(DIÁRIO DE VIAGEM)
Foi como se já
estivéssemos sendo aguardados ali.
Desembarcamos em
Curitiba, fizemos uma troca de hotel, almoçamos e rumamos para o Acampamento
Marisa Letícia. A ideia era conhecê-lo e, dali, sairmos para o local em que
militantes de vários estados brasileiros se reúnem e gritam diariamente em coro
um “bom dia” para Lula pela manhã e um “boa noite” ao final do dia.
Imaginávamos a força dessa manifestação e entendíamos que, portanto, não poderíamos
perdê-la.
Chegávamos no dia
seguinte ao terrível incidente em que dois companheiros foram atingidos por
balas de calibre 9mm, um deles com três tiros, ficando em estado grave. A
segurança se intensificara, mas explicamos que estávamos em “uma visita” e
fomos dispensados do cadastramento e da identificação.
A primeira visão foi de
uma cozinha ampla sob uma lona, chão de terra, com duas mesas e um fogão
industrial. Ao fundo, a área com mantimentos. Ali estava apenas a companheira
Maria (São Paulo), de modo que seguiu-se a imediata oferta:
Mariana Rosa – Estão
precisando de ajuda?
Não houve floreio na resposta:
“Claro. Lavem as mãos ali e peguem as toucas ali.”
A responsabilidade pela
cozinha era de Cruz (José Luzardo Cruz Brum), um gaúcho em que notei descendência
indígena e com formação militar. Acolhia toda a ajuda, mas mantinha a
autoridade. Até nos prestigiou com o que vimos como um elogio (“Vocês têm
restaurante? Vejo que têm a técnica.”),
mas não se curvou aos dotes culinários de Mariana. Quando ela tentou tomar a
iniciativa e colocar uma colher de pau numa imensa panela com cubos de abóbora,
Cruz aproximou-se e jeitosamente advertiu: “O que vale é a intenção, mas não
toque nessa abóbora”. E alegou que era uma receita francesa.
Não paramos mais, já com
a ajuda de Maria e do jovem Elísio, que se uniu às tarefas. Cortando legumes
para o jantar e, antecipadamente, para o almoço do dia seguinte. Enchendo enormes
panelas com água, descascando e cortando beterraba, batatas, chuchu, cenoura.
Cortando frango. Picando tempero verde e carne. Tudo em grandes quantidades. Entre
as tarefas, a lavagem de utensílios de cozinha e das panelas, algumas
exageradamente grandes para o tamanho da pia. O que não havia para se queixar
era da organização do tempo, atentamente definido por Cruz, e do local, onde
era possível encontrar todo o necessário. Não tardou para entendermos que não
estaríamos na concentração do início da noite. Tudo precisava estar pronto
quando o pessoal chegasse do local da vigília.
Quando saímos do acampamento,
já se formava a longa fila para o jantar. Fomos ao lugar que os companheiros
designaram como Praça Olga Benário, a companheira judia de Prestes entregue,
grávida, aos nazistas durante a Segunda Guerra, posteriormente morrendo em um
campo de concentração. É um cruzamento em uma área residencial, onde ficam
montadas poucas barracas de apoio, conforme acordo firmado com autoridades
municipais e judiciárias. A cerca de 100 metros da Polícia Federal, é possível
se fazer ouvir por Lula quando as vozes se juntam em coro.
Na saída, Mariana
perguntou a Cruz se havia alguma necessidade imediata a que pudéssemos atender
na manhã seguinte. A Meteorologia previa chuva para as próximas 24 horas e ele
nos explicou que os mantimentos estavam sob uma cobertura de plástico,
insuficiente para garantir que não se estragassem. Era indispensável dispor de
uma lona impermeável, medindo 10 x 10
metros. Falou também da importância de gás e água, itens de grande consumo.
Após a caminhada de
pouco mais de um quilômetro, chegamos ao local da vigília em tempo apenas de
absorver o que restava da energia da recente manifestação. Mas saímos dali com
a sensação de termos participado intensamente da solidariedade ao companheiro
Lula e à nossa gente. Mais: com a certeza de que ajudar na preparação do jantar
teve tanta força quanto se chegássemos para o “boa noite”.
Começamos o dia na
vigília diante da Polícia Federal. Imaginem a energia que exala aquele
encontro, militantes das regiões mais distintas do País, gente envolvida com as
mais diversas atividades, criadas nas mais diferentes culturas, todas
conscientes de reagirem contra um processo absolutamente partidarizado, que tem como
motivação retirar da disputa presidencial deste ano justamente o nome que
representa a esperança da grande maioria da população. De gente que está
sufocada por um golpe e suas mais perversas consequências, mas tem a certeza de
que há uma saída para o Brasil, com desenvolvimento, empregos, conquistas
sociais e preservação do interesse nacional. Tem clareza que essa saída atende
pelo nome de Lula e, por isso mesmo, ele está trancafiado injustamente em uma cela.
O cadeado é o ódio de classe de uma “elite” que até comemora perdas se elas
forem mais pesadas para os que as sofriam há séculos e as tiveram aliviadas
durante os cerca de 14 anos em que, com Lula e Dilma, o PT esteve à frente do
governo federal.
O ato é simples: uma a
uma, vozes diferenciadas se sucedem puxando “Bom dia, presidente Lula”. Um
enorme coro repete cada “Bom dia, presidente Lula”, com vozes que nascem dos
corações, os pulmões apenas dando a força para que se ergam e cheguem à
minúscula cela do mais importante preso político da História do Brasil.
O tempo era curto. No
início da tarde, participantes de vários grupos de Whatsapp já comunicavam
depósitos em nossas contas de valores diferenciados, mostrando o entusiasmo
diante do apelo disparado por Mariana no final da noite anterior. O montante já
se aproximava do necessário e saímos em busca da lona, em boa parte do tempo acompanhados pelos
companheiros também brasilienses Emanoel e Sandra.
Chegamos ao acampamento
no exato momento em que era servido o jantar e entramos na cozinha para
entregar a lona a Cruz. Difícil contar a nossa emoção, contaminados pela de
Cruz, que sequer conseguiu conter as lágrimas. Tomou o microfone e pediu que
fosse suspensa a entrega da refeição para que todos pudessem ouvir “uma
importante informação”. Depois de contar o ocorrido e mostrar o pacote com a
lona aos seus pés, o microfone foi entrega a Mariana, que destacou o caráter
coletivo da doação, e a mim.
Ainda embalados na
emoção daquele momento, chegamos à Praça Santos Andrade para assistir ao
lançamento do documentário “O Processo”, de Maria Augusta Ramos.
Aproveitamos o ato
unificado do 1º de maio para concentrar as atenções nas pessoas que se
concentravam ali, cientes do significado histórico do que faziam. Fizemos
alguns vídeos e pudemos nos surpreender com a quantidade de curitibanas
ansiosos por falarem e afastarem a impressão de que a cidade é uma extensão da
“justiça” politizada de Sérgio Moro e sua turma.
Não resistimos, após o
ato, e voltamos à Praça Olga Benário, para repetir a experiência de mandar o
cumprimento para o nosso querido sentenciado, agora com o “Boa noite,
presidente Lula”.
Dia de volta para
Brasília, voltamos ao Acampamento Marisa Letícia para retomar nossas tarefas na
cozinha, agora com o reforço das companheiras brasilienses Marisa Borges,
Rosilene Corrêa Lima e Luciana Custódio. As companheiras Darly Máximo, Marlene
Bastos e Bete Ramos incorporaram-se ao trabalho de organização da cozinha. O
grupo também passou todo o dia no Acampamento, contribuindo para preparar e
servir o almoço e posteriormente o jantar. Todo tipo de ajuda: a certa altura, vi Mariana chegando com colheres de pau, que comprou em um mercado das proximidades, pois quebrou a que Cruz usava e só ficaram as muito pequenas. Uma doação pequena, mas indispensável.
É claro que o grupo estava
exausto ao embarcar para Brasília no final da noite. Mas não faltou força para
juntar-se a outros brasilienses que também retornavam da militância curitibana
e aprontar uma manifestação em pleno voo, embora diante de forte estresse do
comandante da Latam, que chegou a ameaçar com a convocação de força policial,
mesmo que tivesse de interromper o voo em São Paulo ou retornar a Curitiba.
Embora se fizesse silenciosa durante boa parte do trajeto, substituída por
desfiles com a bandeira do PT e um “Olê, olá, Lulá, Lulá” murmurado em coro, a
manifestação prosseguiu no aeroporto de Brasília, só se dissolvendo com o
embarque de cada uma e cada um para as suas casas.
Fernando
Tolentino
Parabéns por contribuir com essa linda militância,com certeza foi uma ótima experiência, pois além de conhecer pessoas com costumes e sotaques diferentes, pode sentir de perto s injustiça que fizeram com o nosso Presidente, queria poder contribuir da mesma forma, mas fico por aqui torcendo para que a verdadeira justiça seja feita, que é o Lula livre. Porque o Lula livre é Lula Presidente.
ResponderExcluirTomado por muita emoção.
ResponderExcluirAqui estou eu. No isolamento social. Futricando a internet.
Encontrei um diário.😥😥😥😥. Em outro momento prossigo. Abraço meus queridos. 55 996798508