domingo, 29 de junho de 2014

VIVA O CHILE!


Viva o Chile?! Então não foi justamente o Chile que nos vendeu caro a derrota nessa última partida? Não foi o Chile que nos exigiu a disputa de pênaltis depois da prorrogação, praticamente fazendo parar os corações de todo o País? Chegando, no final, a arrancar lágrimas de nós.
Sim. É a esse Chile que eu quero bem. Passei lá um pedaço de minhas férias há não mais que dois meses. Fui a Santiago, Valparaíso, Viña del Mar, Puerto Montt, Puerto Varas, Frutillar e Punta Arenas e Puerto Natales.
Fui recebido como sempre pelos chilenos. Na primeira vez, em Santiago, tive a experiência de me ver tentando encontrar um endereço e ser abordado por um chileno que não esperou que lhe pedisse ajuda. Ele se adiantou a me perguntar se queria alguma explicação e me deu todas as orientações.
Agora, encontrei o mesmo povo acolhedor, o mesmo sorriso, o mesmo senso de humor que o torna parecido conosco. Na capital ou quaisquer das cidades em que estive, os chilenos queriam falar da Copa. “Nuestra Copa”, pois a tinham como uma conquista dos países do Sul, da América Latina. E lançavam imediatamente um plano conciliador, o de que queriam uma final latino-americana. “Solo no pueden ser argentinos”, faziam a ressalva.
Pois foi esse Chile que eu vi ter o seu hino vaiado no Mineirão. Entendo que não pode haver maior desonra nacional.
No regime militar, chegamos a tentar minimizar a força de nosso hino. O povo nos chamava à razão quando não nos levantávamos no momento em que era executado nos estádios. Portanto, foi o povo humilde que nos ensinou o significado de nosso hino. E ele se transformou em um grito de luta. Até hoje, em milhares de vezes que o ouvi e o cantei, jamais consegui deixar de cerrar os punhos no momento em que juramos: “Verás que um filho teu não foge à luta”.
Sei que não foi uma agressão do povo mineiro. A história e os valores nacionais são muito fortes para os que vivem em Minas Gerais. Pude ver, depois, fotos de dondocas que tanto vaiavam quanto agitavam pulseiras de ouro. Talvez um grupo muito semelhante ao que puxou os xingamentos contra a nossa presidenta em São Paulo.
Definitivamente, os chilenos não mereciam isso.
Peço humildemente desculpas aos chilenos que vieram fazer conosco a “nuestra Copa”. Disso eu me envergonho.
Viva o Chile, país irmão, vítima histórica de exploração muito semelhante à que submeteu o Brasil. Vítima também da agressão suja contra a sua democracia, em que o presidente Allende, democraticamente eleito, foi sacado do poder, da mesma forma que foi destituído Goulart no Brasil. Um povo que teve a sua democracia agredida justamente no momento em que abrigava tantos brasileiros que não tinham o direito de viver aqui. Até brasileiros como Fernando Henrique Cardoss e José Serra, tão caros a essa gente que xinga Dilma Rousseff em um dia e vaia o seu hino nacional no outro.
Peço desculpas também aos mexicanos, que escaparam de serem hostilizados, mas aos quais ainda não agradecemos devidamente por participarem da “nuestra Copa”, ajudando a transformá-la na melhor de todas as que se realizaram até hoje. Viva o México, tão gentil ao acolher minha mãe em 1968, quando realizava sua pós-graduação.
Viva a Colômbia, com quem vamos disputar a próxima partida.
Viva a Argentina. Por que não? “Hermanos” mesmo, pois vivem historicamente as mesmas dificuldades que nós, enfrentam os mesmos inimigos e são submetidos à mesma exploração. Só a esses exploradores interessa que não tenhamos clara essa fraternidade.
Viva o Uruguai, o Equador, a Costa Rica e Honduras. Viva a América Latina, que divide conosco a honra de construir “la nuestra Copa”.
Viva a África e nossos irmãos negros de Camarões, de Gana, da Costa do Marfim.
E viva também o povo português e, junto com ele, os espanhóis, vítimas hoje de crise sem tamanho e quase sem saída, ao menos nos marcos dos governos que escolheram para enfrentá-la. Ou dourá-la.
Vivam os demais povos que estão vendo o Brasil com tanta simpatia, desfrutando de nossas belezas e delícias, destruindo preconceitos talvez.
Viva também o povo dos Estados Unidos, pois está sendo marginalizado junto com os explorados do resto do mundo. A crise não os poupou e milhares de pessoas vivem em túneis, sob as ruas, em acampamentos, ou em seus automóveis.
O Brasil que sedia a Copa das Copas não é o país que vaia os hinos de seus convidados, não é o país que hostiliza estrangeiros, como também não é o que oferece as suas mulheres para com eles se prostituírem.
No final da Copa, haverá um vencedor. Queremos por tudo que seja o Brasil. Mas, a primeira vitória nós já obtivemos. Estamos realizando uma linda festa para o nosso povo e para os nossos visitantes.
O Brasil da Copa é o povo que abraça, exibe sua cultura com orgulho, expõe a sua simpatia, não esconde os seus enormes problemas, mas faz questão de dizer que vai resolvê-los e não se furta a estender a sua generosidade aos demais povos do mundo.
É este o sentido da Copa.
Viva o Chile!
Fernando Tolentino

quinta-feira, 19 de junho de 2014

ENTRE A OPÇÃO E O ÓDIO






Preste atenção. É o grande detalhe do atual momento político.
A direita cansou de perder a disputa presidencial e, mais que isso, entendeu que, desta vez, a situação pode ser mais grave para os interesses que representa. Uma virtual vitória de Dilma Rousseff pode ser acompanhada de uma composição mais progressista no Congresso Nacional. E não é só. Eleições em estados que ela considera estratégicos e em que se mostrava tradicionalmente hegemônica lhe apresentam o risco de escaparem ao controle. É o caso do chamado Triângulo das Bermudas (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), além do Paraná. As pesquisas apontam nomes alinhados na base de apoio do governo de Dilma nas quatro primeiras colocações para governador do Rio. Fernando Pimentel está disparado nas cogitações dos mineiros e, embora Geraldo Alckmin e José Richa mantenham dianteiras em São Paulo e Paraná, vê-se como bastante pausível um súbito crescimento de candidatos oposicionistas, inclusive os nomes do PT nos dois estados, Alexandre Padilha e Gleisi Hoffmann.
A situação pré-eleitoral de Dilma Rousseff não é tão confortável quanto parecia até 2013, mas ninguém desconsidera o potencial de realizações que pode apresentar durante a campanha. Ao lado disso, frustraram-se dois elementos vistos como vitais para desequilibrar suas chances. Ela conseguiu manter a ampla base de apoio, muito superior às de que dispôs Lula em 2002 e mesmo em 2006, além dela mesma em 2010. Por outro lado, parece ter sido um tiro na água a alternativa representada pela dobradinha Eduardo Campos-Marina Silva, de quem se esperava descolar votos da esquerda e induzir um segundo turno.
A direita sabe que não suportaria mais quatro anos de liderança nacional petista, ainda mais se com uma base parlamentar reforçada. Vê as sombras de ameaças que não passariam pela ávida goela de suas bases de sustentação no poder econômico: a reforma política, a reforma tributária e a regulação da mídia. Além, naturalmente, de destravar-se a reforma agrária e institucionalizar-se definitivamente uma maior representação da sociedade, como já antecipou o governo Dilma em recente decreto.
Por tudo isso a eleição de 2014 é vista como uma luta de morte para esses setores hoje representados principalmente por PSDB, DEM e PPS. Eles não podem se queixar de perdas econômicas nos primeiros governos sob liderança petista. Muito até pelo contrário. Mas tremem de medo diante da agenda que parece pautar um futuro governo Dilma.
Diante dessa realidade, a direita tem duas certezas. A primeira é de que não será no debate acerca de programas ou, muito menos, na comparação de experiências governamentais que poderá ganhar o confronto de outubro. A segunda é de que precisa destruir Dilma antes do início da campanha, especialmente em rádio e TV. Antes da discussão de propostas e apresentação de resultados.
A direita entendeu por isso que não basta o eleitor OPTAR; é preciso ODIAR.
O motivo é simples. A opção é feita com consciência; o ódio, com paixão.
E seus estrategistas sabem que a consciência dá brechas para a mudança; a paixão só se resolve com a morte.
Suas candidaturas dispõem naturalmente das classes mais abastadas e conseguem atrair sem qualquer dificuldade a classe média-alta, que não é, mas se pretende alta, motivo suficiente para imitá-la. Boa parte da classe média tradicional também é atualmente sensível à sedução da direita, ao não se conformar com o crescimento da maré social, trazendo para perto de si classes antes marginalizadas do mercado. É a gente que não se conforma em dividir espaços em aeroportos, em ver o trânsito invadido por levas de novos carros e motoristas, presenciar novas presenças nos bancos das universidades e entre os aprovados em concursos públicos.
Esses segmentos são sensibilizados para odiar o PT e seus companheiros de viagem. Qualquer análise no sistema tributário nacional mostra que a incidência de impostos é maior em quem tem menor remuneração. Como praticamente todos os seus recursos são dirigidos para o consumo, esses são quase integralmente gravados com os impostos diretos (IPI, ICMS e ISS), cuja soma de alíquotas é superior à dos impostos indiretos, além do IOF, quando são obrigados a financiar o que adquirem.
Ainda assim, essas classes não aceitam que a repartição do orçamento público privilegie essas classes que sempre contribuíram para o bolo tributário, pouco usufruindo dele.
Em outras palavras, essa parcela da sociedade acostumou-se a beneficiar-se com quase exclusividade dos recursos públicos. Foi o que sempre sucedeu com o quase monopólio das vagas em universidades públicas por exemplo. E, a partir daí, com as bolsas para cursos de mestrado e doutorado. Mas também com vultosos subsídios para grandes empresas privadas, beneficiadas com financiamentos generosos e isenções fiscais, para não falar das concessões de terras ou áreas urbanas a preços irrisórios. Não causava qualquer questionamento o relacionamento do erário com o setor agrícola: concessões de áreas rurais, isenções de impostos, taxas generosas no Imposto de Renda, política de preços mínimos, compras de produção, financiamento subsidiado de implementos agrícolas, perdões de financiamentos etc. Essa parte da sociedade via com naturalidade, por exemplo, a aposentadoria rural, que alcança milhões de brasileiros humildes, mas não é fruto direto da contribuição de fazendeiros com a folha de seus empregados.
Esses setores dominantes ainda conseguiram assimilar algumas políticas que atingiram segmentos mais amplos da sociedade, como o vale-transporte ou o seguro-desemprego, ambos alcançando trabalhadores com carteira assinada. O sinal vermelho acendeu quando surgiram políticas de efetiva redução da marginalidade, buscando beneficiar os que não eram aproveitados pelo mercado formal de trabalho. É o caso da Bolsa Família. E é também o caso do Mais Médicos, que promove o atendimento de brasileiros não integrados à economia formal. Mas acendeu também por causa da ascensão social de classes inferiores, do acesso à universidade, por exemplo, com o ProUni e a multiplicação de instituições federais de ensino, inclusive com a desconcentração de campi universitários. São políticas que tendem a desequilibrar a equação da marginalização mais que secularmente vigente.
Ao se ver ameaçada eleitoralmente em mais uma disputa, veio a onda de demonização do governo, do PT  e de quem quer que se juntasse na mesma base de apoio. Não era uma estratégia nova, mas intensificou-se exponencialmente a partir das manifestações de junho de 2013. E tomou a Copa do Mundo como mote justamente pela irracionalidade como que poderia ser trabalhado, sem que ela fosse realmente discutida.
A Copa é um evento privado. As acusações de corrupção contra a FIFA, entidade detentora do direito de realiza-la, não são desconhecidas de qualquer brasileiro medianamente informado. O outro lado da questão é que o direito de atrair o evento é disputado por países de todo o mundo. Uma disputa tão renhida que não é raro surgirem insinuações de golpes baixos entre os países. Trata-se do maior evento esportivo do mundo, conseguindo suplantar as Olimpíadas. Quem pretende atraí-la não o faz por qualquer simpatia pela FIFA, mas pelos resultados econômicos que é capaz de proporcionar. E é claro que a FIFA se aproveita disso ao máximo. Negocia diretamente os patrocínios e impõe regras aos países-sede, inclusive a isenção de impostos, como tem feito nas últimas edições da competição.
Nada disso é desconhecido das forças políticas brasileiras ou das empresas que auferem polpudos resultados com a sua realização: patrocinadores, rede hoteleira e de serviços, empresas de transporte, agências de turismo e um sem número de atividades. Desde a rede de televisão que conseguiu trazer pra si o direito de transmissão, inclusive para todo o mundo, até os ambulantes que vendem bugigangas nos semáforos.  
Não é surpresa quando a Copa é realizada no Brasil e nem quando é disputada em qualquer outra parte do mundo, mobilizando também o apetite de várias dessas empresas.
Beira a hipocrisia a avaliação moralista com relação ao que representa a FIFA. O poder público brasileiro investe fortunas em outros eventos de grande envergadura (Fórmula 1, Carnaval, Rock’n Rio, tantos outros festivais, para citar só alguns) e não seríamos capazes de lembrar de abordagens moralistas com relação a gastos públicos em outros deles. As escolas de samba são também instituições privadas e, ainda assim, recebem subvenções públicas diretas, isenções de impostos e imensos investimentos na estrutura que dá suporte ao carnaval. Levante o dedo quem nunca ouviu falar que as grandes escolas de samba brasileiras são vinculadas a bicheiros. O Campeonato Brasileiro de Futebol também não absorve poucos investimentos públicos. Mas é “propriedade” de uma instituição (a CBF) com inúmeras acusações de corrupção, reunindo clubes (igualmente privados) contra os quais não são menos contundentes as acusações. A começar pela cínica sonegação de impostos da maior parte deles.
E, cá pra nós, a Copa nunca teve partido político. No auge da ditadura, a esquerda chegou a ensaiar uma campanha para que não se torcesse pela seleção canarinho. Bobagem! Vivi isso pessoalmente e não conheço um só militante que renunciasse à torcida mais apaixonada. Dilma Rousseff acaba de dizer que isso se repetiu nas prisões. E é preciso lembrar que o governo Garrastazu interferiu na seleção, chegando a provocar a demissão do treinador João Saldanha. Mas o único resultado que poderia esperar dela seria deslocar o foco da atenção da sociedade, alienando-se da tremenda repressão contra os adversários políticos. Jamais tive notícia de um só brasileiro por quem passasse a ideia de que a Copa de 1970 fosse ganha por causa do governo.
Se a Copa deste ano pode ajudar a candidatura Dilma Rousseff será parte do mesmo pacote que a prejudicou. Prejudicou porque, durante pelo menos um ano, o seu governo foi vítima de uma guerra de desqualificação, na maior parte das vezes com a utilização de números mentirosos relativamente a investimentos, além de passar-se a ideia de incompetência na condução de obras, boa parte das quais conduzidas por entes privados ou governos estaduais. A onda voltou na mesma intensidade, a partir do momento em que foi possível realizar a Copa sem transtorno maior do que o aceitável para qualquer participante: delegações esportivas ou turistas nacionais e estrangeiros.
Numa única coisa a Copa pode ser benéfica para a candidatura de Dilma. Por consumir um mês às vésperas das eleições e em razão do sucesso do evento, a Copa amorteceu a estratégia do ódio. Tudo indica que deixou a campanha para a época da campanha e, para desespero da direita, a expectativa é que nesse momento imponha-se a consciência. Vamos ver se conseguirá impor a política do ódio.
Fernando Tolentino

domingo, 15 de junho de 2014

OS XINGAMENTOS QUE TOMAMOS PARA NÓS




Ainda sobre a baixaria elitista e branca da ala VIP na abertura da Copa do Mundo.
Não poderia responder imediatamente. Precisa ver a capa do semanário Veja, as manchetes principais das edições do Correio Braziliense, do Globo, da Folha e do Estado de São Paulo.
Conhecer as reações dos candidatos adversários, os que veem uma competição futebolística como mera arena eleitoral. Ver o que diria o colunista Merval.
Precisava saber de vozes discordantes, ao menos naquele episódio, como Boris Casoy, a quem não se pode cometer o desatino de identificar como simpatizante da presidenta Dilma. Ou as de José Trajano, Arnaldo Ribeiro e Juca Kfoury, que mostrou ser contrária a reação dos trabalhadores da obra do estádio.
Sim, precisava confirmar em que espaços prevalem os interesses aquele grupelho.
Não poderia deixar de ler o que disseram Chico Buarque e Hildegard Angel ou Jean Wyllys.
Quem comemoraria a gritaria chula, tal como se não tivesse acesso à escola, tendo recebido os seus princípios morais nas áreas mais despudoradas das cidades?
Aliás, o jornalista Paulo Passos, do UOL, denunciou terem irrompido os xingamentos na ala VIP do estádio. E mais: surgiram no exato momento em que estava programada uma homenagem aos operários que construíram o estádio. É sintomático. Na visão deles, como querem homenagear a senzala em um país que pertence à Casa Grande? Esta deve ter sido a revolta desses estreantes em “manifestações”.
O baixo calão dos frequentadores de salões denunciou um país dividido. Dividido entre segmentos socialmente extremos.
O poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, um dos nomes mais respeitados da periferia de São Paulo, postou no tuíter: “Se a @dilmabr vier aqui na periferia de São Paulo nós vamos enchê-la de beijos e abraços”.

Rosa branca oferecida por Lula a Dilma em nosso nome no dia seguinte ao jogo


Ao contrário do que desejava a “elite branca” (na definição do ex-governador paulista Cláudio Lembo, agora repetida por Wyllys), os estádios ficaram prontos, os aeroportos foram elogiados por turistas internacionais, não houve tumultos incontornáveis para se chegar aos estádios, a rede hoteleira atendeu a demanda da Copa e foi cabalmente desmentido o #Não vai ter Copa. As próprias manifestações foram praticamente inexpressivas, ridículas diante das de junho de 2013. Só ganharam vulto em forçadas matérias jornalísticas, ainda assim sem convencer leitores e telespectadores.
Péssimos estudantes de História, piores testemunhas da vida política, essa elite não conseguiu fazer a leitura do que foi a utilização de eventos como as participações nas Copas do Mundo pelos regimes militares do Brasil e do Chile, ou o fato de sediá-la, na Argentina. Fatos como registrados no filme “Pra frente Brasil”, de Roberto Farias, têm sentido diverso. A vitória do campo não traria apoio para o regime; se muito a alienação popular com relação ao caráter ditatorial do governo. Foi a aposta do general Garrastazu, assim como dos vizinhos generais Pinochet e Videla. Aliás, todos figuras simpáticas para essa mesma elite brasileira.
Sei, de sentir na pele, o que foi a censura popular ao simples fato de que nós, militantes de esquerda, pretendíamos atrair o povo para não levantar, nos estádios, quando executado o Hino Nacional.
Torcer contra a Seleção, nem pensar! Diz muito bem a presidenta Dilma, falando do que sucedia dentro dos presídios políticos. Nem mesmo com a intervenção de Garrastazu, impondo o corte do técnico do escrete, João Saldanha, às vésperas da Copa do Mundo. Só para recordar, Saldanha (jornalista esportivo e sabidamente militante do Partido Comunista) reagiu mal quando o ditador alegou que Dario deveria ter sido convocado. A imprensa, claro, pressionou o técnico e ele, reconhecidamente irreverente, respondeu que não lhe fora pedida a opinião quando o presidente militar escolheu os seus ministros. Saldanha foi liminarmente substituído por Zagalo.
A grande festa de 1970, quando o Brasil conquistou o título pela terceira vez, teve o aplauso dos ricos, irmanando a classe média e os setores populares em um grande abraço nacional. Não era possível distinguir entusiastas da ditadura ou seus críticos e mesmo militantes de esquerda, alguns até clandestinos.
A vaia chula foi o último grito agônico da “elite branca” e seus porta-vozes. Claro que nem tudo ficou absolutamente perfeito. Tanto que uma aranha virou manchete de jornais, ao insinuar-se em um hotel de certa seleção estrangeira, aterrorizando um dos atletas!
Não conseguindo assim destruir a imagem nacional diante do mundo, essa gente decidiu-se por fixar a impressão de que somos, de todos, o povo mais grosseiro, o mais deseducado, o menos cívico e hospitaleiro. Muito mais simbólico e elegante foi o craque chileno Carlos Caszely, em 1974, negando ao ditador Pinhochet um mero aperto de mão na despedida da representação do Chile no Mundial da Alemanha.
Pois nem essa malcriação dos endinheirados será fixada entre os turistas que vieram para a Copa. Os brasileiros lhes dão provas contrárias de simpatia, receptividade, educação e maturidade. Como a do taxista Adilson Luiz da Cruz, de São Paulo. Não foi possível ele realizar o sonho de entrar no estádio para ver a seleção brasileira. Mas não teve dúvida de devolver aos torcedores mexicanos os 40 ingressos que haviam deixado em seu carro. Esse é o verdadeiro cidadão brasileiro.
O Brasil espera que os deselegantes torcedores VIP de São Paulo tenham sido emudecidos pela censura pública que lhes foi imposta e muito bem sintetizada nos versos de Camões (Os Lusíadas) que a presidenta Dilma Rousseff incorporou ao seu artigo A Seleção está acima da política: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta”.
Fernando Tolentino