Luiz Carlos Azenha
A ideia de puxar o plug e simplesmente deslogar o
Viomundo, depois de mais de 10 anos de existência, foi pessoal, familiar e
amadurecida ao longo do tempo. Confesso: me emocionei com a tremenda onda de
solidariedade de todos vocês nas redes sociais, que surpreendeu mesmo os meus
melhores amigos. Minha mãe, de 88 anos de idade, recém-recuperada de uma
operação de cataratas e, portanto, testando a nova capacidade visual no
computador, riu muito de uma foto inventada pelo Gerson Carneiro, ainda que não
tenha entendido muito bem o motivo de todo aquele fuzuê: estava muito mais
interessada no programa da Fátima.
Em minha participação no I Encontro Nacional de
Blogueiros, fiz duas observações em meu discurso: revelei minha antipatia à
ideia de depender de governos, que mudam de opinião e de prioridades ao longo
do tempo e que, frequentemente, acreditam que o dinheiro do Estado, que deveria
ser investido em políticas públicas de longo prazo — por exemplo, na promoção
da diversidade cultural e pluralidade de ideias — lhe pertence, quando este
dinheiro é, evidentemente, público. Propus, na ocasião, uma cooperativa de
blogueiros que vendesse clics coletivamente no mercado.
Meu segundo ponto: a crítica da mídia estava
desgastada, como se fosse um pensamento único de esquerda, e era preciso gerar
pauta e conteúdo próprios.
Explico: o grande poder da mídia corporativa no Brasil é o de definir a agenda do debate político. O tal consórcio midiático é formador de consensos: haverá um apagão que provará a incompetência geral do governo trabalhista, as filas de navios significam que é preciso privatizar os portos, a Petrobras é um fracasso e precisa ser “reestatizada” (isso do povo da Petrobrax, dos que faliram a indústria naval e que defendem a terceirização) e o mensalão foi o maior escândalo da História da República que merece um replay de 18 minutos no Jornal Nacional às vésperas da eleição municipal de São Paulo.
Embora não sejam mais completamente reféns da pauta da direita, os meios progressistas ainda subsistem dentro de um espaço de debate cujos marcadores são definidos pela grande mídia. Se o telejornal de maior audiência do Brasil tivesse dedicado uma boa parte de seus recursos e competência editorial aos incêndios nas favelas paulistanas, por exemplo, durante o governo do ex-prefeito Gilberto Kassab, é provável que um grupo muito maior de brasileiros se interessasse pelo assunto, cobrasse explicações e, lá no fim, seria levado pelo menos a especular se alguns episódios foram intencionais, obedecendo à politica de expulsar os pobres que tão bem serve à especulação imobiliária.
Explico: o grande poder da mídia corporativa no Brasil é o de definir a agenda do debate político. O tal consórcio midiático é formador de consensos: haverá um apagão que provará a incompetência geral do governo trabalhista, as filas de navios significam que é preciso privatizar os portos, a Petrobras é um fracasso e precisa ser “reestatizada” (isso do povo da Petrobrax, dos que faliram a indústria naval e que defendem a terceirização) e o mensalão foi o maior escândalo da História da República que merece um replay de 18 minutos no Jornal Nacional às vésperas da eleição municipal de São Paulo.
Embora não sejam mais completamente reféns da pauta da direita, os meios progressistas ainda subsistem dentro de um espaço de debate cujos marcadores são definidos pela grande mídia. Se o telejornal de maior audiência do Brasil tivesse dedicado uma boa parte de seus recursos e competência editorial aos incêndios nas favelas paulistanas, por exemplo, durante o governo do ex-prefeito Gilberto Kassab, é provável que um grupo muito maior de brasileiros se interessasse pelo assunto, cobrasse explicações e, lá no fim, seria levado pelo menos a especular se alguns episódios foram intencionais, obedecendo à politica de expulsar os pobres que tão bem serve à especulação imobiliária.
Nada disso aconteceu, obviamente e nenhum meio de
esquerda que conheço detém os meios financeiros para bancar uma investigação de
longo prazo sobre o assunto.
Portanto, voltamos à questão financeira e, apesar
das generosas ofertas de ajuda que recebemos nas últimas horas, é óbvio que
elas não resolvem os problemas de fundo, que são os que nos interessam. A ação
que Ali Kamel venceu, apenas na primeira instância, nunca foi a questão central,
mas sim a incapacidade de enfrentar a ofensiva da direita sem as mais simples
ferramentas para fazê-lo.
Como tocar um blog que não aceita patrocínios de
governos, empresas públicas ou estatais — uma decisão tomada porque esperamos
que Globo, Veja, Folha e Estadão nos sigam — e ainda assim
tenha capacidade de debater políticas públicas de forma relevante, sem apenas
reproduzir opinionismo político? Acreditamos que o Estado deva adotar políticas
que incentivem a diversidade e a pluralidade, conforme previsto na
Constituição. Que combata a propriedade cruzada. Acreditamos que o Parlamento
deve cuidar do Direito de Resposta, uma forma de evitar a judicialização que
leva desiguais para se enfrentarem num campo em que prevalece o poder econômico
— dos advogados e lobistas.
Isso se agrava pela nossa leitura da conjuntura
internacional, que continua muito negativa: depois dos baques de Wall Street e
do euro, o neoliberalismo se reorganiza num poderoso tripé: na indústria
financeira, que pendurou e continua pendurando a conta nas costas dos direitos
sociais, na crescente influência do dinheiro no processo político — basta ver a
decisão da Suprema Corte Americana que permite às corporações doarem a
campanhas como se fossem ‘indivíduos’, de forma ilimitada — e, acima de tudo,
em uma mídia oligopolizada, de discurso quase unificado, que acima de tudo
defende seus interesses econômicos associados ao neoliberalismo. Quando foi o
último trabalho de fôlego da imprensa paulistana sobre o adensamento da cidade,
se saem todos aqueles anúncios da Abyara nas edições de domingo?
Com as grandes corporações de mídia, vivemos uma espécie de Gulag ao contrário: nosso corpo está livre, mas nosso pensamento frequentemente é prisioneiro de uma pauta que não nos interessa e, mais que isso, desconhece o interesse público, precariza as relações de trabalho e concentra ainda mais o capital na mão de poucos.
Com as grandes corporações de mídia, vivemos uma espécie de Gulag ao contrário: nosso corpo está livre, mas nosso pensamento frequentemente é prisioneiro de uma pauta que não nos interessa e, mais que isso, desconhece o interesse público, precariza as relações de trabalho e concentra ainda mais o capital na mão de poucos.
A contra-ofensiva neoliberal está em andamento,
acreditem: pelo urânio do Mali, pelo petróleo da Líbia, pelas reservas do
Orinoco na Venezuela, pelo gás boliviano, pelo pré-sal brasileiro. O
neo-imperialismo não obedece apenas às regras clássicas, de conquista militar.
Associado a interesses nacionais, ele faz lobby no Congresso, compra
bancadas e trabalha silenciosamente nos bastidores. No Brasil, a mídia
corporativa, concentrada em níveis inéditos, é uma espécie de aríete, capaz de
arrombar a porta e implantar ministros-lobistas num governo do Partido dos
Trabalhadores!
Sempre perspicaz, o senador Roberto Requião revelou o que está por trás da “falência” da Petrobras, por exemplo.
Sempre perspicaz, o senador Roberto Requião revelou o que está por trás da “falência” da Petrobras, por exemplo.
Estamos entregues às grandes corporações, que
implantam vastas extensões de eucalipto, criam empregos de alta qualidade em
seus países de origem, agregam valor à terra e ao sol brasileiros, exportam
água embutida em seus produtos e nos deixam com os danos ambientais. Vale o
mesmo para o agronegócio.
Estamos entregues em Carajás, com o fenomenal trem
que arranca o minério num ritmo que não obedece a prioridades brasileiras, mas
às necessidades de lucro da associação entre o grande capital internacional e o
trabalho escravo chinês, que produz as bugigangas posteriormente exportadas
para os Estados Unidos, via Wal Mart, para entre outros motivos manter baixa a
inflação e dar à classe média local a sensação de que ela consome, logo existe!
Como se diz no Amapá, foi o manganês da Serra do Navio que financiou o Plano Marshall!
Como se diz no Amapá, foi o manganês da Serra do Navio que financiou o Plano Marshall!
Estamos entregues na transformação dos rios
amazônicos em fontes de energia para as grandes mineradoras; Tucuruí nasceu do
interesse do Japão de se livrar de suas indústrias eletrointensivas e
poluentes. O Brasil fica com o trabalho sujo, enquanto eles desenvolvem alta
tecnologia e os empregos do futuro em solo japonês.
Nada disso é discutido com profundidade em nossa
grande mídia.
Nosso único recurso — o daqueles que pretendem discutir questões essenciais ao futuro do Brasil sem o cabresto da mídia — é a solidariedade humana, que foi o que vocês demonstraram com profundidade nas últimas horas. Recentemente, li na revista Economist — de todos os lugares! — uma pesquisa sobre a necessidade que as pessoas têm de de sentirem úteis ao mundo, de deixarem sua contribuição, de acreditarem que fazem a diferença. Obviamente o viés da revista servia às grandes empresas, já que as estimulava a incentivar os empregados a se engajarem em ações filantrópicas. O altruísmo de funcionários utilizado para valorizar a marca!
Mas a solidariedade genuína, idealista e altruísta de todos vocês finalmente me convenceu. A mensagem decisiva veio do João Carlos Cassiano Ribeiro, que não conheço pessoalmente, via Facebook. Diz:
Nosso único recurso — o daqueles que pretendem discutir questões essenciais ao futuro do Brasil sem o cabresto da mídia — é a solidariedade humana, que foi o que vocês demonstraram com profundidade nas últimas horas. Recentemente, li na revista Economist — de todos os lugares! — uma pesquisa sobre a necessidade que as pessoas têm de de sentirem úteis ao mundo, de deixarem sua contribuição, de acreditarem que fazem a diferença. Obviamente o viés da revista servia às grandes empresas, já que as estimulava a incentivar os empregados a se engajarem em ações filantrópicas. O altruísmo de funcionários utilizado para valorizar a marca!
Mas a solidariedade genuína, idealista e altruísta de todos vocês finalmente me convenceu. A mensagem decisiva veio do João Carlos Cassiano Ribeiro, que não conheço pessoalmente, via Facebook. Diz:
Boa noite!!!!
Não sei se o Azenha vai ler isto, mas gostaria que
servisse de incentivo.
A um bom tempo me acostumei a ler blogs e abandonar jornais escritos.
Quando aconteceu o primeiro blog que conheci foi o Viomundo, desde então aprendi a conhecer o mundo pelo seu site.
A um bom tempo me acostumei a ler blogs e abandonar jornais escritos.
Quando aconteceu o primeiro blog que conheci foi o Viomundo, desde então aprendi a conhecer o mundo pelo seu site.
Gosto dos colaboradores e fotos das reportagens
históricas feitas pelo jornalista.
Hoje acordei incomodado com o papel que a tv e o
CQC exercem na nossa vida. Passei o dia incomodado com o baixo nível
intelectual da tv e o comportamento fascista que noto nela.
Até imaginei que se fosse eu no lugar do Genoino ou
do Clodovil durante a agressão a que Pânico e CQC os submeteram, acho que não
suportaria.
Ser humilhado em frente a tv toda semana, não sei se aguentaria.
Fiquei feliz ao ver seu post sobre seu pai, imaginei que os fascistas passarão mas os bons permanecem sempre. Foi um sopro de alegria na minha tristeza.
Como já havia acontecido em outras oportunidades com o Viomundo, resgatei um pouco da dignidade e do respeito ao ser humano, voltei a acreditar na capacidade criativa e na solidariedade humana.
Ser humilhado em frente a tv toda semana, não sei se aguentaria.
Fiquei feliz ao ver seu post sobre seu pai, imaginei que os fascistas passarão mas os bons permanecem sempre. Foi um sopro de alegria na minha tristeza.
Como já havia acontecido em outras oportunidades com o Viomundo, resgatei um pouco da dignidade e do respeito ao ser humano, voltei a acreditar na capacidade criativa e na solidariedade humana.
Respeito sua decisão e compreendo sua necessidade,
mas me sinto um pouco órfão com o fim do Viomundo e triste em ver o
jornalista abandonando uma das frentes de trabalho por força da opressão.
Choro ao escrever essas palavras pois sei que
perdemos um espaço vital para nossa luta. Não sou colaborador e nem costumo
interagir com o blog, sou um leitor anônimo e aprendi a observar o seu blog
como um filho observa o pai e aprende e se orgulha de estar por perto.
Nossa luta não é partidária ou governamental é
pelos mais fracos e pela dignidade humana.
Sempre o terei como amigo sem nem o conhecer, pois
me orgulho dos meus amigos e me orgulho muito de você!
Obrigado por ter tido no Viomundo os
melhores exemplos de humanidade e um espaço em que sempre me senti à vontade.
Achei muito bacana ver que um trabalho coletivo
como o nosso, organizado por poucos mas que afeta muitos, ainda que precário e
improvisado, seja capaz de tocar desta forma uma pessoa.
Assim sendo, depois de longas horas de conversa com
a Conceição Lemes e o Leandro Guedes, pensamos num jeito de refundar o site
(com o nome provisório de, rsrsrs, Democratas).
Uma consulta ao Comitê Central, sempre munidos dos
tomos leninistas, nos levou a decidir:
1. Conceição Lemes (conceicaolemes@uol.com.br)
se torna a editora-chefe do site, encarregada também da relação com nossos 40
mil seguidores no twitter/facebook;
2. Leandro Guedes (leandro@cafeazul.com.br)
adotará um mix de todas as sugestões que nos foram feitas por vocês sobre
crowdfunding, além de perseguir eventuais patrocinadores que vocês nos
sugerirem; o dinheiro arrecadado com o crowdfunding será todo reinvestido no
site e não será utilizado para bancar advogados, dos quais já contamos com os
competentíssimos Cesar Kloury, Idibal Pivetta, Airton Soares e um importante
escritório de Brasília que ofereceu ajuda solidária.
3. Eu me afasto do compromisso diário de passar de
5 a 10 horas diante de um computador aprovando comentários, traduzindo e
publicando textos. Torno-me um repórter voluntário e não remunerado, além de
escrever os tradicionais comentários sobre mídia e política.
4. Passo a aceitar, sempre que compatível com minha
agenda profissional, todos aqueles pedidos de entrevistas de estudantes,
palestras em universidades e conferências, se possível associadas a oficinas
sobre as redes sociais oferecidas pela Conceição Oliveira
(blogmariafro@gmail.com), que entende tudo do ramo.
5. Acima de tudo, passo a me dedicar à área de
minha especialidade, que é a produção de vídeos, mini-docs e docs.
Aqui, uma explicação se faz necessária. No modelo
acertado com o Leandro Guedes, da Café Azul, que há meses
já vinha estudando o assunto, os leitores poderão tanto indicar as pautas
quanto aprovar nossas propostas.
Exemplo: o Gilberto Nascimento
quer escrever uma investigação sobre o poder da Opus Dei no Brasil. Calcula o
tempo que vai levar e a remuneração adequada, por valores de mercado, à tarefa.
Colocamos uma espécie de contador para acompanhar o avanço da meta. As pautas
financeiramente aprovadas serão feitas.
Outros exemplos hipotéticos: a Conceição Lemes quer
ir a Minas Gerais investigar o choque de gestão dos governos Aécio/Anastasia.
Há mais de um interessado em fazer um mini-doc
sobre o impacto da Globo nas eleições de 2006 e 2010.
Serão trabalhos jornalísticos, não de militância,
sobre assuntos que a mídia corporativa brasileira simplesmente desconhece, por
não se adequarem àquela pauta única a que me referi acima.
Eu, por exemplo, gostaria de investigar
pessoalmente o massacre de Felisburgo, em Minas Gerais, até hoje impune.
O Lino Bocchini poderia ser convidado para fazer a Coleção
Folha: Como Rose Nogueira ‘abandonou’ o
emprego durante a ditadura.
A Beatriz Kusnir, se aceitasse, poderia fazer uma
versão em vídeo do livro Cães de Guarda, aquele
que narra o colaboracionismo da mídia brasileira com a ditadura militar.
O Amaury Ribeiro Jr. poderia ficar encarregado, à lá
Andrew Jennings, de perseguir e exigir explicações dos privatas que andam por
aí. Nosso Michael Moore.
Minha ênfase nos vídeos se deve ao fato de que,
eventualmente, eles vão dominar a internet, à medida em que as conexões se
acelerarem.
Finalmente, queremos aproveitar o imenso potencial de jornalistas — e quantos!!! — recentemente demitidos, que deixaram suas empresas com boas histórias para contar e projetos nunca realizados.
Finalmente, queremos aproveitar o imenso potencial de jornalistas — e quantos!!! — recentemente demitidos, que deixaram suas empresas com boas histórias para contar e projetos nunca realizados.
Quem sabe vocês nos ajudam a financiar o sonho
destes colegas.
Portanto, depois de muito matutar, acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá ao Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.
Aguardem, que as mudanças serão implantadas lentamente, inclusive em todo o visual do site.
Portanto, depois de muito matutar, acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá ao Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.
Aguardem, que as mudanças serão implantadas lentamente, inclusive em todo o visual do site.
Publicado
no Blog Viomundo, em 1º de abril de 2013
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