Ao se aproximar o dia 15 de outubro
Fernando Tolentino
O professor Carlos Motta foi assassinado no jardim de sua
própria casa na madrugada de 20 de junho de 2008. O motivo foi revelado pelos
executores durante o julgamento: Gilson Oliveira recrutara três jovens, entre
eles um aluno e um ex-aluno do colégio que Motta dirigia (no Lago Oeste, zona
rural de Brasília), para assassiná-lo simplesmente pra mostrar quem mandava
ali. O professor havia advertido que não admitiria tráfico de drogas dentro da
escola. Os três rapazes cumprem pena e o mandante ainda não foi julgado.
Por mais absurdo que possa parecer, o caso de Carlos
Motta não foi isolado. É possível dizer que os professores estão entre as
categorias profissionais mais atingidas pela violência no Brasil.
Ao contrário do que se deu com Carlos Motta, os autores
quase sempre são os seus próprios alunos.
A professora de História Nádia de Souza Barbosa foi aposentada
aos 56 anos após os médicos constatarem que ela não teria mais condições de
entrar em uma sala de aula. Vítima também de violência cometida por um de seus
alunos, ela relata ser comum, na escola em lecionava (Zona Sul do Rio de
Janeiro), alunos lançarem urina nos professores.
Antonio Maria Cardoso da Silva teve que recorrer a
atendimento hospitalar ao ser atingido na cabeça por um vaso de plantas arremessado
por um aluno do 6º ano do ensino fundamental. A revolta decorrera de uma
advertência por mau comportamento do aluno.
O sindicato da categoria informa que recebe, de seus
representados, queixas de agressões físicas ou ao patrimônio pelo menos em um a
cada três dias. A Apeoesp alega que os casos de violência crescem cerca de 20%
por semestre em São Paulo.
Dados computados pelo MEC, juntamente com a Meritt Informação
Educacional, registram 4.195 eventos de agressões no Brasil a professores de
Língua Portuguesa e Matemática em 2011 considerados apenas os de 5º e 9º ano do
ensino fundamental.
Embora haja motivações variadas nesses milhares de
agressões, é possível supor que, de alguma forma, essa situação decorra da não aceitação,
pelos alunos (e pelo tráfico, em casos como o de Motta), da relação de
hierarquia com o docente.
Seria uma reação ao que visto como símbolo de poder, especialmente a disciplina e a dependência imposta aos
alunos. Esses alunos buscariam contestar o que encaram como um domínio dos
professores sobre eles ou até manifestariam nessa agressão a sua revolta com tudo
o que se lhe afigura como representação do poder, no caso identificada nessa hierarquia.
É por isso que se mostra uma atitude inaceitável,
inexplicável, de quase um suicídio simbólico, a recente decisão do sindicato de
professores do Rio de Janeiro de reagir à absurda violência policial contra as
suas manifestações com a celebração de uma espécie de aliança com a organização
Black Bloc, conhecida pela prática de apropriar-se de atos de protesto para, mediante
a destruição de patrimônio público e privado, não raro resvalando em vítimas humanas, demonstrar sua revolta política e
social.
Com esse tipo de ação os Black Blocs têm conseguido
atrair toda a sorte de pessoas insatisfeitas e sem organização e consciência política,
muitos daqueles que já têm, isoladamente ou em bandos, a mesma prática cotidiana
em grandes cidades, depredando telefones públicos e composições ferroviárias, por exemplo.
Os professores cariocas parecem ignorar que, passadas as manifestações
por questões salariais (e é sempre bom lembrar que elas não são eternas!), essa
multidão de revoltados inconscientes e desorganizados continuará motivada para
jogar a sua revolta contra tudo que a ela se manifeste como poder, inclusive os
próprios professores.
(Fernando Tolentino é pai e filho de professores e exerceu essa profissão até que, por razões políticas, foi impedido de continuar lecionando.)
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