Reuni toda a coragem
que consegui e fui ao local do acidente. Reúno mais ainda agora para este
relato.
Esplanada dos
Ministérios, pouco depois da Estação Rodoviária. Uma avenida larga, com seis
pistas, trecho levemente ascendente e requerendo baixa velocidade, até por
estar imediatamente antes do acesso ao estacionamento do Conjunto Nacional
Brasília.
Os ônibus de centenas
de linhas que saem da Rodoviária avançam pelas pistas da esquerda ou fazem o
contorno, também à esquerda, para seguir em direção à Asa Sul. A travessia é
feita somente pelos que precisam usar a W 3 Norte, inclusive por existir um
ponto em frente ao Setor Hoteleiro Norte em que podem precisar parar, após
aquele viaduto visível na foto.
Vi ônibus tentando
fazer essa manobra, os cobradores usando o braço para pedir a preferência aos
carros menores.
Não queria julgar
ninguém, mas sentir e constatar o que pode ter ocorrido.
Os ônibus podem, sim,
aguardar o fechamento da sinaleira para sair da Rodoviária com a avenida inteiramente livre e
atravessar as pistas.
Mas seria esperar
muito? Esperar dos motoristas de ônibus o que os de veículos de passageiros não
se dispõem a ter?
O quê? A compreensão de
que o trânsito precisa ser solidário.
A causa real é uma só.
Ao motorista jamais ocorre que, ao seu gesto, sucede o risco. E o risco pode
ser até de morte.
Cada condutor vê o
trânsito como uma disputa e, portanto, um processo em que precisa se dar bem.
Vencer. Superar os outros.
Por isso, carros
maiores, mais velozes, mais potentes. E mais seguros, para os seus próprios passageiros,
é claro. Mais bonitos e caros, também, pois a competição não é apenas de
disputa de espaço no asfalto, como igualmente de status.
Por incrível que
pareça, não é apenas uma disputa entre condutores de máquinas, mas não raro
esses fazem a disputa de espaços também com os pedestres.
UM PAÍS QUE
MORRE AOS POUCOS
Por isso, o Brasil
perdeu 42.266 vidas por causa de acidentes de trânsito em 2013. E (pasmem!)
comemorou que o número fosse somente
este!!! É que tinha havido uma redução com relação às 44.812 famílias que
sofreram a mesma dor insuportável em 2012 e as 43.256 de 2011.
Isso mesmo, 130.334
mortes em apenas três anos. E ainda é motivo de “comemoração”.
É mais que as
populações do Gama, Santa Maria, Guará, São Sebastião, Sobradinho ou 18 outras
regiões administrativas do Distrito Federal. Mais que o dobro dos residentes no
Cruzeiro, onde eu moro.
Eu estou falando de
mortes. Nem vou contabilizar os números relativos à invalidez permanente, as
múltiplas sequelas, o volume de recursos públicos consumidos, retirados da
atenção básica à saúde.
O mais arrasador é que,
se cada um de nós refletir durante não mais que dois minutos, vai chegar à
óbvia conclusão de que tanta dor poderia ter sido simplesmente evitada. Parte
pequena por meio de mais cuidados com os veículos ou com as estradas e a
sinalização.
Quase todas as perdas
seriam evitadas com a mera mudança de atitude dos condutores de veículos.
Chegamos ao terrível
acidente de Rodrigo.
Jamais ocorre ao
motorista o risco que o outro corre, seja um pedestre, um animal, um ciclista,
um motociclista ou mesmo o condutor de um veículo menor ou menos seguro. A
conclusão é fácil: cabe ao outro se proteger. Como Rodrigo tentou. Ao ser
fechado na quinta ou na sexta faixa da travessia do ônibus, ele se precipitou
para fora da pista, atingindo uma placa e uma árvore.
Há relatos de que a
alegação do motorista do ônibus foi de que não o viu. Mas precisava ver.
Precisava mais: evitar que ocorresse uma situação em que encontrasse outro
veículo em seu caminho. Ou seja, deveria evitar a situação de risco.
Não quero incriminá-lo.
Quero a alma desse motorista em paz, até porque ele continua com a arma na mão.
EM NOSSO MEIO
HABITAM ANJOS
Eu quero para aquele
motorista a alma da jovem Taís, em que habita um anjo. Da sua janela, no
ônibus, viu o acidente. Fez que o motorista parasse. Mudou o rumo do seu dia:
desceu, buscou acudir Rodrigo, avisou a mãe, recolheu os seus pertences e o
acompanhou ao hospital. Depois que já não havia nada a fazer, chorou discretamente
ao lado da família durante algumas horas e saiu, enxugando as suas lágrimas.
Peço a reflexão de cada
um. Ao ver uma moto, o que lhe passa na cabeça:
“A moto é frágil” ou a
“a moto é ágil”?
Se a imagina como “frágil”,
é muito provável que você seja um condutor solidário, que usa a sua destreza
para evitar um sinistro. Se lhe passa somente a ideia de que é “ágil”, mais
ágil que você consegue ser, em um trânsito às vezes demasiadamente moroso, a muitos
é possível que ocorra uma atitude de despeito, não raro traduzida na enorme
agressividade que sofrem os motociclistas.
Não estranhe. Passa na
cabeça de muitos que é preciso vingar-se daquela agilidade. Nem lembram que,
caso a compra da moto tenha sido uma opção de consumo – e não uma decorrência
de necessidade econômica – o motociclista privilegiou a agilidade, mas abriu
mão do conforto e da segurança de quem está acomodado em um automóvel.
Submete-se a condições adversas de clima, muitas vezes tendo que se deter para
proteger-se da chuva.
Conheço essa atitude
agressiva de motoristas. Eu mesmo já a sofri quando a moto era o meu meio de
transporte e eu jamais a usava para afrontar nenhum motorista. Nem mesmo o seu
espírito competitivo. Eu me percebia frágil e isso já seria o suficiente, mesmo
que não visse o trânsito pelo viés da solidariedade.
Saiba que os
motociclistas mortos em acidentes foram 11.268 em 2011, um crescimento de 263,5%
com relação a 2001, dez anos antes.
Talvez nenhuma dessas famílias,
nenhum amigo, precisasse realmente ter chorado ou viver, depois, tudo o que
significa a falta de alguém querido e muitas vezes indispensável à sua
sobrevivência.
Sei que Rodrigo, com
seus 20 anos, usava a sua moto (há apenas poucos meses) com perfeita
consciência do risco que representava, temendo-o e respeitando-o. Não há como
trazê-lo de volta.
Que pelo menos fosse a
última vítima.
Eu acho que basta. E
você?
Fernando Tolentino
As fotos 1 e 3 são da fotógrafa
Vanessa Ottoni, mãe de Rodrigo
Apenas o tempo para tirar o incurável do centro das atenções. Muito difícil conviver com a ausência de um pedaço tão especial de mim, que hoje representa um anjo no céu.
ResponderExcluirQue seu coração seja acalentado nas doces lembranças do que puderam viver...Abraço fraterno e solidário.
ExcluirQue seu coração seja acalentado nas doces lembranças do que puderam viver...Abraço fraterno e solidário.
ExcluirGratidão!🙏
ExcluirAbraço, Vanessa...
ExcluirAbraço, Vanessa...
ExcluirPequenas ações e gestos, podem mudar o rumo de uma historia! Meus sentimentos para a familia e ois amigos, sentiremos falata da presença desse mulekão de responsa!!!
ExcluirImenso amor, Vanessa...
ExcluirMuita LUZ pra você e sua família, Vanessa. E que Rodrigo caminhe em paz na sua nova vida. Minha mãe, que infelizmente sofreu também a pior perda que alguém pode ter que é perder um filho, dizia para se consolar: "O tempo é o lenço de Deus". Que a saudade eterna seja uma companheira leve na sua vida. Um abraço forte a todos vocês.
ExcluirRodrigo era filho de Vanessa Ottoni, minha companheira mais recente, que ainda mantenho como uma pessoa extremamente querida. Um menino e rapaz adorável, muito próximo da perfeição. Quando nos separamos, eu pedi aos dois filhos dela (ele e Leo) que me permitissem continuar sendo pai deles. Foi um momento muito especial para nós todos.
ResponderExcluirTexto excelente para refletir... me fez lembrar que por muitas vezes reclamei de alguns motociclistas que cruzaram meu caminho indo em direção ao serviço na IN ou na volta pra casa, até o dia em que meu filho comprou uma moto! Aí sim mudei meu jeito de ser e pensar em relação a todos... e ao cruzar com algum que eu achava que estava sendo imprudente, pedia a Deus para guardar e proteger. Que nós motoristas, seja de carro pequeno ou grande, tenhamos mais consciência e tolerância.
ExcluirQue Deus conforte o coração de todos nós, pois o meu também está chorando a perda desse jovem que através da Lorena, me fez sentir também um pouco tia dele.
Desejo-te muito força neste momento tão difícil, conheci o Rodrigo ainda quando era pre-adolescente, andando nos corredores sempre muito educado ao se aproximar ,extrovertido e sorridente . Ai ele ficou um pouco afastado da in, depois de alguns anos voltou a aparecer já como um funcionário pois. já era um homem feito e do mesmo jeito, não tinha mudado nada, muito humilde, simplesmente como sua mãe e seu padrasto, muito querido na IN, sempre atencioso com os vigilantes da casa. meus sentimentos a Família espacialmente a Vanessa e Tolentino.
ExcluirSem palavras pra agradecer imenso carinho. Gratidão.🙏
ExcluirMe fez chorar novamente. Não conhecia detalhes do acidente porque não tive a coragem de perguntar para não trazer de volta lembranças tão tristes. Sinto a dor de vocês. São meus amigos amados, conheci e convivi com o doce e lindo olhos verdes do Rodrigo, herdados a mãe. Helen Lima
ResponderExcluirSó o tempo pra me confortar...Gratidão pelo carinho.🙏
ExcluirDesejo a vocês um tempo suave, de brisa, cheiroso e calmo, dentro do qual a dor se processará se transformando em belas e alentadoras lembranças... Como dizia Chico Xavier, "isso também passa..."
ResponderExcluirPaz e luz!
Lágrimas... Van é tão difícil dizer-te algo.
ResponderExcluirTalvez não exista no mundo dor maior do que esta sentida por você minha amiga.
Para a mãe sem seu filho, todo dia é negro se não tiver Deus em seu coração. Van querida! Deus não quer seu sofrimento.
Ele tinha um filho amado que precisou passar por algumas provas e sabia de antemão que essas provas seriam breves; que esse filho logo voltaria para casa mas para isso era necessário nascer através de uma mãe forte, guerreira, que conseguisse devolvê-lo no momento combinado.
De tantas mães, escolheu você. Você que foi a responsável por cuidar dessa jóia por breve tempo e devolvê-lol quando chegasse a hora.
Não sinta-se derrotada. Tua vitória chegará! Será a recompensa pelo tempo que dedicou, pelas noites que passou em claro, pelo muito que o amou.
Rodrigo não morreu.
Ele vive! O que morreu foi apenas o corpo, que não passa de veste grosseira. Sua felicidade só não é completa porque ele está preso ao teu sofrimento, caso contrário, alçaria vôo em direção aos céus, feliz e contente pelo sucesso das provas vencidas e cumpridas à termo.
Coragem Van, Rodrigo vive e está mais perto do que imagina.
Diga confiante: " Tudo posso naquele que me fortalece", e o Cristo de Deus, o Justo por excelência, vendo tua coragem, te concederá o encontro com teu filho, no momento que dormir para em sonho o abraçar.💙🙏
Ele nunca morrerá! Gratidão pelo carinho! 🙏
ExcluirMuito lindo e confortador o que a Sandra Regina escreveu!
ExcluirVanessa,
ResponderExcluirRealmente como muitos já falaram e você mesma sabe, seu filho está vivo em outra dimensão;
As vezes é difícil conviver com a ausência, tendo em vista que a pessoa não está mais ali presente.
O fato é que o essencial, realmente é invisível aos olhos e lá estará ele a te velar de um lugar bem melhor que o nosso falido Planeta Terra.
Que Deus conforte você e os seus, lhe dando paz e sabedoria para passar por tudo com o coração fortalecido.
Gratidão!🙏
ExcluirQue admirável texto parabéns e um bju enorme a Vanessa e a todos da família que sejam fortes nesse momento e que Deus lhe mande toda luz, pois sei que ELE está cuidando desse menino de ouro que tive a oportunidade de conhecer <3
ResponderExcluirNão mesmo! Que seu texto, extraído da alma, sirva de reflexão... Abraço pra vc e Vanessa
ResponderExcluirNão mesmo! Que seu texto, extraído da alma, sirva de reflexão... Abraço pra vc e Vanessa
ResponderExcluirNão mesmo! Que seu texto, extraído da alma, sirva de reflexão... Abraço pra vc e Vanessa
ResponderExcluirMuito rica a reflexão do Dr. Tolentino! A referência sobre a comemoração da estatística de 2013, em relação aos anos de 2011 e 2012, me fez rememorar um texto da Marina Colasanti, que se reporta ao quanto nos acostumamos com os desencontros da vida; mas que não deveria ser assim; "...eu sei, mas não devia (...) A gente se acostuma a abrir o jornal e ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos, e aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz (...). A gente se acostuma para poupar a vida que, aos poucos, se gasta e que de tanto se acostumar, perde de si mesma..."
ResponderExcluirE é assim que a gente vai tocando a vida, tentando se acostumar com as mazelas cotidianas, sobre as quais não se alcança a mágica do controle. O Rodrigo fará muita falta para todos nós, pois ele era a diferença neste mundo de disputas improdutivas e cruéis!
Ah, neim... eu só consigo chorar. Que tristeza!
ResponderExcluirQuerida Vanessa, sou Juliana Tarsia, mãe de André Luigi que estudou com Rodrigo no Colégio Logosófico e agora eles estudavam juntos no UniCeub. Estamos muito tristes com o que aconteceu e temos rezado por vc e por ele. É difícil aceitar este caminho que não é o esperado, o natural. Sou psicóloga e tenho formação nesta área e estou à sua disposição para conversarmos, quando e se vc achar necessário. Sei que está muito recente, mas se vc precisar, estou á sua disposição. Coragem e força. Se precisar, conte comigo! Um grande abraço, Juliana. Meu contato: jtarsia@gmail.com
ResponderExcluirUm texto maravilhoso, emocionante e reflexivo, por se tratar de um assunto que envolve cada um de nós, quer sejamos motoristas, motociclistas, ciclistas ou pedestres, que na maioria das vezes o mais fraco e vulnerável é sempre a vítima. Só haverá melhoras no trânsito, se partir de nós mesmos a conscientização. Acredito que seria um avanço disseminar essa noção básica de cidadania (que retirei de um texto): "o carro é seu, mas o espaço é de todos”. Meus sinceros sentimentos a toda família, em especial a querida Vanessa e a Fernando Tolentino. Um forte abraço, Vivian Fontes.
ResponderExcluirEsclarecedor. Estarrecedor o seu triste texto. Solidarizo-me com vocês. Meu abraço! Iêda Vilas Bôas
ResponderExcluirComo sempre Tolentino, maravilhoso texto, esclarece muitas dúvidas. Falar da morte de um menino lindo e que tem a idade de minha filha, fica impossivel não me transportar para o coração da Vanessa e chorar a dor que ela chora. Deus a fortaleça e, toda familia; Rodrigo certamente já está ajudando-os; como nos alerta Kardec, a morte física de um jovem, normalmete é de um espirito iluminado, que teve uma missão pequena nesse mundo de expiação, de ignorância, falta de amor, como acreditamos, no caso do acidente desse lindo jovem.
ResponderExcluirMuito triste a perda desse rapaz, na verdade um menino.Somente o tempo e Deus para amenizar esse sofrimento!!! Ao mesmo tempo a matéria muito nos serve para uma boa reflexão.
ResponderExcluirMuito triste a perda desse rapaz, na verdade um menino.Somente o tempo e Deus para amenizar esse sofrimento!!! Ao mesmo tempo a matéria muito nos serve para uma boa reflexão.
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