O nosso personagem de hoje
tem duas virtudes: a história pessoal de ascensão vitoriosa, de quem vem de um
estrato muito humilde e, por seu esforço, chega ao ponto mais alto da
magistratura; trouxe junto com ele a consciência de uma sociedade dividida
racista, elitista, excludente.
Virtudes?!
Não necessariamente.
Costumo dizer que
competência só é virtude no goleiro de nosso time. No time adversário é
defeito.
Na verdade, a ascensão
social ocorre com dois tipos de homens (ou mulheres), e é isso o que interessa.
A consciência da divisão de
classes, da exclusão, muitas vezes por questões raciais, acompanha necessariamente
o personagem que ascende socialmente. Não há como anular a própria experiência
na história de um ser humano.
Mas há um tipo que, ao
crescer socialmente, leva esse registro na mão justamente para dele fazer um compromisso,
o de lutar contra essa realidade injusta, seja propugnando por uma nova ordem social,
seja criando ferramentas para resgatar da situação de injustiça os que não têm
como se erguer exclusivamente por seu esforço.
Citar Lula é praticamente
uma obviedade, mas cada um de nós é capaz de encontrar figuras com esse perfil,
na nossa proximidade ou incorporados a nomes conhecidos da política, de
profissionais liberais, de gente que faz diferentes formas de voluntariado, da
assistência social ou até de empresários.
Colocar-se a serviço de quê
é uma escolha meramente pessoal e isso que pode ser assinalado como virtude ou
revelador de um caráter infame, abominável.
Lula sempre fez questão de
aproveitar o seu instante de poder para gestos assim. Nunca devemos deixar de
citar como se encantou com o conselho de um amigo por tudo confiável, como
possuidor do mesmo compromisso transformador. Lula pescou, entre os juristas de
mais brilhante formação do País, alguém que rompesse a tradição excludente da
Corte. Um negro e, mais, alguém que tivesse exatamente aquela trajetória de
êxito pessoal, fruto do mais denodado esforço. Sua nomeação seria um recado à
Nação. Os mais humildes podem confiar no futuro. Vale a pena lutar.
Os elitistas, os
aristocratas, os que não aceitam alterações no tecido social com o resgate dos
originalmente despossuídos reagiram agressivamente. Sim, pode dizer que são os
mesmos que renegam o Mais Médico, por levar saúde aos que não têm como comprá-la;
repudiam as cotas, vendo apenas que subtrairão as vagas que poderiam beneficiar
seus filhos e neto nas carreiras universitárias; rejeitam a bolsa família, por
promover uma redistribuição dos fundos públicos em favor de pessoas que mal
tinham condições de assegurar a próxima refeição. Mas jamais gritaram contra
subsídios para empresas falidas, renúncias tributárias para novos negócios
(ainda que de grandes empresas), bolsas de formação em nível superior. Ou mesmo
auxílios de alcance mais amplo, como o seguro desemprego ou o vale-transporte. Esses
estimulam o consumo urbano e retorna para as elites.
Não se pode, portanto, dizer
que Joaquim Barbosa foi recebido de braços aberto no topo da magistratura
brasileira. Ele sabe disso e não raro o repete.
A partir daí, cabe-lhe optar
pelo figurino que quer vestir. Péssimas relações com os seus pares e um trato
arrogante com os profissionais de imprensa ou a adoção de mordomias foram
objeto de matérias em diferentes órgãos de comunicação.
Tudo foi perdoado quando
veio o recado que tocou mais fundo o coração das elites. Aos seus olhos, não pareceu
haver aquele perigoso compromisso com o esforço de transformação da sociedade
ou para estabelecer qualquer que fosse o laço de solidariedade com os que hoje
vivem as condições em que um dia viveu.
Foi assim que a grande mídia
interpretou a postura durante o julgamento da AP 470, para o julgamento do que
a mídia adotou a designação de Mensalão. Relator ou presidente, jamais titubeou
em refletir ao longo do processo o que viesse a ser aplaudido pelos grandes
títulos da imprensa brasileira, se necessário afrontando os seus colegas de
Tribunal ou os próprios princípios jurídicos, segundo alguns deles.
Uma só coisa escapa ao nosso
personagem. O ingresso nos salões da aristocracia brasileira não é conquistado,
mas concedido. E ninguém confunda uma concessão transitória, a título precário,
com um convite para que se integre ao novo grupo. Mandatos passam e a elite
nacional, excludente como sempre, sabe muito bem identificar quando o poder
desaparece das mãos de eventuais convidados.
Fernando Tolentino
Alguem sabe quais foram os critérios do ex Presidente Lula para escolher o Barbosa? Foi só a questão racial? Quem o ajudou a escolher Quem indicou?
ResponderExcluirConsta que a sugestão foi feita por Frei Betto, contemplando realmente o desejo de Lula de romper o exclusivismo racial no STF, como uma forma de recado ao País. Pelo que conhecemos de Frei Betto, deve amargar um remorso atroz. Dizem que Lula confidencia a amigos ser esta a única decisão de que se arrepende nos seus oito anos de mandato.
ResponderExcluirTodo líder passa por isso. Jesus incluiu Judas em seus planos. César a Brutus. E vários outros. No meio das escolhas haverá um que será a possível queda.
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