O Brasil ainda tem
muitos jornalistas do tempo em que os jornais se firmavam por sua
credibilidade. Um negócio como o de banco: ao se trincar a confiança do
público, é claramente colocada a iminência de extinção da empresa. Afinal, para
que comprar informação se ela pode não ser verdadeira? Pior do que isso só se a
notícia falsa for fruto de uma decisão editorial. É uma realidade do tempo em
que a atividade jornalística era concorrencial, cada veículo buscando ser mais
fidedigno.
Hoje, vemos jornais
expostos em uma banca e temos a impressão de que foram editados conjuntamente.
As mesmas manchetes e com destaque equivalente. O que dizer quando são matérias
mentirosas?
Foi o que se deu nesta
semana. Não quer dizer que a verdade estivesse com grande prestígio antes. Mas,
agora, chegou a ser hilário.
A Folha publicou no
domingo o que seriam os dados de pesquisa realizada por instituto vinculado à
mesma empresa, o Datafolha. As gargalhadas com a repercussão levaram o
instituto e o jornal a baterem cabeça, o Datafolha desmentindo a principal
manchete, que deu o presidente provisório como um caso único no mundo, capaz de
inverter expectativas negativas e fortes decepções, erguendo-se à condição de
um líder de primeira grandeza em alguns dias sem que nada demonstrasse justificá-lo.
Alguém é capaz de
imaginar que os pesquisadores da Datafolha só haviam entrevistado
frequentadores de bares, em plena madrugada, quando o nível etílico já retirava
qualquer traço de lucidez e coerência nas respostas.
Maldade?!
Como explicar? Só 8%
queriam Temer como presidente definitivo em 25 de abril (Ibope), enquanto 60% preferiam
que ele renunciasse após o “impeachment” de Dilma Rousseff. Antes de se
completarem três meses de exercício provisório, metade do Brasil se ergue para
reivindicar que ele não saia mais do cargo! Esse foi o inacreditável teor da
manchete. Assim, sem nem ficar com a face corada.
Seria preciso crer no
entusiasmo dos brasileiros com o anúncio da equipe ministerial: nenhum negro,
nenhuma mulher, nenhum trabalhador; uma grande quantidade de políticos
envolvidos em processos judiciais e inquéritos policiais; foi preciso afastar quatro
em alguns dias de governo provisório; vários nomes de pessoas extremamente
próximas de Eduardo Cunha. Ou talvez a sociedade tenha ficado extasiada com a
possibilidade de só poder se aposentar aos 75 anos, com a perspectiva de ver o
salário mínimo perder a garantia de compensação no mínimo da inflação e, com
ele, o piso das aposentadorias.
É possível que a
felicidade tenha se disseminado entre todos diante de decisões como não se
realizar mais concursos ou congelar salários de servidores. Ou a enorme alegria
por ver que a Petrobras perde o direito à exploração do Pré-Sal. E também a
perda de garantia em um piso de despesas orçamentárias com saúde e educação.
Para citar apenas algumas perversidades.
Ou ainda seriam os
saltos nos preços do feijão, da carne, do arroz?
Teriam sido simpáticas
à população notícias como o reajuste com média acima de 40% para juízes e
servidores do Judiciário? Você acha? Ou uma alavancada de R$ 50 bilhões no
déficit da União. Por último, a expansão dos financiamentos da Caixa Econômica
para imóveis com valor de até R$ 3 milhões. Mas há quem alegue uma queda
razoável no valor do dólar, permitindo melhores hotéis nas viagens para a
Orlando...
De fato, a única
explicação para tão alarmante deslize é a mal disfarçada tentativa de influir
no ânimo de senadores que, daqui a alguns dias, vão decidir se consolidam a
rasteira de Michel Temer em Dilma ou o devolvem ao merecido ostracismo.
Muito significativo foi
o fato de os grandes órgãos nacionais de comunicação, além de pelo menos os
maiores títulos jornalísticos de pelo menos todas as capitais abrirem as suas
edições com a comemoração do assombroso feito: a metade dos brasileiros havia repentinamente
se convertido em fervorosos temeristas (ou temerários, sei lá!), querendo que
se mantenha no poder para o qual não foi eleito até o final do mandato de
Dilma.
Ficou muito feio.
Jornalistas brasileiros e estrangeiros que não estão sob controle desses meios
apontaram o absurdo, nem sequer evitando o uso da palavra fraude.
Quem primeiro acusou o
golpe foi a própria Datafolha. Luciana Schong, do instituto, disse que
"qualquer análise desses dados que alegue que 50% dos brasileiros querem
Temer como presidente seriam imprecisos, sem a informação de que as opções de
resposta estavam limitadas a apenas duas." E entregou a Folha como
responsável pelas perguntas a serem feitas aos entrevistados.
Na quinta-feira, a
própria Folha assumiu timidamente o erro, com a alegação de que noticiou o que
considerou mais jornalístico. Como se não percebesse que incorria em notável
manipulação da opinião pública.
Era imperioso abafar a “barriga”.
Nada como uma grande
manchete para jogar areia em cima do mal feito.
Os
terroristas segundo Zé Simão
Imaginem! Faltando só
15 dias para o início das Olimpíadas do Rio de Janeiro, a Polícia Federal “desbaratou”
um grupo de terroristas ligados ao EI, que planejava realizar um atentado
durante os jogos. Chegara a hora de os serviços de segurança do “governo Temer”
mostrarem a sua superioridade diante do mundo.
Que se curve a França,
incapaz de conter esse tipo de barbárie, como ficou claro no massacre
do Charlie Hebdo em janeiro de 2015 ou em Nice, neste mês. Ou a Bélgica, em
março passado. Ou os Estados Unidos, com todo o seu poderio, vítima de terrível
episódio em uma casa noturna de Orlando há pouco mais de um mês.
Tive que rir, lembrando
uma piada do tempo de regime militar, em que venceria o serviço de segurança que
mais rapidamente capturasse um coelho em um matagal. Teria vencido a nossa PF.
Em 10 minutos, o agente saiu do mato com um gato que repetia seguidamente: “Eu
sou um coelho”...
O
terrorismo acabou virando piada na internet
Foi chocante como a
prisão dos “terroristas” ocupou todas as manchetes de meios de comunicação (e
aí permaneceu), em que foi tratada como se seriedade tivesse. Mesmo que,
detalhe por detalhe, fosse ficando claro que, se não era apenas mais uma
trapalhada, mal escondia a tentativa de se ganhar notoriedade internacional com
uma ação policial sobre o que talvez não fosse muito mais do que uma
brincadeira de rapazes irresponsáveis, buscando notoriedade em redes sociais.
O próprio ministro da
Defesa despiu a versão do colega da Justiça: são “amadores”. Adiante, viria a
evidência de que os rapazes sequer se conheciam. Embora houvesse dois entre os
dez com passado criminal (nada vinculado a terrorismo ou ação política de
qualquer espécie), os demais não podiam ser identificados como perigosos. Entre
eles, um mero criador de galinhas. No máximo, podem ser “acusados” de
simpatizantes do Estado Islâmico. É digno de nota que, a duas semanas dos jogos
contra os quais atentariam, ainda falavam em comprar armas no Paraguai e fazer
cursos de artes marciais!
Aproveitando elementos de
vários conceitos, terrorismo é a prática de violência física ou psicológica com
a finalidade de impor a vontade política de um grupo (ou governo) sobre amplos
setores da sociedade, exercido com o objetivo de apropriar-se do poder ou
mantê-lo sob o seu controle.
Se o conceito é
adequado, a acusação de terrorista cabe mais em outros atores desse episódio
que propriamente sobre os dez brasileiros “suspeitos de simpatizarem com o EI”.
Fernando Tolentino
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