por Luiz Carlos Azenha
Reunidos ontem à noite na sede do Centro de Estudos de Mídia Barão de
Itararé, em São Paulo, blogueiros, ativistas, militantes de partidos
políticos, movimentos sociais e advogados decidiram, por consenso, criar
um fundo para socorrer financeiramente colegas que sejam alvo de
processos judiciais, ameaças ou violência em todo o Brasil.
O fundo de emergência será inicialmente organizado pelo Conselho
Nacional da blogosfera, formado por 26 ativistas de todo o Brasil no
mais recente encontro da entidade, em Salvador, na Bahia. Uma conta
bancária receberá as contribuições de internautas, por enquanto em nome
do Barão de Itararé. Decidiu-se também que a entidade terá um corpo
jurídico exclusivamente devotado à defesa de blogueiros.
Segundo Altamiro Borges, presidente do Centro, a judicialização do
debate político e a ameaça a poderes nunca antes questionados
multiplicou o número de ações, que incluem ameaças, agressões e
assassinatos.
“Os coronéis acostumados a mandar sem contestação ou crítica, seja em
nível nacional, estadual ou local, encontram na Justiça frequentemente o
caminho para calar ou intimidar a blogosfera”, afirmou Altamiro. “Com
isso, escapam do debate das questões políticas de fundo, como a da
democratização da mídia, para um terreno no qual dispõem de maiores
recursos”, aduziu.
Presentes, os blogueiros Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna e Lino
Bocchini — além deste que vos escreve –, que enfrentam na Justiça ações
movidas por grandes corporações da mídia, declararam que não pretendem
recorrer ao fundo, nem agora nem no futuro. Conceição Lemes,
editora-chefe do Viomundo, explicou: “Há gente que nem
dispõe de advogado e que, por falta de recursos, se cala diante de
autoridades em várias partes do Brasil. Não é o nosso caso”.
Eduardo Guimarães deixou claro: “É importante que o fundo de apoio a
blogueiros tenha critérios claros e pré-estabelecidos para aqueles que
serão beneficiados em caso de necessidade. Sugiro que os que se
interessarem por tal apoio façam uma contribuição mensal — pequena,
talvez simbólica –, de forma que integre o esforço que está sendo
empreendido e, assim, faça jus ao eventual apoio do qual poderá vir a
precisar. Dessa maneira, não haverá questionamento sobre quem vier ou
não a ser apoiado”.
Embora as decisões futuras ainda dependam do Conselho Nacional,
vários oradores lembraram como absolutamente prioritário o caso do
jornalista/blogueiro Lúcio Flávio Pinto, do Pará. Editor do Jornal Pessoal,
Lúcio Flávio foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça a
indenizar Cecílio do Rego Almeida, a quem acusou de ser grileiro de
terras.
A versão mais recente do Jornal Pessoal critica o PT
pela homenagem póstuma a Cecílio, proposta pelo deputado federal André
Vargas, do Paraná, com apoio de José Mentor (PT-SP), conforme noticiou aqui o Viomundo.
Na edição, porém, Lúcio Flávio comemora:
“Pará recupera terras
Graças à justiça federal, o Pará vai ter de volta ao seu patrimônio
quase cinco milhões de hectares de terras de que o grileiro Cecílio do
Rego Almeida tentou se apossar. Os sucessores do empresário perderam o
prazo do recurso e a sentença condenatória transitou em julgado.”
Através de coleta realizada via internet, Lúcio Flávio arrecadou os
R$ 25.116,75 que depositou em juízo para indenizar Cecílio, depois que
desistiu de recorrer no STJ. Antes, havia se perguntado: “O grileiro vencerá?”.
Apoiadores de Lúcio Flávio mantém o blog Todos com Lúcio Flávio Pinto, aqui.
Segundo o site, Lúcio Flávio também foi alvo de 15 processos
judiciais, penais e cíveis movidos por uma das familias mais ricas do
Pará, que controla as Organizações Maiorana, detentora entre outros
negócios da concessão local da Rede Globo de Televisão.
Ao lamentar que seus recursos não tenham sido acolhidos pela Justiça,
Lúcio Flávio afirmou então: “Os tribunais se transformaram em
instâncias finais. Não examinam nada, não existe mais o devido processo
legal. E isso não acontece só comigo. São milhares de pessoas em todo o
Brasil, todos os dias, que não têm direito ao devido processo legal. Em
95% dos casos julgados no país rejeitam-se os recursos. Não tem jeito”.
Reconhecido com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e
Direitos Humanos em 2012, Lúcio Flávio edita o Jornal Pessoal há 25
anos, é uma das vozes mais respeitadas em questões relativas à Amazônia e
se tornou símbolo da resistência da palavra contra o poder.
“A persistência de Lúcio Flávio nos anima a todos”, declarou ontem a blogueira Conceição Oliveira.
Os presentes também decidiram dar apoio aos atos previstos contra as
Organizações Globo no dia 26 de abril, quando a emissora comemora 48
anos de idade. Os atos serão organizados pela Frentex — Frente Paulista
pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão — e o FNDC — o
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
As duas entidades acreditam que a Globo simboliza a concentração
midiática e a falta de diversidade que se dedicam a combater.
Manifestações similares aconteceram em anos anteriores. Em 2007, por
exemplo, o ativista Bráulio Ribeiro, do Intervozes, declarou:
‘Todos sabem que, nesses 42 anos, a Globo tem atuado quase como um
partido político, defendendo teses, candidatos e projetos que lhe
interessam no Congresso. E faz tudo isso usando um bem público, que é o
espectro radioelétrico. Mas, assim como qualquer emissora de rádio ou
televisão, a Globo é uma concessionária de um bem público. Portanto, o
interesse público é que deveria reger o uso desse bem’, explica Ribeiro.
Desde então, pouco mudou, como ficou claro em episódios como o da
bolinha de papel nas eleições presidenciais de 2010 e nos 18 minutos
dedicados pelo Jornal Nacional a uma “retrospectiva” do
mensalão, na semana que antecedeu o segundo turno das eleições
municipais de São Paulo, em 2012. Nos dois casos, coincidentemente, o
candidato tucano José Serra enfrentou adversários do PT.
Durante o encontro, Altamiro Borges anunciou que está praticamente
pronto um levantamento nacional sobre os processos, ameaças,
perseguições e assassinatos cometidos contra blogueiros, que será
encaminhado junto com uma carta-denúncia à Organização dos Estados
Americanos e às Nações Unidas.
O mapa dará origem a um blog dos ameaçados, que será linkado nos principais endereços da blogosfera de esquerda do Brasil.
Os blogueiros presentes também prometerem apoio ao Projeto de
Iniciativa Popular de um novo marco regulatório das comunicações
organizado pela campanha Para Expressar a Liberdade,
que será apresentado ao Congresso nos moldes do projeto que acabou
dando origem à Lei da Ficha Limpa. O objetivo é recolher pelo menos um
milhão de assinaturas. A coleta começa no dia do aniversário da Globo
mas deverá ganhar força ainda maior no Primeiro de Maio, quando a
Central Única dos Trabalhadores (CUT) dedicará as comemorações do Dia do
Trabalho a defender “o direito de todos à palavra”
publicado no VIOMUNDO, em 2 de abril de 2013
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