sábado, 30 de agosto de 2014

MARINA NÃO É “LULA DE SAIAS”, MAS JÂNIO E COLLOR



Ricardo Kotscho
Advertência necessária: quero deixar bem claro, antes de começar a escrever este texto, no qual venho pensando desde que Marina Silva explodiu como candidata favorita a presidente da República, após a tragédia aérea que matou Eduardo Campos, para que ninguém entenda errado o título: não se trata de uma comparação entre pessoas e suas trajetórias de vida, mas entre fenômenos políticos.
Nos últimos dias, apareceram muitos comentários na mídia comparando Marina a Lula, ambos com origens bem humildes e histórias de vida comoventes, que acabaram construindo seus próprios caminhos, os dois fundadores do PT e vitoriosos em suas caminhadas. Por diferentes caminhos, eles agora se encontram frente a frente em mais uma disputa pela Presidência da República do Brasil, e há quem chame Marina de "Lula de saias", a mulher que desafia Dilma Rousseff, candidata de Lula.
A única vantagem de ficar velho, trabalhando no mesmo ofício, é ser testemunha de tantas histórias acontecidas ao longo deste enredo político dos últimos 50 anos. Conheci e convivi com os quatro personagens citados no título deste artigo e tenho condições de escrever sobre as coincidências e as diferenças entre eles.
Chamar Marina de "Lula de saias" é um grande equívoco. O professor mato-grossense Jânio Quadros, o playboy alagoano Fernando Collor, o metalúrgico pernambucano Lula, criado no ABC paulista, e a ambientalista acreana Marina da Silva chegaram onde chegaram por caminhos muito diferentes.
Embora os quatro sejam um retrato da diversidade social brasileira, com algumas semelhanças no surgimento do fenômeno político, há enormes abismos entre as motivações e os apoiadores das suas candidaturas. Jânio, Collor e Marina têm um ponto em comum: lançaram-se candidatos com discursos contra a "velha política", à margem dos grandes partidos, prometendo nas campanhas criar um "novo Brasil" e uma "nova política", baseados unicamente em suas vontades e carismas, como se isso fosse possível. Pelos exemplos do passado, sabemos que isso não dá muito certo.
Os três lançaram candidaturas mais simbólicas do que reais: Jânio era o "homem da vassoura" e Collor o "caçador de marajás", ambos tendo como bandeira o combate à corrupção, a bordo do velho mantra udenista, moralista e hipócrita.  Na mesma linha, Marina também aparece como a candidata "contra tudo isto que está aí", a bordo das manifestações de protesto de junho de 2013, candidata provisoriamente abrigada no PSB, partido do falecido Eduardo Campos que, até meados do ano passado, estava na base aliada do governo petista.
Ao contrário destes três fenômenos eleitorais anteriores, bancados todos pela grana gorda do empresariado paulista, sempre  em busca de um candidato viável que atenda aos seus interesses,  Lula só foi eleito presidente da República em 2002, depois de três campanhas presidenciais fracassadas, e da longa construção de um amplo apoio na sociedade civil, que começou pelos sindicatos, passou pelos meios acadêmicos e culturais, e conquistou a juventude, combatendo justamente estes grandes barões paulistas aboletados na Fiesp e na Febraban, que financiaram Jânio, Collor e, agora, Marina, para evitar que seus inimigos de classe chegassem ao poder central.
Não tenhamos ilusões neste momento: é exatamente isto que está em jogo, não as personalidades de Marina e Dilma, os seus defeitos e virtudes pessoais, que são subjetivos. O mais importante é saber quem está de que lado, quais os interesses de classe que estão em disputa, quem apoia quem e por qual motivo.
Eu nunca escondi de que lado estou: diante deste quadro, apoio Dilma Rousseff, com certeza.
Publicado orinalmente em Balaio do Kotscho, em 29/08/14

sábado, 23 de agosto de 2014

A MENTIRA DOS ATAQUES AO BOLSA FAMÍLIA



O Diário Oficial da União publicou na sexta-feira a Portaria nº 854, do Ministério da Agricultura, com os preços mínimos para 31 culturas de verão das safras 2014/2015 e, de produtos da Região Norte e Nordeste da safra 2015.
Que bom. A agricultura tem realmente contribuído significativamente com o desenvolvimento nacional, especialmente por sua participação na pauta de exportações, mas também assegurando valores compatíveis para os produtos que integram a dieta dos brasileiros.
Nenhum governo pode desconsiderar a importância desse segmento. E isso atualmente não significa exclusivamente latifúndio ou grandes empresas agrícolas. A agricultura familiar responde por 70% dos alimentos produzidos no País e assegura a ocupação de 80% dos brasileiros envolvidos com essa produção.
Esse é um lado da questão. Para que isso seja possível, o governo comparece com recursos. Além do financiamento agrícola, há outros mecanismos, como o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (Pepro), a Aquisição do Governo Federal (AGF) e o Prêmio de Escoamento do Produto (Pep). Na prática, o governo compensa o agricultor quando os preços de mercado ficam inferiores a valores fixados antes do plantio. Como fez na sexta-feira.
O Plano de Garantia de Preços Mínimos foi criado em 1966 e, portanto, deve comemorar em breve 50 anos.
Não são parcos os recursos colocados à disposição da agricultura. O atual Plano Safra (2014/15) prevê R$ 156,1 bilhões, sendo R$ 21 bilhões colocados à disposição dos agricultores familiares.
Mas a poderosa bancada ruralista nunca está satisfeita e, buscando mais vantagens, costuma negociar com a liderança dos governos cada voto no Congresso Nacional.
Mas, além de mostrar a importância desse segmento para o equilíbrio da economia brasileira, a que propósito esses dados são trazidos para discussão?
E o apoio a outros brasileiros?
É que, sendo tão importante essa colocação de recursos federais à disposição de setores da sociedade, não custa comparar com outras formas de apoio.
Não é noticiado com a mesma simpatia, por exemplo, o Programa Bolsa Família. Pelo contrário, recebe duro combate de políticos e partidos conservadores, inclusive os que representam o setor ruralista, beneficiado com os recursos apontados. A maior parte da grande mídia faz coro com esses adversários do programa.
Não são poucos os que chegam a apelidá-lo de “bolsa esmola”.
Comparando os números, talvez a designação até pudesse não ser assim tão injusta. O Programa atinge cerca de 11,1 milhões de famílias, beneficiando nada menos de 48,5 milhões de pessoas. Mais ou menos um quarto da população do País.
Há algumas características do Programa que desmontam as críticas superficiais que lhe são lançadas. O valor per capita não é suficiente, por exemplo, para estimular a “vagabundagem”, como se chega a dizer, alegando-se que as pessoas são estimuladas a não trabalharem, encostando-se no Bolsa Família. O valor individual parte de R$ 12 e não ultrapassa R$ 112. Só pode fazer jus ao benefício quem não tiver renda mensal superior a R$ 120. Por isso mesmo, é sempre bom lembrar que a bolsa não é concedida somente a quem não trabalha, mas a quem tem insuficiência de renda: mais de 75% dos beneficiados trabalham.
Tem sido observado um número razoável de empreendedores individuais entre os atingidos pela bolsa, com milhões de pessoas afastando-se espontaneamente do Programa.
Além disso, há exigências para quem recebe, como manter as crianças na escola e cumprir um calendário de vacinação. Com isso, organismos internacionais reconhecem a sua validade, apontando para a contribuição com a escolarização e a queda dos índices de mortalidade infantil.
O percentual de mulheres entre os beneficiários chega a 90% do total, considerando-se que as mães têm situação cada vez mais clara de elo de continuidade da família. Mas há uma consequência ideológica interessante: as mulheres passam a ter maior participação na economia familiar, o que é revertido em respeito, dignidade. Ou seja, redução do machismo antes tão arraigado em certas regiões do País.
Aliás, essa é também uma característica que tem causado resistência em certos setores da sociedade. O Programa reduz o mandonismo das classes abastadas sobre as pessoas que lhes servem. Em outras palavras, a Bolsa Família concede às pessoas humildes a condição de dizer não.
Por quê? De um lado, por ser fruto de um cadastro em que não há participação de chefes políticos de qualquer nível. Ou seja, não é preciso a família “mendigar” o benefício a quem lhe tenha concedido e nem ter gratidão por recebe-lo. Reveste-se, assim, de cidadania. Por outro lado, conferindo um lastro mínimo de renda a essas famílias, elas ganham condição de recusarem condições aviltantes de trabalho. Como o emprego doméstico sem registro na carteira ou, para os já empregados, expedientes intermináveis, sem remuneração equivalente, além de atividades despropositadas e até humilhantes.
Por isso, encontra-se “patroas” alegando que os empregados não querem mais trabalhar. A verdade é que não se sujeitam às condições de trabalho antes impostas.
Há outros aspectos significativos na importância do Programa. Segundo pesquisa da conceituada FIPE, a cada R$ 1 real transferido ao Bolsa Família o Produto Interno do País cresce R$ 1,78. 
É possível ainda dizer que esse foi um dos instrumentos mais importantes para que o Brasil tivesse condições de enfrentar a longa crise econômica internacional. Fácil explicar. À época da reforma da Previdência Social, no início da década passada, foi identificado que apenas aposentados e servidores municipais tinham rendimento registrado na esmagadora maioria dos municípios brasileiros. O Bolsa Família eliminou isso. Ainda que pouco por família, há beneficiados em todas as regiões e quase todos os municípios. Em outras palavras, criou-se um mercado interno, que foi fundamental para substituir as vendas ao mercado externo, quando os países compradores tradicionais perderam a condição de manter as importações. Não custa sublinhar que isso representou também a desconcentração da economia brasileira, com o desenvolvimento de pequenos e médios negócios em milhares de cidades que viviam próximas da estagnação econômica.
Transferência de recursos estatais ou sob controle do Estado para a sociedade não é inédito no Brasil. A Previdência Social arca com boa parte disso, inclusive na aposentadoria do trabalhador rural. É possível citar outros programas e direitos como o vale-transporte e o seguro-desemprego. E os que beneficiam setores médios ou abastados da sociedade, especialmente com imunidades e isenções tributárias, perdões de impostos, subsídios, financiamentos a juros rebaixados, cessões graciosas de áreas urbanas e rurais à guisa de estímulo ao desenvolvimento de certas atividades. Mas também bolsas de estudos ou financiamento a viagens de estudos, para citar apenas alguns casos. Nunca é bom esquecer mecanismo de pura e simples transferência de renda que felizmente tende a se extinguir, como a jocosamente apelidada “bolsa dondoca”, aquela que beneficia filhas de certas autoridades públicas, especialmente os militares, levando ao absurdo de que essas privilegiadas não registrem suas relações conjugais.
O que cria resistências ao Programa Bolsa Família, portanto, é a inversão do fluxo tradicional de recursos públicos. Por isso, foi trazido o exemplo do Plano de Garantia de Preços Mínimos. Não se questiona a sua validade. Mas o fato é que apoia o setor agrícola com R$ 156,1 bilhões, enquanto o a Bolsa Família consumirá este ano apenas R$ 603 milhões. A diferença é que um beneficia quem tem propriedade e renda, por isso podendo produzir, enquanto o outro existe para retirar brasileiros da miséria.
Fernando Tolentino

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O QUE SERÁ A PROPAGANDA NA TV





Foi muito importante, para mim, ter assistido a abertura da propaganda eleitoral na televisão.
A partir dali, passo a alimentar a convicção do que tinha como mera impressão. Começa uma nova campanha e, a menos que tudo se transforme radicalmente, ela trabalha a favor de Dilma.
Não me detenho nos partidos menores, pois não serão eles, sem qualquer demérito, a determinar o destino das eleições deste ano.
O primeiro programa de Aécio deve ter sido decepcionante para os seus eleitores. Ainda mais se comparado com os concorrentes. Resumiu-se praticamente a uma longa e cansativa fala do candidato, em tom de discurso, por sinal, pouco convincente. Para quebrar o enfado, apenas o recurso de ser alternada com a própria imagem direta dele e a recebida indiretamente por personagens por meio de variados meios de comunicação.
É marcante a impressão de não haver sido programada uma abertura razoável para a campanha. Foi uma aula de como se aproveitar mal o tempo. Aliás, deu a sensação de que felizmente o programa não era maior. Talvez até que a equipe de produção tenha chegado à mesma conclusão: como fazer para ocupar tanto tempo? Sem que isso represente uma piada ou uma provocação, cheguei a me perguntar: será que a equipe de publicidade de Aécio foi montada por Serra?
O programa do PSB demonstrou mais qualidade da equipe técnica. Passagens de bom gosto, boa montagem e boa música de fundo, atraiu o eleitor e deixou a mensagem pretendida. Mesmo sendo o programa inicial e veiculado pouco após sua morte trágica, soou estranho a ênfase exagerada para o personagem Eduardo Campos. Isso seria justificável se ele tivesse deixado um grande vácuo eleitoral a ser ocupado pela candidata Marina, tratando-se, portanto, de uma estratégia de transferência. Mas sabe-se que é o contrário. Eduardo jamais conseguiu índices de pesquisa sequer próximos dos dela, que ficou quase desaparecida no programa.  A impressão é de que será mais uma campanha mais de lágrimas que de propostas.
Diante dos dois, o programa de Dilma foi de entusiasmar. O ritmo foi perfeito. Lula entrou ao fundo do programa, mas com presença firme, direta, voltado para deixar claro ao eleitor que o voto em Dilma é um voto na continuidade do ciclo iniciado por ele. Dilma, que tem perfil pessoal e situação institucional muito mais formal, teve uma presença coloquial no programa. Suas falas em clima de conversa, chegando até a um grau intimista. Falou no programa como se estivesse em nossa sala, o que é fundamental em um programa que, principalmente no início e ainda mais diante da propaganda contrária a ele, é recebido com atitude adversa por boa parte do público.
Ao mesmo tempo, o programa não deu a ideia de exageradamente grande, tal a densidade de informações e variedade de locações, assim como a presença de povo, o que se viu menos no programa do PSB e praticamente não tinha no de Aécio. Mais que isso, o povo revelando proximidade com Dilma e, para um bom observador, com a aproximação sendo provocada pelos populares, de forma natural. Em vários momentos, foi possível ver pessoas puxando Dilma para perto de si.
Não faltou emoção ao programa e, melhor, ela foi introduzida pela própria Dilma, ao falar do sucesso de alguns programas de governo, como o Pronatec e o Minha Casa Minha Vida. A referência a Eduardo Campos também esteve na medida. Não foi feita por Dilma, mas por Lula, que tinha amizade pessoal suficiente para demonstrar que se tratava de adversário eventual e, em um recado à militância petista, deve ser respeitado como tal, como homem de esquerda e com compromissos próximos. No final, assumiu a frase dita por Eduardo Campos e que o PSB pretenderia que fosse só sua: “Nós não desistimos do Brasil”.
O programa de Dilma mostrou condições de encantar o cidadão que o estivesse assistindo em casa ou de entusiasmar os que já têm simpatia por seu governo e por seus compromissos.
E é preciso que seja assim, porque vai ficar para a população o contraponto entre o que verá no programa de rádio e TV e o que lhe será exibido na programação comercial das emissoras. O programa de abertura conseguiu desmontar o clima da entrevista da véspera ao Jornal Nacional. Ainda que Dilma tenha se saído bem, deixando clara a sua capacidade de enfrentar adversários ferozes, a verdade é que ficou um clima inamistoso no ar. Não podia ser diferente. Levantamento do jornalista Leandro Fortes mostrou que mais de um terço do tempo da entrevista foi gasto pelos dois jornalistas da bancada da Globo, sendo que Dilma foi interrompida não menos que 21 vezes, um número aberrante diante das interrupções nos programas de Aécio e Eduardo Campos, 7 e 6 respectivamente. Não escapou também ao telespectador o ânimo exaltado dos entrevistadores, ficando marcada a cena de Patrícia Poeta dirigindo-se a Dilma, ameaçadora, com o dedo em riste.
Assisti ao programa de TV em uma plenária com militantes do PT e vi que cumpriu o papel, emocionou e levantou o moral da militância, impulsionando-a para a rua.
Fernando Tolentino