com a instituição do financiamento
público das campanhas, e a institucionalização dos mecanismos de participação
popular.
Fernando Tolentino
Lendo este texto veio-me a ideia de que o sujeito, preso na areia movediça da derrota, quanto mais remexe mais afunda.
ResponderExcluirExcelente texto! Completo, esclarecedor, bem alinhavado. Meu amigo, está na hora de aproveitar essas linhas traçadas aí e preparar para publicação um livro a ser lido, inclusive, nas aulas de História. Você tem já tem o roteiro, basta completá-lo com dados e documentos. Eu seria a primeira a divulgá-lo. Pense nisso.
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