Sabe aquele carro
popular, novinho em folha, ostentando no vidro traseiro um adesivo de gratidão
a Jesus? Ou mesmo outros veículos, conduzidos por devotados pastores
evangélicos em que adesivos afirmam a condição deles: “A serviço de Jesus”.
Fico imaginando os seus
muitas vezes humildes condutores, inquestionavelmente “tementes à palavra”,
sendo subitamente surpreendidos pela notícia de que o “irmão” Eduardo Cunha,
eleito pela comunidade evangélica carioca, pilota nada menos que um Porsche
Cayenne S, avaliado em R$ 429,4 mil, debochadamente registrado em uma de suas
empresas designada como Jesus.com!
Algum iconoclasta,
irreverente, já poderia perguntar se não seria mais confortável a travessia do
deserto a bordo desse veículo.
Cláudia Cordeiro Cruz,
ex-apresentadora da Globo e esposa do deputado, tem à disposição um carro com
um tiquinho menos de ostentação: outro Porsche Cayenne, ano 2006, avaliado em
R$ 122,6 mil. Mas pode variar, pois a família tem ainda uma BMW e cinco SUVs.
Dificilmente devem usar o Toyota Corolla, que vale R$ 60 mil e talvez,
zombeteiramente, tenha aquele adesivo no vidro.
Esse fulano, em março,
foi à CPI da Petrobrás e declarou, com todas as letras que o alfabeto oferece,
que sua única conta bancária é a declarada oficialmente e, apesar de já haver
denúncias em delações premiadas, jamais ter recebido qualquer recurso
irregular. Pra não ficar fora da moda, até culpou Dilma e o PT por surgirem as
denúncias, como não fosse o PT o alvo ao menos dos noticiários sobre as
delações.
Agora, Procuradoria Geral
da Suíça desmente a desfaçatez de Cunha e são exibidas todas as provas (se é
que não surgirão outras) das quatro contas que mantém, de seus valores, de
despesas privadas efetuadas por meio delas. A Procuradoria Geral da República
confirma oficialmente as informações.
A desmoralização é
tanta que o deputado caiu em desgraça diante da maior parte da grande mídia,
que já corre atrás de detalhes capazes de jogar no ralo o que resta de sua
combalida reputação (veja http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/10/documentos-contradizem-eduardo-cunha-sobre-contas-na-suica.html),
só sustentada pelas revistas semanais.
Não importa se pipocam
as denúncias e as confirmações delas, atingindo o titular de um Poder,
diretamente situado na linha sucessória da Presidência da República. O País
parece dividido, pintados para a guerra os que, desde horas após a confirmação
da vitória eleitoral de Presidenta Dilma Rousseff, fazem questão de fechar os
olhos a qualquer evidência de que todas as impurezas não estejam concentradas
no Palácio do Planalto. Aríetes empunhados, ameaçam arrombar a porta justamente
de quem não foi alvo de qualquer denúncia.
Articuladamente com a
grande mídia, um grupo constituído em torno de siglas derrotadas em 2015 (PSDB,
DEM, PPS, SDD) mira o horizonte à cata de chances de justifiquem a deposição de
Dilma.
Teria algum alento em
decisões do TSE? E nisso insistem desde momentos após o desligamento das urnas.
Haveria alguma nódoa em investigações da Lava-Jato? Seriam bafejados por
conclusões do TCU, uma corte em que costumam se recolher parlamentares já sem
ímpeto para as refregas eleitorais?
Para os dois regentes
do grupo – o ex-candidato (ex?) Aécio Neves e o deputado Cunha, titular de uma
das batutas até o início desta semana – não tem a menor importância o nome do
pretexto. Interessa apenas golpear a Presidenta eleita. É preciso tirar logo
essa mulher.
Parcelas consideráveis
de classe média e até pessoas humildes são manipuladas nessa direção,
buscando-se acicatar a sua insatisfação com o momento de crise econômica, como
se isso ou as suas consequências pusessem em questão a legitimidade de um
mandato presidencial.
E por que mesmo é
preciso tirar logo essa mulher?
ESTÃO COM
MEDO DE QUÊ?
Esta é a única certeza
para a nata da corrupção brasileira. Ops! Nata, não. Crosta.
A convicção já existia
no mandato anterior, mas se firmou ainda mais no discurso de Dilma imediatamente
após a sua vitória de 2015. Ao advertir que não sobraria pedra sobre pedra (http://blogdetolentino.blogspot.com.br/2014/12/bem-que-dilma-avisou-nao-sobrara-pedra.html),
Dilma deixou claro que as portas continuavam escancaradas às investigações, dispondo
a PGR e a Polícia Federal de total apoio, indiferentemente de quem pudesse ser
alcançado por elas.
Para isso, os 12 anos anteriores
haviam preparado os instrumentos de Estado. Nem bem assumiu, o então presidente
Lula estruturou a Controladoria Geral da União, inclusive com nível
ministerial. Em 2006, criou o Portal da Transparência, abrindo à sociedade as
informações disponíveis sobre a Administração Pública Federal. Desde o início
de seu governo, criou a tradição de escolha do primeiro colocado na lista
preparada pelos procuradores da República para a designação do Procurador
Geral, uma demonstração concreta do respeito à sua independência. Concursos e
investimentos somaram-se à preservação de sua autonomia para que a Polícia
Federal pudesse efetivamente atuar em favor de um Estado republicano. Já no primeiro
governo de Dilma, duas leis aprofundaram essa verdadeira revolução. A Lei de
Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011), abrindo ao cidadão a
possibilidade de questionar sobre dados e informações à disposição do Estado, e
a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), que inovava ao propiciar que
corruptores também pudessem ser presos, justamente o que está chamando a
atenção na Operação Lava-Jato.
É aquele compromisso de
Dilma que incomoda (e preocupa) tanta gente. No que isso vai dar? Será mesmo a
moralização levada às últimas consequências?
Dê só uma olhada em
algumas manchetes ligadas a várias das figuras que se articulam freneticamente
no movimento de que é preciso tirar logo
essa mulher.
Paulinho da Força (SDD):
João Agripino (DEM)
Ronaldo Caiado (DEM)
Aécio, Serra e Aloísio
Nunes Ferreira (PSDB):
Cássio Cunha
Lima(PSDB):
E o outro Cunha? Não o
Cunha Lima nem o Cunha Neves, mas o Eduardo. Nem é bom falar...
Agora, é só você
responder pra você mesmo. Dilma já deixou claro que não vai livrar a cara de
ninguém e as estruturas de investigação têm o seu apoio. Com toda a cobertura
para a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal procurando e
encontrando provas, o céu ameaçando desabar sobre as suas cabeças, essa gente
tem ou não tem lá suas razões quando dizem que é preciso tirar logo essa mulher?
Mas pense só um
pouquinho: você quer que tudo se esclareça e todos os corruptos sejam punidos ou
está com saudade daquele tempo em que ninguém sequer sabia dos mal feitos dessa
gente e, quando sabia, ficava tudo por isso mesmo?
Fernando Tolentino