Daniel
Seidel
Retornando
a terras brasileiras, antes que se completasse 24 horas do encontro vivido
entre lutadores sociais dos movimentos populares da América Latina e Caribe com
o querido irmão Papa Francisco, escrevo para ainda compartilhar o hálito fresco
das palavras de esperança que nosso pai na fé nos transmitiu naquele momento.
Após a
apresentação das conclusões do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares por
Terra, Teto e Trabalho, realizado de 7 a 9 de julho de 2015 na cidade de Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia; tivemos uma longa partilha do modo de gestão pública
do presidente indígena Evo Morales e em seguida os ensinamentos de nosso
Papa-pastor.
Assim
começou Francisco “Não se apequenem: a solução para os grandes problemas do
mundo vem dos mais pobres e excluídos do sistema, quando se organizam e
encontram formas criativas de transformar o que não tem valor (o que é
descartável para o sistema dominante) em riqueza, vejam os catadores... “
Fez em
seguida uma série de afirmações acerca da difícil situação mundial, convidando
as pessoas de boa vontade a o acompanharem, da seguinte forma: “Se estamos de
acordo que o Planeta não tem como manter sua existência com a atual forma de
explorarmos os bens naturais, e que está gerando morte e danos irreversíveis,
então temos que buscar um câmbio profundo (uma profunda mudança)” E ao final
novamente perguntava: “Estamos de acordo com essa premissa?”. E assim, de forma
dialogada, desnudava e denunciava amorosamente o caos da situação mundial que
não consegue sonhar com a inclusão e acesso de todas as pessoas do planeta aos
bens e serviços conquistados.
E ele
seguiu “tenho ouvido ultimamente e, principalmente aqui em Bolívia, falar de
‘processo de mudança ...’ prefiro esta expressão à apenas a palavra ‘mudança’
(‘câmbio’, em castelhano). Isto porque ‘processo de mudança’ implica em
preparar a terra, semear, regar, capinar e colher... significa ‘cuidado com a
Casa Comum’. “
“São das
periferias esquecidas do Planeta (como Bolívia, ele não disse, mas diria eu...)
é que vão se construir as alternativas humanas para os problemas do mundo
inteiro, tarde ou cedo...”
“Sejam
criativos... se dediquem ao que está mais próximo de vocês: construam a partir
das necessidades concretas das pessoas e das comunidades. Façam resistência
ativa ao Sistema, em lutas concretas! Trabalhem no que está próximo, mas com
perspectiva ampla, global.”
“Peço a
vocês que promovam a Cultura do Encontro. Ninguém ama ideias... amamos pessoas
concretas. Se pode amar e se sensibilizar com pessoas com rostos específicos.
Somos todos interdependentes, mas não se pode utilizar essa dependência mútua
para subordinar ou submeter pessoas e povos.”
“Vocês
dos movimentos populares são poetas sociais: criam condições de vida (recriando
a terra e a vida); são criadores de novas formas de trabalho. São criadores de
novas moradias.”
“Onde há
governos comprometidos e em diálogo com os movimentos populares; estes podem (e
devem!) respeitando o princípio da subsidiariedade melhorar os processos de
trabalho criados, garantindo os direitos sociais aos setores da economia
solidária. A isso chamo de colaboração respeitosa com os movimentos populares.
Assim, os governos podem apoiar iniciativas solidárias, tais como empresas
recuperadas pela autogestão dos trabalhadores; cooperativa de catadores e
experiências concretas de economia solidária.”
“Nesta
missão não se esqueçam de Maria, tão amada pelos povos latino-americanos e
caribenhos, que também soube transformar seu ambiente difícil em coisas novas:
um curral num lugar acolhedor para seu Filho; o motivo de apedrejamento em
serviço à sua prima Isabel; a dor do parto na alegria da vida nova do
menino-Deus: Jesus Cristo.”
Na última
parte ele apresentou para os líderes dos movimentos populares e,
principalmente, para as Comissões Justiça e Paz (ele citou literalmente por
duas vezes, dando responsabilidades e missões na perspectiva que segue), três
grandes tarefas.
Introdutoriamente
pediu que essas tarefas fossem realizadas “em combinação e como aliados” (usou
em castelhano a palavra “mancomunados”) entre movimentos populares, governos e
demais forças sociais. Afirmou que construir um projeto em conjunto, definindo
seu conteúdo, de forma participativa, não era tarefa fácil, mas possível. “Que
nem o Papa, nem a Igreja tem receita pronta... A história é construída pela
ação dos povos, com erros e acertos.”
“Primeira
tarefa: colocar a economia a serviço do povo e não do
dinheiro (servir ao dinheiro e ao lucro mata a vida das pessoas e do Planeta!).
Não à acumulação, sim à administração da ‘Casa Comum’, que é o nosso país, que
é o nosso Planeta!”
“Alguns
princípios oferecidos por São João XXIII podem servir a essa construção:
respeito à dignidade da pessoa humana; direito à prosperidade dos povos, sem
danos à natureza. O projeto de sociedade deve contemplar diferentes dimensões
da convivência humana: aspectos sociais, econômicos, políticos, educação,
saúde, direito a inovações, acesso aos bens culturais, comunicação, esporte e
recreação (lazer). É o que os povos originários chamaram de Bem-viver: além de
nenhuma família sem teto; nenhum trabalhador sem direitos; nenhum camponês sem
terra; acrescentou: infância com carinho; jovens com oportunidades; e nenhum
idoso sem aposentadoria digna. A distribuição da riqueza é um dever moral: é
devolver aos pobres, o que lhes pertence.”
“Segunda
tarefa: unir nossos povos no caminho da paz e da justiça. Paz significa
interdependência, estamos todos conectados. Não há solução para um só país,
isoladamente. Para tal é preciso respeitar suas culturas, seus idiomas. Isso é
o que significa soberania. Reconheço que os governos da região latino-americana
e caribenha fizeram esforços pela soberania da Pátria-Grande.”
“A todo
intento de divisão, sustentem a unidade e resistam ativamente às novas formas
de colonialismo: por meio de grandes corporações multinacionais; os ditos
“Tratados de Livre-Comércio”, que de ‘livres’ nada têm para os países pobres;
imposições de austeridade somente para diminuir direitos dos trabalhadores;
(conforme já disseram os Bispos na Conferência de Aparecida); muitas formas de
dominação se justificam sob pretexto de luta contra a corrupção nos países
periféricos, ou contra o terrorismo, ou contra o narcotráfico. Outra forma de
novo colonialismo ideológico são os monopólios dos Meios de Comunicação que
existem em nossos países, vinculados a um pensamento único: o consumismo.”
“Aqui
quero pedir perdão, como fez São João Paulo II, pelo mal que fez a Igreja
Católica no tempo da colonização das Américas contra os povos originários,
justificando até mesmo a escravidão! Foram todos pecados cometidos em nome de
Deus! Também quero fazer memória às vozes que naquele tempo se levantaram
contrárias: eram missionários, sacerdotes, leigos, religiosos e gente da
sociedade sem nenhuma ligação com a Igreja. Particularmente quero reconhecer as
religiosas (as “freirinhas”) que anonimamente e esquecidas foram e são presença
da Igreja junto aos mais pobres...”
“Nossa fé
cristã é revolucionária! Vamos fazer cessar a terceira Guerra Mundial que já
está acontecendo em quotas... em conflitos armados que assassinam a milhares de
pessoas nos vários lugares do mundo.”
“Como
terceira tarefa, peço defendam a irmã “Mãe-Terra”, o cuidado com a Casa Comum.
Peço aos povos indígenas: preservem sua identidade, sua diversidade e sua
pluralidade. É isso que faz a terra viver. Para isso escrevi a encíclica
‘Laudato Si’’, que vocês receberão ao final desse encontro. Em meu discurso que
será publicado fiz uma síntese em duas páginas do principal. Aqui denuncio os
efeitos nocivos às mudanças climáticas que a falta de decisão dos países nas
Cúpulas sobre o Clima está gerando. É preciso que os países assumam
compromissos! Leiam e estudem a Encíclica e ponham em prática.”
“Se
preocupem mais em gerar processos de mudança do que ocupar cargos de poder. Se
recordem: o futuro da humanidade está nas mãos dos pobres do mundo, não dos
poderosos. Não se apequenem vocês dos movimentos populares podem muito. Recebam
a minha bênção em suas vidas e em seus trabalhos; e a força da esperança, pois
como ensina São Paulo: ‘a esperança não decepciona’.”
Este é
meu testemunho que tive a sorte de viver nestes dias em terras bolivianas, eis
que volto renovado!
Daniel
Seidel é Psicodramatista, membro da
Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, professor da Universidade Católica
de Brasília, mestre em Ciência Política pela UnB. Também é membro da Comissão
Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília. Ex-secretário de Estado de
Assistência Social e Segurança Alimentar do DF. Integra a Coordenação Nacional
Movimento Fé e Política.
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