sábado, 19 de outubro de 2013

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

Vinicius de Moraes
 
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. IV, vs. 5-8.


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DIA DA CRIAÇÃO


O aniversário de 100 anos de Vinicius de Moraes tinha mesmo que cair em um sábado. 
Simplesmente porque sábado é o Dia da Criação, como deixou claro o "poetinha" em uma de suas mais belas poesias.
É com a republicação dela que faço a minha homenagem  no dia do seu centenário. Porque hoje é sábado.

Vinicius de Moraes

I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.
III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

sábado, 12 de outubro de 2013

EM DEFESA DOS PROFESSORES



Ao se aproximar o dia 15 de outubro
Fernando Tolentino

O professor Carlos Motta foi assassinado no jardim de sua própria casa na madrugada de 20 de junho de 2008. O motivo foi revelado pelos executores durante o julgamento: Gilson Oliveira recrutara três jovens, entre eles um aluno e um ex-aluno do colégio que Motta dirigia (no Lago Oeste, zona rural de Brasília), para assassiná-lo simplesmente pra mostrar quem mandava ali. O professor havia advertido que não admitiria tráfico de drogas dentro da escola. Os três rapazes cumprem pena e o mandante ainda não foi julgado.
Por mais absurdo que possa parecer, o caso de Carlos Motta não foi isolado. É possível dizer que os professores estão entre as categorias profissionais mais atingidas pela violência no Brasil.
Ao contrário do que se deu com Carlos Motta, os autores quase sempre são os seus próprios alunos.
A professora de História Nádia de Souza Barbosa foi aposentada aos 56 anos após os médicos constatarem que ela não teria mais condições de entrar em uma sala de aula. Vítima também de violência cometida por um de seus alunos, ela relata ser comum, na escola em lecionava (Zona Sul do Rio de Janeiro), alunos lançarem urina nos professores.
Antonio Maria Cardoso da Silva teve que recorrer a atendimento hospitalar ao ser atingido na cabeça por um vaso de plantas arremessado por um aluno do 6º ano do ensino fundamental. A revolta decorrera de uma advertência por mau comportamento do aluno.
O sindicato da categoria informa que recebe, de seus representados, queixas de agressões físicas ou ao patrimônio pelo menos em um a cada três dias. A Apeoesp alega que os casos de violência crescem cerca de 20% por semestre em São Paulo.
Dados computados pelo MEC, juntamente com a Meritt Informação Educacional, registram 4.195 eventos de agressões no Brasil a professores de Língua Portuguesa e Matemática em 2011 considerados apenas os de 5º e 9º ano do ensino fundamental.
Embora haja motivações variadas nesses milhares de agressões, é possível supor que, de alguma forma, essa situação decorra da não aceitação, pelos alunos (e pelo tráfico, em casos como o de Motta), da relação de hierarquia com o docente.
Seria uma reação ao que visto como símbolo de poder, especialmente a disciplina e a dependência imposta aos alunos. Esses alunos buscariam contestar o que encaram como um domínio dos professores sobre eles ou até manifestariam nessa agressão a sua revolta com tudo o que se lhe afigura como representação do poder, no caso identificada nessa hierarquia.
É por isso que se mostra uma atitude inaceitável, inexplicável, de quase um suicídio simbólico, a recente decisão do sindicato de professores do Rio de Janeiro de reagir à absurda violência policial contra as suas manifestações com a celebração de uma espécie de aliança com a organização Black Bloc, conhecida pela prática de apropriar-se de atos de protesto para, mediante a destruição de patrimônio público e privado, não raro resvalando em vítimas humanas, demonstrar sua revolta política e social.
Com esse tipo de ação os Black Blocs têm conseguido atrair toda a sorte de pessoas insatisfeitas e sem organização e consciência política, muitos daqueles que já têm, isoladamente ou em bandos, a mesma prática cotidiana em grandes cidades, depredando telefones públicos e composições ferroviárias, por exemplo.
Os professores cariocas parecem ignorar que, passadas as manifestações por questões salariais (e é sempre bom lembrar que elas não são eternas!), essa multidão de revoltados inconscientes e desorganizados continuará motivada para jogar a sua revolta contra tudo que a ela se manifeste como poder, inclusive os próprios professores.

(Fernando Tolentino é pai e filho de professores e exerceu essa profissão até que, por razões políticas, foi impedido de continuar lecionando.)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

MARINA ATIROU EM DILMA E...



Fernando Tolentino

A novela da disputa de Marina Silva à Presidência da República pela organização que se intitularia Rede Sustentabilidade chegou ao fim, mas o tema continua dominando as manchetes dos principais jornais brasileiros e os mais nobres espaços na TV e no rádio.
Antes do fim, o gancho era a luta para a agremiação regularizar-se na Justiça Eleitoral e, a partir daí, dar suporte à candidatura presidencial de Marina. Surgiram até insinuações de, especificamente no caso da Rede, não se deveria exigir o cumprimento da norma legal. O esperneio não conseguiu esconder que a Rede, em si, não tem qualquer significação social ou política, tanto que a sociedade lhe negou assinaturas suficientes para o registro. O PSD e, antes, o Democratas conseguiram cumprir as regras. A tarefa também foi cumprida por agremiações que jamais mereceram espaços comparáveis na mídia, como o PPL, o Solidariedade e o PROS.
Mas a pauta se manteve com a adesão de Marina ao PSB. Logo se somou as avaliações dos dois nomes nas pesquisas e o casamento foi saudado como uma grande nova: ficou menos insofismável a liderança de Dilma Rousseff na corrida sucessória.
Marina encontrara um caminho para viabilizar sua participação no processo eleitoral. É nítido que o ódio move sua inabalável determinação de confrontar-se com Dilma, no que os psicanalistas poderiam ver a tentativa de resolver o trauma de não ter conseguido conquistar a condição de favorita de Lula no curso de seu governo. A sensação de força decorrente de seus quase 20 milhões de votos de 2010 e das atuais intenções de votos manteriam ativo esse ódio subjacente à motivação política. O suficiente para que se torne personagem mais confiavelmente anti-Dilma que seu anfitrião, o governador pernambucano Eduardo Campos.
Mas a política não é assim tão simples: a mera soma dos dois índices. Soma que viabilizaria um segundo turno e, nele, a desejada batalha definitiva entre ela e Aécio Neves, que lideraria, ainda segundo o devaneio uma grande frente contra o PT. Análises mais detidas começam a surgir.
Não a Rede, mas Marina incorpora realmente musculatura ao PSB por seu peso eleitoral. Só dá pra chegar até aí: o presumível potencial eleitoral, aferido por sua última votação para a Presidência e confirmado por sucessivos levantamentos de intenção de voto, em que ela oscila percentualmente, mas sempre se situa em segundo lugar entre os postulantes possíveis. Não é necessariamente verdade que seus eleitorais a acompanhariam numa dobradinha em que o candidato a presidente seria outro, no caso Eduardo Campos, com ela vinculada ao PSB, mesmo após manifestar reiteradamente a sua aversão a todo o elenco de partidos brasileiros.
Os protestos nas redes sociais não foram poucos. Houve manifestações contrárias no próprio ambiente da Rede. Não escapou à observação dos até então embriagados com a sua proposta de novidade na vida política a forma como se deu a sua decisão. Marina comunicou-a ao presidente do PSB, pedindo ingresso em seu partido e oferecendo-lhe apoio e, só depois informou disso a sua base e, mais, deixando claro que não recuaria. Forma bem tradicional de fazer política. Deve também ter soado estranho a muitos a própria opção pelo PSB, que acabara de receber em suas fileiras – com pompa, circunstância e poder – ninguém menos que Heráclito Fortes e Jorge Bornhausen, figuras tão marcadamente identificadas com posições conservadoras e práticas políticas viciadas.
Sua entrada no PSB não pode ser vista como tranquila. Traz o risco de futura desagregação, pois representa a sujeição do seu principal líder, um nome com índice de potencial eleitoral cerca de cinco vezes menor que o de Marina. E, se há um figurino com o qual Marina não convive bem, é o de personagem secundário. Se Eduardo não crescer rapidamente e ela mantiver os índices atuais, o presidente da legenda será seriamente pressionado a ceder a vaga na competição. Como ficaria a base tradicional do PSB?
Ainda mais que é inquestionável a ambiguidade entre a radicalidade da oposição dela, em que dá para perceber razões de natureza pessoal, e a moderação dele, que considera indispensável para o seu crescimento o fato de ser visto pelo eleitorado como um dos herdeiros do projeto político de Lula. Como serão os discursos do PSB e seu candidato?
Essas posturas diferenciadas são caldo de cultura mais que suficiente para dar corpo a uma luta interna, que pode ser estimulada de fora pra dentro a partir de setores ansiosos para que Dilma Roussef tenha precocemente um adversário à altura e ele não seja Aécio Neves. O PSB terá que disputar com o PSDB a condição de polo contrário. É aí que a moderação do discurso de Eduardo Campos pode sofrer desgaste interno. Não é ele o mais capaz de fazer um enfrentamento agressivo, figadal, que desafie para uma reação a ser traduzida pelo eleitorado conservador como uma indicação de quem realmente vai disputar com Dilma.
O PSDB estará buscando esse espaço e o discurso de Aécio, com o mérito da anterioridade, manterá o tom oposicionista. O problema é que Aécio terá problemas a enfrentar. Um, não vem revelando condições de decolar. Dois, tem uma disputa interna, de que se conhece bastante o tom e a forma, com José Serra, sempre disposto a substituí-la na candidatura. Três, junto ao seu partido, pode se defrontar com o clima de denúncias relativas ao Cartel do Metrô, além de eventual evidência do julgamento do mensalão mineiro. Quatro, o colocado pelo surgimento da opção Campos/Marina, uma soma de índices que lhe coloca como alternativa secundária na disputa.
É por isso que, ao atirar em Dilma, Marina parece ter acertado em Aécio. E o PSDB tem que ser rápido na reação. O partido já vem sofrendo desgastes com as denúncias e muitos já não o estão vendo como possível postulante ao poder. Não custa lembrar que, ao menos enquanto representação parlamentar na Assembleia Legislativa, a legenda desapareceu nos últimos dias no Ceará. Logo lá, onde o governador Cid Gomes abalou seriamente o PSB ao deixar suas fileiras.
Dilma está na frente e, também por estar no exercício do poder, não precisa ferroar os seus concorrentes. O mesmo raciocínio de soma de índices mostra que não foi a grande vítima da solução Campos-Marina. Seria preciso que não houvesse redistas ou marinistas decepcionados e o PSDB mantivesse o vigor para que, somados, ficasse garantido um segundo turno.
Basta-lhe não perder apoio. Amealhar os louros dos resultados de suas políticas, se forem bem sucedidas. E, quando precisar, terá a palavra de Lula (o candidato na sombra da grande maioria dos eleitores) para lembrar a identificação com ela e sugerir que precisa dar andamento aos projetos comuns.
O fato de Dilma estar na frente também lhe favorece porque isso só acirrará aquela luta entre os postulantes do PSB e do PSDB. E isso pode puxar o discurso do PSB para a direita, com possíveis perdas na sua base. Com a nova composição, a aritmética favorece o PSB no embate com os tucanos. Se não revelar força para empurrar seu índice para cima, Aécio provavelmente se verá atropelado por Serra, inquestionavelmente contundente em seus ataques a adversários, e com a virulência reforçada, agora que nada tem a perder como candidato, depois de um rosário de derrotas.
O clima é indefinido. Mas, se vítima presumível há, ela atende pelo nome de Aécio.