Nos dois séculos
seguintes, foi a última decisão política do governo central em que a Bahia foi
colocada em situação de vanguarda com relação à educação.
Com uma área superior à
da França e a população superada pela da Holanda em pouco mais de um milhão de
habitantes, a Bahia contava apenas com a Universidade
Federal da Bahia, fundada em abril de 1946.
Relativa compensação só
se deu a partir de 2003, com a chegada de Lula à Presidência da República e sua
determinação de resgatar a dignidade do Nordeste, política que teve
continuidade com o governo de Dilma Rousseff.
Além da UFBA, a
população baiana tem hoje à disposição a Universidade
Federal do Sul da Bahia, a Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia, a Universidade
Federal do Oeste da Bahia e compartilha com piauienses e pernambucanos a Universidade Federal do Vale do São
Francisco. Vários campi levam essas instituições a
diversos municípios do Estado, enquanto outros contam com Institutos Federais
de Educação.
Não se trata de um
privilégio da Bahia ou uma discriminação com os estados que não integram o Nordeste.
Para dar outros exemplos, Minas Gerais tinha cinco universidades no início do
governo de Lula e atualmente conta com 11; o Rio de Janeiro tem quatro,
dobrando o número existente em 2003; São Paulo, que não tinha universidades federais,
hoje tem três.
O que pretendo deixar
claro com o exemplo baiano é que o Nordeste não precisa mais padecer de
complexo de inferioridade.
A mudança na política
que excluía a região dos frutos do desenvolvimento brasileiro não se resume à
questão da educação superior.
No período de 2002 a
2010, a participação do Nordeste no Produto Interno Bruto do Brasil teve um
crescimento de 0,5%, alcançando 13,5% do total. Esse crescimento só foi
superado pelo Norte, que passou a ter 0,6% da Renda Nacional. O Produto Bruto
do Nordeste saltou de R$ 191,5 bilhões para R$ 507,5 bilhões. Não é pouco. Isso
significa que a sua taxa média anual de crescimento do PIB per capita foi de 3,12% nesse
período. A do Brasil alcançou 2,22%, enquanto o Sudeste ficou em 1,81%.
Durante a campanha,
tive contato com inúmeros brasilienses que vieram de lá ou vão ao Nordeste,
especialmente para visitar familiares. Os depoimentos são bastante
significativos.
De vários, ouço que a
família não tinha acesso a energia elétrica ou água em casa. De alguns, já
colho testemunhos do atendimento à saúde agora disponível nas pequenas e médias
cidades do interior. Fico sabendo que o jegue deixou de ser um meio de
transporte e de tração ao ser substituído por motocicletas ou carros, não
faltando quem se queixe de que os animais, sem serventia, tornaram-se perigosos
às margens das rodovias.
Há quem relate
importantes sinais de mudança na economia do interior nordestino. A Bolsa
Família deu um novo impulso ao comércio das pequenas cidades, surgindo
inclusive algo que era raro em milhares de municípios: o emprego com carteira
assinada. As economias das cidades médias foram beneficiadas com os novos
estabelecimentos de educação, inclusive de nível superior. Ouvi relatos de que
a presença de professores universitários impôs novos padrões de consumo e
níveis de serviço.
Uma colega de trabalho
conta que tirou férias e foi descansar com a mãe no interior do Ceará.
Aproveitou o dinheiro extra e comprou um celular mais sofisticado, repassando o
seu para a filha. “Pois o meu era o pior celular da cidade e muitos tinham mais
de um aparelho”, garantiu.
Achei ainda mais
revelador o relato de outro colega. Ele e amigos que vieram de sua cidade no
sul do Piauí a frequentam sistematicamente, na festa da Divina Pastora
(padroeira da cidade), nas férias e até para votar. O grupo reunia sempre as
roupas usadas e levavam para os parentes. Há alguns anos, ouviram a reclamação:
“Nós podemos comprar roupas!” Passaram a deixar as roupas na Igreja, que as
vende em bazares que organiza regularmente. O depoimento mostra o brio do povo
da Região e desmente quem alega, por exemplo, que os nordestinos fazem da Bolsa
Família um meio de vida.
É SÓ VISITAR
A REGIÃO
Fechadas as urnas, saí
de férias e resolvi fazer o que chamei de giro
comemorativo. Estimulei amigos (alguns virtuais) a nos encontrarmos quando
passassem por suas cidades e comemorarmos, juntos, a vitória de Dilma.
Confesso que não
consegui sucesso com os amigos virtuais de Goiânia, que alegaram compromissos
diferentes no fim de semana em que passei por lá, alguns inclusive fora da
cidade. Fui a Uberlândia (MG), onde confraternizei com Denise Silva Arantes. Passeamos
pela Feira da Gente, onde almoçamos,
e papeamos como se aquilo representasse meses e não nos conhecêssemos até então
apenas pelo facebook. Depois, ela me
apresentou a familiares e peguei a estrada para Jataí, em Goiás.
Jantei em Jataí com
velhos amigos do tempo em que viviam em Brasília: Lena, Thainá Helena e Thaís
Helena, Hildene, Henrique e Giovani. Participaram também vários amigos deles,
que ali agitaram a campanha de Dilma. Por nos vermos e por poder comemorar
aquela vitória, o clima foi de enorme euforia, do que não escaparam sequer as
crianças.
De volta a Brasília,
segui para Salvador, onde mora uma banda de minha família. Curti rever filhos, a
mãe deles, netos, genro, meu irmão e minha cunhada, minha tia Janinha e amigos.
Fiz questão de agradecer enfaticamente o resultado de Dilma na Bahia e a
vitória de Rui Costa (PT) para dar continuidade ao trabalho de Jacques Wagner.
É claro que houve quem não votasse nos candidatos do PT, mas isso é outra
história.
Fiz o retorno de carro
e vivi a oportunidade de confirmar o que me contam euforicamente os nordestinos
de Brasília.
Vim sem pressa,
cuidando da segurança e saboreando cada quilômetro. Dormi a primeira noite em
Lençóis, com direito a uma cerveja na praça, para relaxar, e uma breve
caminhada pela manhã. Como chegara tarde e não os encontrei acordados, visitei um
primo e sua mulher, que têm, na cidade, a Pousada Raio de Sol (olhe o comercial
aí, gente!). O suficiente para notar, no passeio, a presença do campus avançado da Universidade
Estadual de Feira de Santana e ouvir de meu primo a influência desse tipo de
estrutura na economia local, evitando que as famílias tenham de sustentar os
filhos enquanto estudam em outras cidades.
A partir daí, foi uma
sucessão de sinais da presença do governo, no geral ações articuladas do Estado
e federal.
Na estrada entre Lençóis
e Ibotirama – passando por Seabra e Oliveira dos Brejinhos – pude ver diversos
ônibus escolares, dos que já me falavam os nordestinos de Brasília, explicando
que não é apenas para garantir o Bolsa Família que as crianças permanecem estudando,
mas principalmente por não ter mais de enfrentar uma caminhada de não raro mais
de uma légua entre a casa e a escola.
O mais enfático estaria
por vir, especialmente na estrada estadual que liga Ibotirama e Bom Jesus da
Lapa. A região é visivelmente seca e as casas, que não são mais de taipa (de sopapo,
como se diz na Bahia), mas de alvenaria, tinham ao lado grandes reservatórios
ligados às calhas, para captação de água de chuva. A uniformidade deles despertou minha
curiosidade. Parei para me informar e tomei conhecimento de que se trata de um
programa da Codevasf – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.
Pouco adiante, já no
município de Paratinga, vi que as casas eram também rigorosamente iguais, a
maior parte em fase de construção, e com distância regular entre elas. Entrei
em uma dessas pequenas propriedades e interrompi o plantio de milho do Senhor
Bento para entrevistá-lo. Trata-se do Assentamento Jovita Rosa. O nome é uma
homenagem à líder daqueles sem-terra, finalmente assentados, após quase vinte
anos de luta. Alguns quilômetros adiante, encontro o Assentamento Santo
Antônio, mais antigo, já produzindo e com algum gado. Ali, a Codevasf mantém um
programa de abastecimento e distribuição de água.
Não foi preciso esperar
muito para ser surpreendido por uma nova placa, indicativa de uma pequena obra:
a reforma da Unidade de Saúde da Família de Lagoa Dantas. São obras de pequeno
porte, mas representando a prestação de serviços a uma população certamente acostumada
a viver desassistida de qualquer serviço público. Se já se podia ver que a USF
de Lagoa Dantas estava praticamente concluída, encontro pouco depois uma obra
em fase intermediária: é a construção da Unidade Básica de Saúde do
Entroncamento do Porto Novo.
Antes de chegar a Bom
Jesus da Lapa, ainda passaria pelas instalações locais da Codevasf, onde a pluralidade
de placas dá uma perfeita ideia da quantidade de ações desenvolvidas na área.
À saída de Bom Jesus da
Lapa, nova surpresa. É a presença do vistoso campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
contrastando com a paisagem seca da região. Significa oportunidade de formação
em nível superior para jovens que, como disse meu primo em Lençóis, já não
precisam procurá-la na capital ou em cidades maiores do interior baiano.
Era como se a presença estatal
desfilasse à minha frente enquanto eu percorria centenas de quilômetros pelo
sertão baiano.
NORDESTINO
VALORIZA O QUE NÃO TINHA
Compreendi: para quem
mora em uma grande cidade, essas e outras realizações certamente também estão
bem ali, mas não são vistas, cobertas pela multiplicidade de informações que
nos atraem a atenção simultaneamente. Além do que, em alguns casos, não
representa grande novidade, pois os seus moradores estão acostumados a dispor
de alguma atenção pública.
Passada a eleição, vimos
uma enxurrada de mensagens preconceituosas, voltadas contra os brasileiros do
Norte e do Nordeste, que decidiram garantir a continuidade dessa política de
inclusão social e desconcentração regional dos frutos do desenvolvimento. Para
isso, juntaram-se à maioria dos cariocas, fluminenses e mineiros que tiveram a
mesma convicção, assim como milhões de eleitores do Sul, do Sudeste e Centro-Oeste.
Inconformados com o
resultado das urnas, as mensagens taxavam os nordestinos de “burros”,
inconscientes, incapazes de fazer uma escolha eleitoral adequada. Pude
constatar que a ação do governo federal não é focada no Nordeste (ou no Norte),
mas apenas estende a tais regiões benefícios que, antes, eram restritos a
outros brasileiros. Tanto que vi a BR 116 sendo duplicada na saída de Feira de
Santana, mais testemunhei as obras de duplicação já em fase final na BR 060, no
trecho entre Jataí e Goiânia. Ou sendo implementadas na BR 050, entre
Cristalina e Uberlândia. Mas, conhecendo razoavelmente bem o interior de vários
estados do Nordeste e, particularmente, essa região, que já percorri diversas
vezes, posso atestar que a presença do Estado é, aí, uma novidade. Basta
lembrar, há não muitos anos, quantas vezes passei por longos trechos de
estradas em que os motoristas jogavam moedas para pessoas que cobriam com terra
os inúmeros buracos.
Cheguei a Brasília me
perguntando: serão mesmo tolos os nordestinos que votaram pela continuidade
dessa nova política? E o que dizer de nordestinos que votaram para
interrompê-la, devolvendo a região em que vivem a grupos políticos que a
mantiveram segregada ao longo de séculos?
Fernando
Tolentino
DICAS DE ESTRADAS NOS TRECHOS QUE
PERCORRI DURANTE AS FÉRIAS
Fiz 3 mil quilômetros
de estradas nas férias em um giro comemorativo.
Aproveito para repassar
as dicas desse roteiro, que podem ser interessantes para muitos amigos e
leitores do Blog de Tolentino que devem
usar algumas dessas estradas nas próximas férias, daqui a não mais que uns dias.
O giro teve duas fases.
A primeira compreendeu Brasília – Uberlândia (MG) – Jataí (GO) – Brasília. A
segunda se deu no trecho Salvador – Brasília. Usei avião na ida para Salvador.
Brasília
– Uberlândia (MG): BR 040 e BR 050
423 km – Tráfego
extremamente intenso entre Brasília e Luziânia e ainda intenso até Cristalina,
onde há troca de rodovia. Esse trecho tem uma alternativa (que não usei), a
rodovia estadual GO 436 (Goiás Verde), em excelente estado de pavimentação e
com pouco tráfego, o que compensa o excedente em distância, a que se pode ter
acesso pela saída para Unaí próxima ao bairro Tororó (BR 251) ou pouco depois
de Luziânia, pela rodovia GO 010. Há obras de duplicação entre Cristalina e
Araguari. A viagem volta a ter maior intensidade de tráfego entre Araguari e Uberlândia. Mas a estrada está
duplicada a partir da Ponte Estelita, junto a Araguari. A rodovia entre
Cristalina e Uberlândia está em bom estado e tem boa sinalização.
Uberlândia
– Jataí (GO): BR 365 e BR 060
426 km – Tráfego intenso
na saída de Uberlândia e nas proximidades de Rio Verde. A rodovia tem bom estado
e boa sinalização, salvo em pequenos trechos e na passagem pela BR 364 (em que
há sinalização para Itaipava), quando o motorista pode ser induzido a erro e
entrar na estrada errada.
Jataí
– Brasília: BR 060
527 km – Rodovia em
fase final de duplicação no trecho entre Rio Verde e Goiânia, o que acarreta
trânsito pesado, que se torna muito ainda mais intenso nas proximidades de
Goiânia. Esse tráfego se repete nas proximidades de Brasília. A maior parte da
rodovia utilizada tem sinalização perfeita. Há poucos postos de abastecimento (ou
locais para lanches e outras atenções pessoais) entre Jataí e Goiânia.
Salvador
– Brasília:
Trecho
Salvador – Feira de Santana:
BR 324
105 km – Rodovia
totalmente duplicada, com dois pedágios (R$ 1,30 para carros pequenos), piso e
sinalização em bom estado e tráfego muito intenso em todo o percurso, mas fluxo
em boa velocidade. Sofri longa parada por conta de um acidente à frente.
Trecho
Feira de Santana – Ibotirama:
BR 116 e BR 242
538 km – Obras de
duplicação na BR 116, com construção de viadutos e retornos que tornam a saída
de Feira de Santana extremamente tumultuada e demorada. O asfalto do trecho da BR 116 até a entrada para a BR 242
está em bom estado. Pessoas que utilizam frequentemente as estradas da região
sugerem que se dê preferência à Estrada
do Feijão (primeira saída da BR 116, com indicação para Irecê),
utilizando-a até Ipirá, de onde se pode seguir para Lençóis e retomar a BR 242.
Esta rodovia tem piso em bom estado, mas maior volume de tráfego (inclusive de
caminhões), sinalização desgastada e alguns trechos com muitas curvas no início
da Chapada Diamantina. Com o uso da alternativa, evita-se também quase todo o
percurso que seria utilizado na BR 116 e os 15 km excedentes podem ser
compensados. Poucas opções de postos de abastecimento ou paradas para lanches e
atenções pessoais na BR 242.
Trecho
Ibotirama – Bom Jesus da Lapa:
BA 160
141 km – Rodovia
estadual, um pouco mais estreita, mas com asfalto em bom estado e sinalização
adequada. Poucas opções de postos de abastecimento ou paradas para lanches e
atenções pessoais.
Trecho
Bom Jesus da Lapa – Brasília:
BR 324 e BR 020
670 km – Há desgaste de
vários trechos, com eventuais buracos entre Bom Jesus da Lapa e o entroncamento
das duas rodovias e alguns poucos trechos com o asfalto sofrendo desníveis daí
até Formosa. Entre Formosa e Brasília (100 km), a rodovia é inteiramente
duplicada, mas recebe obras de recapeamento até Planaltina, já no Distrito
Federal.
adorei. me emocionei. lindo.
ResponderExcluirExcelente artigo, pelo olhar de quem mesmo de férias, teve a sensibilidade de perceber o crescimento do estado da Bahia, terra onde viveu mtos anos e tem suas raízes por aqui fincadas. As dicas das estradas servirão para quem por lá for passar por enquanto, pois aposto na melhora dessas rodovias. O nordestino tem além de consciência, força e garra para conseguir seus objetivos. Parabéns pelo artigo!!!!
ResponderExcluirExcelente matéria, parabéns.
ResponderExcluirGrande Fernando.. Parabéns amigo, a matéria ficou ótima, simplesmente magnifica..Trabalho de um profissional que ama o que faz..
ResponderExcluirEu também gostei desta matéria, pois ela é muito sensata e real, principalmente, quando fala do Nordeste que, hoje, ele não "padece de complexo de inferioridade". Isto quer dizer que estamos no mesmo nível.
ResponderExcluirO PIB, esse me envaideceu e tive orgulho, onde ele é maior do que o do Brasil e o do Sudeste.Fiquei eufórico de alegria e de satisfação. Parabéns!
Agradeço cada comentário.
ResponderExcluirEmbora entendendo que era isso o que queria dizer Francisco Valderi, vale a pena esclarecer: não é o Produto Interno que é maior do que o do Sudeste (pelo menos ainda não é), mas a taxa de crescimento do Produto.
Minha ancestralidade baiana se emociona diante da beleza e da grandeza de cada letra desenhada nesta belissima matéria. Ela é rica de detalhes desse jornalista, brasileiro e um militante determinado em demonstrar os avanços que acobteceram nesses últimos 12 anos. Parabéns.
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